08/07/2015

TEMPO PERDIDO/ CAPÍTULO VIII

-Você tá mentindo... Vilma não tem filho nenhum...
-O que é que você sabe sobre o passado de Vilma, hein, rapaz? Apareceu na sua vida, sem mais nem menos, indo morar com seu pai. O que ela fez antes de se enfiar na sua casa? Será que você sabe?
-Por que você tá atacando Vilma? O que foi que ela te fez?
-Fez pros filhos dela! Abandonou uma menina de três anos e um bebê de seis meses porque cansou de brincar de família.
-E eu devo acreditar em vocês por quê? A gente mal se viu na vida. Pra mim, vocês duas são vigaristas. Sabem de alguma coisa dela e tão contando essa estória pra eu não perguntar mais nada!
-Pense o que quiser! Você convive com ela há catorze anos, e não desconfia que ela seja capaz disso tudo?
-Celine, cala a boca!
-Não vou ficar quieta, Ariela! Não vou colocar Vilma no seu pedestal, ainda mais depois do que ela fez ontem, te tratando como se fosse uma prostituta, te tirando da casa dela!
-A culpa foi minha, eu que procurei Norberto.
-Viu só? Já é cativa dele!
-Para de se punir! Você só se enfiou naquela casa pra pôr medo em Vilma, pra ver se ela voltava com a gente.
-Voltar? Voltar pra onde?
-Pra Salvador.
-Calma aí, vocês acham que ela vai deixar meu pai? Ele sabe disso?
-Não vai voltar pra ficar, não. Ia porque o filho mais novo tá doente, precisando de um transplante de coração, e quer conhecer a mãe. Ou o que ele chama de mãe.
-Tá bom, Celine! Já falou demais! Vamos arrumar as malas pra viajar de uma vez! Agora sou eu que quero ir pra casa!
-Como assim? Viajar? Meu pai tem que saber disso, vocês não podem ir.
-O que eu vim fazer aqui, eu já fiz, e não deu certo. Mesmo que você não leve a sério, eu nunca quis mentir pro seu pai, nem pra ninguém. Eu só queria que ela fosse ver o meu irmão. Só isso.
-Mas e se eu contar a verdade pra ele? Ele pode obrigar Vivinha a ver o seu irmão.
-Sinceramente? É melhor Bento não olhar pra cara dela. Depois de tudo que eu vi e ouvi da boca daquela mulher... Vou fazer o jogo dela e fingir que ela não existe. Vim pra cá à toa.
-Agora você pode nos dar licença, que a gente tem que arrumar as malas?- Celine insistiu em tratá-lo com desprezo, até que ele foi embora, confuso e decepcionado.
-Era pra você ter ficado quieta!
-Se estiver esperando que ela apareça de última hora, pode esquecer. Gente como ela não tem coração, Ariela. E espero também que esse rapaz não volte a te incomodar.

/////

Estranhando que, na hora daquele tardio café da manhã, sua esposa não estivesse com ele, Norberto (que já havia dormido no escritório para evitar novas discussões) foi ao quarto procurá-la. Encontrou Vilma arrumando as malas, assim como nós.
-O que está fazendo?
-Não sei por que a surpresa. Disse que precisava dar um tempo.
-Vilma, deixa de frescura. Se tivesse acontecido alguma coisa com aquela menina, até eu ia entender...
-Aquela menina não significa nada pra mim. O problema é você. É o fato de eu saber que posso ser descartada a qualquer momento, por qualquer uma. Daqui a meia hora, o táxi vem me buscar.
-E pra onde você vai?
-Não importa. Por que quer saber?
-Vivinha, você tem ideia do momento que está me deixando? A imprensa toda atrás de mim, eu sendo intimado pela polícia pra explicar esse escândalo de exploração de menores... E você se planejando pra me abandonar?
-Tenho certeza de que, se estivesse na minha pele, não pensaria duas vezes antes de dar esse tempo. Eu só vou voltar pra casa, Norberto, quando tiver certeza de que o meu lugar aqui dentro vai permanecer intacto.
-Pelo visto, é inútil conversar com você agora... Tudo bem, Vivinha. Eu só espero que você não demore tanto assim... Porque eu preciso de você. Bom, deixa eu ir trabalhar, que é o melhor que eu faço- fechou a porta, pegou a maleta e foi à boate.
Só que antes de tirar o carro da garagem, encontra Rique, que corre para alcançá-lo.
-Painho?
-Que cara é essa, Henrique? O que houve?
-Tem como você me dar uma carona?
-Pra onde?
-Pra Lust mesmo. Tenho que conversar com o senhor.
-Não quer falar aqui?
-Melhor não.
-Rique, o meu dia vai ser muito atribulado, tem uma papelada pra registrar em cartório, convoquei uma coletiva pra explicar esse problema da boate... Eu não sei se vou ter tempo.
-Prometo que vai valer a pena. O assunto é muito sério.
-Tudo bem. Entra no carro...

/////

Assim que fizemos as malas, fomos almoçar. Não havíamos ligado para o meu pai, estávamos sem saber notícias do Bento. Celine e eu, depois das calorosas discussões com Vilma e com Rique, não nos sentíamos prontas pra dizer qualquer palavra. O silêncio foi quebrado quando um funcionário chegou ao restaurante do hotel.
-Com licença, Dona Celine. Seu marido está ao telefone.
-Será que aconteceu alguma coisa?
-Fica aqui. Eu vou ver o que foi e venho te dizer- depois, acompanhou o funcionário, que lhe entregou o telefone- Fala, Jayme.
-Eu preciso falar com você.
-O que foi? Bento piorou, foi isso?
-Não. Ontem, de noite, eu conversei com ele.
-Contou tudo de Vilma?
-Boa parte. Mas ele sabe que vocês estão aí pra procurar a mãe dele.
-Meu bem, não é bom ficar escondendo as coisas dele. Ele tem todo o direito de saber, até mesmo pra não criar ilusão.
-Sabe que ele me disse alguma coisa parecida com isso que você acabou de falar? Disse que era pra eu parar de ter segredos. E é por isso que eu estou te ligando.
-Como assim, Jayme?
-Eu vejo você se dedicando ao restaurante da gente, aos meus filhos como se fossem seus...
-Jayme, vocês são minha família. Não tem o que se estranhar aí. Faço porque gosto, porque amo vocês.
-É por isso mesmo que eu tenho que contar um segredo. Um segredo que tá me consumindo.
-Fala logo que tá me assustando.
-A culpa por você não ter conseguido ter filhos nunca foi sua.
-Querido, nós já paramos de discutir esse assunto faz tempo. Não aconteceu, infelizmente. Eu não posso ficar me cobrando por isso, nem você. Já me conformei, pra que falar disso agora?
Sem que ela percebesse, me aproximei, quando já estava ouvindo boa parte do diálogo.
-Antes de te conhecer, eu tinha me decepcionado muito com Vilma. Não queria me apaixonar por ninguém, nem conhecer mulher nenhuma. Tive medo de amar, de criar laços, como das vezes em que meus filhos nasceram. Nunca pensei que viveria novamente com alguém de novo. Achava que seria uma coisa passageira, rápida, um desses romances que a gente tem e esquece. Você não. Você veio pra ficar.
-Espera... Tá me pedindo desculpa por não ter me dado um filho? Jayme, por que eu teria que te perdoar de alguma coisa?
-Pouco antes de você aparecer... Eu tive medo de conhecer alguém, me deixar levar, começar outra família. Não queria ser deixado pra trás de novo, e com mais uma criança pra cuidar sozinho. Acabou que... Que eu fiz uma cirurgia pra não ter mais filhos.
-Uma vasectomia? Você fez uma vasectomia?
-Depois, quando já estava habituado, convivendo com você, reparando na forma como você cria os meus filhos comigo, procurei o médico de novo. Ele me disse que já não tinha mais como reverter- ele não ouvia nada, e eu via Celine contida, com a mão esquerda fechada, sem saber como se apoiar no balcão da recepção, e chorando sem causar qualquer ruído- Celine, você tá na linha? Celine, por favor, me diz alguma coisa.
-Hoje... A gente, eu e Ariela... A gente volta pra casa. Acho que daqui pra de noite, nós chegamos em casa.
-Por favor, Celine. Não é isso que eu quero ouvir.
-Também não era isso que eu esperava ouvir.
-O que foi, Celine? O que é que ele tá dizendo?
-Em casa, a gente conversa. Eu vou passar o telefone pra Ariela, ela... Quer saber de Bento- colocou o aparelho na minha mão e subiu para o quarto, arrasada. Ela, que acompanhou meu sonho, via o seu morrer.

/////

Havia se passado apenas meia hora desde que Norberto e Rique foram à Lust de carro. Vilma descia, com uma mala, quando se surpreendeu ao ver o marido de volta.
-Não tinha ido trabalhar?
-Voltei pra confirmar uma coisa com você- subiu a escada- Abre a mala.
-O quê?
-Abre a mala, eu já disse- falou, calmamente.
-Se você está pensando que eu levo algum documento que te comprometa na justiça, Norberto, eu juro que...
-Não é nada disso. Eu quero saber se você vai levar roupa de frio pra Salvador. Afinal, vai passar boa parte de sua estadia dentro de um hospital, não é?
-Salvador? Quem disse que eu vou pra Salvador?
-O bom senso, a dignidade, a vergonha na cara... É. Três coisas que você só descobriu ter agora. Quando você ia me contar? No dia que Ariela me mandasse o cartão da missa de sétimo dia de Bento?- ao ouvir nossos nomes, Vilma deixou a mala cair, rolando pela escada. Não havia mais respostas prontas que Norberto pudesse ouvir. Era a primeira vez que o companheiro a confrontava sobre este assunto.

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