03/07/2015

TEMPO PERDIDO/ CAPÍTULO III

-Ai, meu Deus! Tá tudo bem com você, menino?- Celine também desceu do táxi pra ver como ele estava.
-Tô de boa, dona. Melhor agora- voltou a me olhar.
-Não é melhor levar ele pro hospital?- sugere o taxista.
-Precisa, não. Minha casa é aqui perto.
-Então, deixa a gente te levar até lá- pedi.
-Melhor ir pro médico, vai que ele fraturou alguma coisa, quebrou algum osso...
-Só quebrou o retrovisor da moto, mas não tem nada, não. Meu pai paga. E eu já falei, tô de boa.
-Pelo menos deixa o táxi te levar pra casa...
-Eu moro na Domingos Ferreira, é logo à direita, bem no começo. Dá pra ir até lá a pé mesmo, pode relaxar.
-Nada disso. Você vai com a gente- falei com tanta autoridade que comecei a perceber o quanto o queria perto de mim, mesmo sem saber ainda quem ele era.
-Ô, moço, me dá o número do teu celular que eu acerto depois o arranhão do teu táxi.
-Vou te levar pra casa primeiro, depois a gente acerta isso. Vocês não se incomodam, não?
-Imagina. Faz muito bem, a gente vai com o senhor- Celine apoiou a minha iniciativa, mas sem notar o meu súbito interesse.
-E a moto?
-Vou pedir pra alguém que trabalha lá em casa pegar pra mim e levar até a oficina.
-A culpa foi sua, que ultrapassou o sinal vermelho.
-OK, eu não prestei atenção. Foi vacilo meu mesmo.
-Não vamos discutir esse assunto agora, por favor. O importante é você ir pra casa, depois você conserta o táxi e a moto. Mas vamos logo com isso, que eu e a minha enteada queremos descansar, por favor.
-Pode entrar, moço- pede o taxista, colocando-o no banco da frente, enquanto eu ia junto com Celine.
Quando chegamos, aquele rapaz abriu a porta do táxi, e deixou bem claro (mais uma vez):
-Já sabe onde eu moro. Qualquer coisa, pergunta onde tá Henrique Passos. Prometo que eu pago o prejuízo do seu carro.
-Olha que eu vou cobrar, viu?
-Obrigado mesmo. Obrigado por tudo e... Desculpa atrasar vocês- falou pra gente, meio sem jeito de olhar pra mim.
-Tudo bem, moço. Melhoras- Celine não via a hora de chegar ao hotel.
Assim que chegamos lá, ela discou o número de celular do meu pai.
-Eu já tava preocupado, vocês demoraram pra dar notícia.
-Tivemos um contratempo, meu amor.
-Cadê a Ariela? Eu quero falar com ela.
-Me fala antes como é que tá Bento.
-Sem querer comer, desanimado. Tem perguntado muito da irmã.
-E você, o que tem dito?
-Invento qualquer coisa. Se eu disser o que ela foi fazer em Pernambuco, é capaz de até piorar. Deixa eu falar com ela, Celine.
-Tudo bem- respondeu com certo pesar- Pra você, Ariela.
-Oi, Painho.
-Filha, como você tá?
-Comigo, tudo bem. E com Bento?
-Na mesma, minha filha. Abatido. Ele tem perguntado muito por você.
-Diz pra ele que eu tô morrendo de saudade.
-Eu ainda não disse pra ele que vocês foram viajar.
-Fala que eu peguei uma virose, e que Celine tá tomando conta de mim. Assim, ele não se preocupa tanto.
-Quanto tempo pretende ficar aí, nesse lugar?
-Do jeito que o senhor fala, parece até que eu fui recrutada pra guerra.
-Eu te conheço melhor do que ninguém. Você quer aproveitar essa chance pra buscar as respostas que sempre te atormentaram.
-Eu só quero buscar a minha mãe pelo Bento, é só isso que o senhor precisa entender.

/////

Enquanto isso, o tal Henrique Passos encontrou o pai na hora do almoço, que não estava nos seus melhores dias.
-O que foi isso na sua roupa?- repara a calça rasgada.
-Que milagre o senhor prestar atenção nisso...
-Pronto. Começou a carência- bradou a sua madrasta, que também estava à mesa.
-Foi ele que me perguntou ou foi você?
-Você vai protagonizar mais uma de suas brigas diárias com minha mulher ou vai soltar o que foi que houve?
-Quebrei a moto...
-Pela sua cara e pelo estado em que está, não foi um simples pneu que estourou. Desembucha logo, Henrique.
-Bati com a moto num táxi, foi isso.
-Calculou o prejuízo astronômico?
-Fica tranquilo. Deixa que eu pago.
-Corrigindo: você quer me deixar pagar. É lógico. Tudo que você faz respinga em mim.
-Eu já não falei que vou pagar?
-Ih, Norberto, então ele vai começar a assaltar. Não tem onde cair morto. Aliás, se tiver, só se for no colo do pai, não é?
-Que estranho... Não lembro qual foi a hora que eu pedi sua opinião.
-Será que dá pra deixar de tratar mal a Vivinha?
-Poderia, se não fosse meu passatempo preferido. Já o seu é desfrutar da grana do macho, antes que ele vá pro presídio.
-Não é o que você faz há anos?
-Só não sou tão profissional quanto você.
-Vão os dois parar com isso ou eu vou ter que me levantar da mesa?
-Pelo menos eu não encosto no meu pai interpretando o personagem do filho órfão. Aliás, você poderia até ganhar o Troféu Imprensa de melhor ator revelação. Não, porque essa sua atuação de São Francisco de Assis é esplêndida.
-Eu não quero nada dele. Esse dinheiro é sujo.
-Não quer, e mora na casa do suposto explorador de mulheres, daquele que a imprensa chama de cafetão. Por que não vai embora daqui, já que esse dinheiro é uma praga pra você?
-Bom, já vi que é impossível de almoçar aqui. Prefiro ir até a boate verificar alguns assuntos relacionados à contabilidade. Quanto a conserto de táxi, de moto e o escambau: passe a se sustentar!

/////

Passadas algumas horas, a minha madrasta cochilava no quarto do hotel. Ao levantar da cama, teve duas surpresas desagradáveis: a primeira é não ter me encontrado; a segunda é ter visto que eu havia dado uma olhada no dossiê que continha as informações sobre Vilma e a sua nova família.

/////

Finalmente chegou a hora de conhecer a boate que era o negócio do Norberto Nunes, a Lust. Fui até o bar, já deveriam ser umas quatro horas da tarde. Um rapaz chamado Gustavo me atendeu.
-É o teste pra nova dançarina da Lust? Desculpe, mas nós já preenchemos a vaga.
-Não é isso, não. Eu tô procurando uma pessoa, Norberto Nunes. Você sabe se ele trabalha aqui?
-Se trabalha? Ele é o dono disso tudo aqui, minha filha. Dona Vivinha, quanto tempo que a senhora não vem aqui- eu continuei de costas para a mulher com a qual Gustavo estava falando.
-Vivinha o escambau! Pra você, eu sou Dona Vilma, ouviu bem?- o tom imponente fez com que eu me virasse, mas ela continuou ríspida- Tá olhando pra mim por quê? Nunca me viu?
-Não vejo há catorze anos- na mesma hora, ela percebeu quem eu era e se assustou- Quanto tempo, Vivinha... Não vai cumprimentar sua amiga Ariela?

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