-Ai,
meu Deus! Tá tudo bem com você, menino?- Celine também desceu do táxi pra ver
como ele estava.
-Tô
de boa, dona. Melhor agora- voltou a me olhar.
-Não
é melhor levar ele pro hospital?- sugere o taxista.
-Precisa,
não. Minha casa é aqui perto.
-Então,
deixa a gente te levar até lá- pedi.
-Melhor
ir pro médico, vai que ele fraturou alguma coisa, quebrou algum osso...
-Só
quebrou o retrovisor da moto, mas não tem nada, não. Meu pai paga. E eu já
falei, tô de boa.
-Pelo
menos deixa o táxi te levar pra casa...
-Eu
moro na Domingos Ferreira, é logo à direita, bem no começo. Dá pra ir até lá a
pé mesmo, pode relaxar.
-Nada
disso. Você vai com a gente- falei com tanta autoridade que comecei a perceber
o quanto o queria perto de mim, mesmo sem saber ainda quem ele era.
-Ô,
moço, me dá o número do teu celular que eu acerto depois o arranhão do teu
táxi.
-Vou
te levar pra casa primeiro, depois a gente acerta isso. Vocês não se incomodam,
não?
-Imagina.
Faz muito bem, a gente vai com o senhor- Celine apoiou a minha iniciativa, mas
sem notar o meu súbito interesse.
-E
a moto?
-Vou
pedir pra alguém que trabalha lá em casa pegar pra mim e levar até a oficina.
-A
culpa foi sua, que ultrapassou o sinal vermelho.
-OK,
eu não prestei atenção. Foi vacilo meu mesmo.
-Não
vamos discutir esse assunto agora, por favor. O importante é você ir pra casa,
depois você conserta o táxi e a moto. Mas vamos logo com isso, que eu e a minha
enteada queremos descansar, por favor.
-Pode
entrar, moço- pede o taxista, colocando-o no banco da frente, enquanto eu ia
junto com Celine.
Quando
chegamos, aquele rapaz abriu a porta do táxi, e deixou bem claro (mais uma
vez):
-Já
sabe onde eu moro. Qualquer coisa, pergunta onde tá Henrique Passos. Prometo
que eu pago o prejuízo do seu carro.
-Olha
que eu vou cobrar, viu?
-Obrigado
mesmo. Obrigado por tudo e... Desculpa atrasar vocês- falou pra gente, meio sem
jeito de olhar pra mim.
-Tudo
bem, moço. Melhoras- Celine não via a hora de chegar ao hotel.
Assim
que chegamos lá, ela discou o número de celular do meu pai.
-Eu
já tava preocupado, vocês demoraram pra dar notícia.
-Tivemos
um contratempo, meu amor.
-Cadê
a Ariela? Eu quero falar com ela.
-Me
fala antes como é que tá Bento.
-Sem
querer comer, desanimado. Tem perguntado muito da irmã.
-E
você, o que tem dito?
-Invento
qualquer coisa. Se eu disser o que ela foi fazer em Pernambuco, é capaz de até
piorar. Deixa eu falar com ela, Celine.
-Tudo
bem- respondeu com certo pesar- Pra você, Ariela.
-Oi,
Painho.
-Filha,
como você tá?
-Comigo,
tudo bem. E com Bento?
-Na
mesma, minha filha. Abatido. Ele tem perguntado muito por você.
-Diz
pra ele que eu tô morrendo de saudade.
-Eu
ainda não disse pra ele que vocês foram viajar.
-Fala
que eu peguei uma virose, e que Celine tá tomando conta de mim. Assim, ele não
se preocupa tanto.
-Quanto
tempo pretende ficar aí, nesse lugar?
-Do
jeito que o senhor fala, parece até que eu fui recrutada pra guerra.
-Eu
te conheço melhor do que ninguém. Você quer aproveitar essa chance pra buscar
as respostas que sempre te atormentaram.
-Eu
só quero buscar a minha mãe pelo Bento, é só isso que o senhor precisa
entender.
/////
Enquanto
isso, o tal Henrique Passos encontrou o pai na hora do almoço, que não estava
nos seus melhores dias.
-O
que foi isso na sua roupa?- repara a calça rasgada.
-Que
milagre o senhor prestar atenção nisso...
-Pronto.
Começou a carência- bradou a sua madrasta, que também estava à mesa.
-Foi
ele que me perguntou ou foi você?
-Você
vai protagonizar mais uma de suas brigas diárias com minha mulher ou vai soltar
o que foi que houve?
-Quebrei
a moto...
-Pela
sua cara e pelo estado em que está, não foi um simples pneu que estourou.
Desembucha logo, Henrique.
-Bati
com a moto num táxi, foi isso.
-Calculou
o prejuízo astronômico?
-Fica
tranquilo. Deixa que eu pago.
-Corrigindo:
você quer me deixar pagar. É lógico. Tudo que você faz respinga em mim.
-Eu
já não falei que vou pagar?
-Ih,
Norberto, então ele vai começar a assaltar. Não tem onde cair morto. Aliás, se
tiver, só se for no colo do pai, não é?
-Que
estranho... Não lembro qual foi a hora que eu pedi sua opinião.
-Será
que dá pra deixar de tratar mal a Vivinha?
-Poderia,
se não fosse meu passatempo preferido. Já o seu é desfrutar da grana do macho,
antes que ele vá pro presídio.
-Não
é o que você faz há anos?
-Só
não sou tão profissional quanto você.
-Vão
os dois parar com isso ou eu vou ter que me levantar da mesa?
-Pelo
menos eu não encosto no meu pai interpretando o personagem do filho órfão.
Aliás, você poderia até ganhar o Troféu Imprensa de melhor ator revelação. Não,
porque essa sua atuação de São Francisco de Assis é esplêndida.
-Eu
não quero nada dele. Esse dinheiro é sujo.
-Não
quer, e mora na casa do suposto explorador de mulheres, daquele que a imprensa
chama de cafetão. Por que não vai embora daqui, já que esse dinheiro é uma
praga pra você?
-Bom,
já vi que é impossível de almoçar aqui. Prefiro ir até a boate verificar alguns
assuntos relacionados à contabilidade. Quanto a conserto de táxi, de moto e o
escambau: passe a se sustentar!
/////
Passadas
algumas horas, a minha madrasta cochilava no quarto do hotel. Ao levantar da
cama, teve duas surpresas desagradáveis: a primeira é não ter me encontrado; a
segunda é ter visto que eu havia dado uma olhada no dossiê que continha as
informações sobre Vilma e a sua nova família.
/////
Finalmente
chegou a hora de conhecer a boate que era o negócio do Norberto Nunes, a Lust. Fui até o bar, já deveriam ser
umas quatro horas da tarde. Um rapaz chamado Gustavo me atendeu.
-É
o teste pra nova dançarina da Lust?
Desculpe, mas nós já preenchemos a vaga.
-Não
é isso, não. Eu tô procurando uma pessoa, Norberto Nunes. Você sabe se ele
trabalha aqui?
-Se
trabalha? Ele é o dono disso tudo aqui, minha filha. Dona Vivinha, quanto tempo
que a senhora não vem aqui- eu continuei de costas para a mulher com a qual
Gustavo estava falando.
-Vivinha
o escambau! Pra você, eu sou Dona Vilma, ouviu bem?- o tom imponente fez com
que eu me virasse, mas ela continuou ríspida- Tá olhando pra mim por quê? Nunca
me viu?
-Não
vejo há catorze anos- na mesma hora, ela percebeu quem eu era e se assustou-
Quanto tempo, Vivinha... Não vai cumprimentar sua amiga Ariela?
Nenhum comentário:
Postar um comentário