-Hum,
já entendi... Você deve ser uma dessas meninas que veio procurar vaga pra
dançarina da boate. A seleção já acabou, viu, minha filha? E... Definitivamente,
você não faz o perfil.
-Qual,
Seu Norberto? Da boate ou o seu?
-Olha,
muitas já usaram essa tática, mas não vai me convencer. E além do mais...
Quantos anos você tem?
-Dezenove-
menti.
-Com
essa cara de debutante? Tem algum documento? RG? CPF? Trouxe alguma coisa pra
comprovar?- fiz uma cara que pensei que ele já tinha descoberto meu plano
naquela hora- Escuta aqui: eu não quero problema com menor de idade. Não lê
jornal? Não vê as coisas horríveis das quais estão me acusando?
-Se
o senhor quiser, pode passar por cima desse detalhe.
-Como?
Eu nem sei se você tem aptidão pro cargo, se sabe dançar, se serve pra atender
as mesas. Ainda tem o problema da idade... Rosto bonito você tem, mas não é o
suficiente.
-Não?
Como é que o senhor vai saber se eu não mostrar? A gente vai ficar aqui no meio
da rua ou o senhor vai me levar a algum lugar pra eu mostrar? Quem sabe sua
casa?
-Mas
é muito abusada mesmo, viu? Toma vergonha na sua cara, menina! Eu tenho idade
pra ser seu pai!
-Se
não é, eu não preciso tomar vergonha.
-Deixe
de ser abusada! Eu já disse que não quero problema. Quer me deixar passar, por
favor? Eu preciso trabalhar!
-O
senhor trabalha demais, Seu Norberto. Tá na hora de relaxar, não é, não?
-Vai
precisar mais que um rosto bem feito pra me convencer a trabalhar aqui.
-Pois
eu vou acampar aqui. Faço plantão esperando o senhor. Tempo pra mim não é
problema. Eu sei esperar.
-Você
não é daqui... Tua voz é diferente, tem sotaque... Baiana, acertei?
-Bem
se vê que o senhor entende de mulher.
-Não
é por isso, não, menina. Minha... - percebi que ele falaria da Vilma, mas
preferiu não tocar no nome dela. Foi quando eu percebi que ele começava a
ceder- Conheço gente de lá.
-Convive?
-Mais
ou menos... Tudo bem, tudo bem. Me diz alguma coisa que você saiba fazer.
-Dançar.
Dizem que eu danço muito bem.
-E
família, você tem?
-Tenho,
mas não tá aqui. Moço, eu preciso desse emprego. Cheguei agora em Recife e
fiquei sabendo por acaso. É minha chance.
-Acontece
que eu já preenchi a vaga, há uns dois dias.
-Se
o senhor quiser, me encaixa. Não é todo-poderoso aí dentro?
-Pelo
visto, você vai ser bastante insistente, não é?
-Nisso,
o senhor tá mais que certo.
-Que
tal um showzinho particular?
-Particular?
-Viu
só? Mal falei e já pensou besteira... Fica tranquila, menina, eu não quero mais
encrenca com a polícia. Não vou te fazer mal. Mas eu quero comprovar se você é
boa mesmo.
-Vai
fazer isso como?
-Não
precisa ficar com essa cara, eu não vou te arrastar pra nenhum motel. Você vai
pra minha casa.
-A
sua esposa não vai reclamar?
-Como
você sabe que eu sou casado?
-Bom...
Se eu não me informasse, não vinha até aqui pedir emprego.
-Por
isso mesmo eu tô te levando pra minha casa. Se você passar pelo aval da minha
mulher... É como uma espécie de conselheira que tenho. Já deve ter se informado
sobre ela também.
-Com
certeza... É... O Gustavo, o rapaz do balcão, me falou de Dona Vivinha.
-Se
você for aprovada, depois você traz os seus documentos e eu assino sua
carteira. Prometo que é tudo nos conformes. Fique tranquila, eu não vou te levar
pra cama... A não ser que você peça.
Um
frio na espinha era tudo que eu conseguia sentir. Passei o caminho todo
pensando no que diria pra escapar se ele tentasse alguma coisa. E era lógico
que ele ia tentar.
/////
A
última coisa que conseguia pensar era em como eu deixei Celine preocupada com o
meu sumiço. Lembro-me de ela ter contado depois que infernizou a recepcionista
e acionou o pessoal que trabalhava no circuito interno de segurança do hotel,
que ficava em Boa Viagem.
-Moça,
fica calma. Nós já chamamos a polícia- a recepcionista trouxe um pouco de água
com açúcar, mas ela recusou, aos prantos. Não conseguia tomar nada.
-Como
é possível que ela tenha saído há meia hora e ninguém tenha parado Ariela? Pelo
amor de Deus, a gente nunca veio aqui antes, ela não conhece nada daqui!
-A
senhora não tem ideia de algum lugar que ela tenha visitado desde que chegou
aqui? Lembro que ontem ela saiu logo depois de colocar as malas, no período da
tarde.
-Foi...
Mas não é possível, ela não pode ter ido pra... Moça, chama um táxi e pede pra
ele me levar pra Boate Lust.
-Eu
vou avisar à polícia.
-Não
adianta chamar a polícia! Ariela tem que esperar quarenta e oito horas pra ser
considerada desaparecida! Se ela tiver lá... Trago ela arrastada, mas ela vai
me ouvir, e nunca mais ela faz um negócio desse comigo!
-E
se o seu marido ligar?
-Diz
que eu tive uma dor de cabeça e fui dormir. Se ele quiser falar com Ariela, diz
que ela tá deitada também. Mas vê se não fala nada de polícia, por favor! Não
passa ligação nenhuma pro quarto da gente- começou a discar o meu número- Só dá
fora de área o celular dela! Inferno!
/////
Eram
dez e quinze da noite quando chegamos à mansão dele. Norberto parecia
colecionar diversos objetos caros, mas pela opção de ostentar a riqueza que tinha
em decorrência dos seus negócios. Considerava-se um invencível. Ao perceber
isso, fui fazendo aquele jogo perigoso na tentativa de tirá-lo do pedestal. Ele
e a Vilma.
Uma
empregada passou pela sala assim que nós estávamos subindo para o quarto dele.
Olhou-me assustada, talvez pela minha cara de menina, caminhando de mãos dadas
com um homem que deveria ter cinquenta anos ou mais. Voltou de onde havia
saído. Constrangido, Norberto me sugeriu:
-Vamos
ao meu escritório. Lá, a gente pode ficar mais à vontade.
-Que
é isso? Medo de encarar a sua mulher por aqui?
-Ela
está aqui, não se preocupe. Pensei que você não a temesse.
-Medo
não existe pra mim, Seu Norberto.
-Ótimo,
vamos ver o que você é capaz de fazer pra conquistar... A vaga que tanto quer.
Abriu
a porta do escritório; uma mesa com vários papais espalhados, muitas garrafas
de bebida, pôsteres de mulheres seminuas e um cano de pole dance.
-Já
vi que não sou a primeira a vir aqui fazer um teste pro senhor ver.
-Às
vezes, eu fico tão atarefado que peço pras candidatas passarem aqui. Não
precisa me olhar desse jeito, é um procedimento de praxe.
-Nada
mal, hein?
-O
que você esperava de um homem da minha posição? Mas viemos pra cá e você sequer
se apresentou...
-Um
detalhe besta. Isso não vai atrapalhar o que vai rolar entre a gente.
-Apelando
para um lado misterioso?
-Prefiro
assim, se isso não te incomoda.
-Sabe
que eu nunca te vi lá na boate?
-Hum...
Já vi que você gosta de reparar em todas que entram lá...
-Reparar
não e o mesmo que ser hipnotizado, como eu fiquei nessa noite... - Norberto se
aproximou. Eu o repeli, mas não de maneira brusca, para não levantar
desconfianças.
-É,
mas na hora que eu falei com o senhor, quase não me deu ouvido. Pensei que ia
me dispensar.
-Bom,
vamos parar com esse suspense.
-Tudo
bem. O que o senhor quer que eu faça agora?
/////
Não
imaginava que o desespero da Celine fosse ser tão grande a ponto de ela me
procurar na boate. Assim que desceu do táxi, viu Gustavo saindo de lá. Não
hesitou em abordá-lo.
-Moço,
boa noite. Eu tô procurando uma pessoa.
-Pois
não?
-É
uma menina de dezessete anos, cabelo curto, pintado de preto. Acho que ela veio
procurar Vilma, esposa de Norberto Nunes, que é dono dessa boate.
-Eu
trabalho aqui, senhora.
-Você
viu essa menina? Olha, o nome dela é Ariela.
-Vi
ontem, mas não conseguiu falar com seu Norberto, não. Falou com Dona Vivinha
aqui fora.
-Não,
mas eu tô falando de hoje. Quero saber se ela veio pra cá.
-Desculpa,
eu tava lá dentro, não vi se ela veio pra cá.
-Cabelo
curto, dezessete anos?- uma prostituta, que estava na calçada da Lust quando eu abordei o Norberto, se
aproximou de Celine- Acho que sei quem é... Tinha uma menina desse jeito que tu
falou, e que tava conversando com Norberto. Até entrou no carro dele.
-Ai,
meu Deus- chorava, assustando Gustavo e a moça- Pra onde ele levou Ariela, você
sabe?
-Pra
casa dele! A vadiazinha deu um jeito de enrolar Norberto, pedindo emprego de
dançarina aqui. Bem se vê que não sabe quem é a cobra que vai dormir com ela.
Mas o que é dela tá guardado.
-O
que você quer dizer com isso?
-Que
a essa hora, minha filha, a mulher dele já deve ter pego os dois no maior
amasso. E não duvido nada que, do jeito que Dona Vivinha é “calma”, ela já não
tenha rasgado a cara dela. Mas antes, Norberto vai dar um trato naquela menina.
Isso, eu te garanto.
-A
senhora quer que eu dê o endereço da casa do Seu Norberto?
-Não
precisa, não, moço. Eu sei onde é que aquele canalha mora. Mas reza pra ele não
fazer nada com Ariela! Antes, quem faz sou eu!- acenou para um táxi.
-Foi
você que ligou pra Dona Vivinha e contou, não foi?
-Quem
contou não importa. Mas bem que eu queria ver a reação da madame quando viu o
macho agarrando uma menina que tem idade pra ser filha dele.
-Reza
pra isso não terminar mal.
-Vai
sonhando, Gustavo. Isso só pode terminar mal, não tem jeito.
/////
-Bom,
deixa eu ver aqui- Norberto vasculhou um estojo que continha diversos CDs-
Perfeito. Leo Gandelman, conhece?
-Não.
Pra mim é novo.
-Um
dos maiores instrumentistas desse país. Sabe uma música maravilhosa que ele fez
uma versão?- colocou o CD e adiantou algumas faixas: era uma reedição de “Toda
menina baiana”. Dança pra mim- percebeu o meu nervosismo- O que foi?
-Nada.
-Ah,
já sei. Precisa de um par pra se sentir melhor? Vem cá, eu te guio.
Dançamos
juntos. Ele não estava me desrespeitando, mas eu sabia que não duraria muito
tempo toda aquela paciência.
-Mas
o que é isso?- Vilma abriu a porta ao escutar aquela música instrumental- O que
você tá fazendo aqui?
-Vivinha,
calma. Não é nada disso que você tá pensando.
-Cala
a boca! É com ela que eu tô falando! Responde, menina! O que você tá fazendo
com o meu marido?
-Quer
a verdade? Acho que a senhora não vai gostar de ouvir.
Nenhum comentário:
Postar um comentário