-Aceita,
cara. Tô te falando que isso vai ficar entre a gente. É pro teu bem.
-Meu
bem quem sabe sou eu, não é você. Não vou aceitar só porque você quer.
-Bem
que você queria essa coragem pra resolver tua vida. Pena que você não tem-
Vinícius joga o cigarro sobre a mesa de centro da sala- Obrigado por ter me
trazido. Pode ir e... Fecha a porta quando sair, tá bom?- o modelo problemático
vai até o quarto e abre o fundo falso de uma das gavetas, de onde retira mais
alguns cigarros e uma seringa, que limpa cuidadosamente e injeta em seu braço
depois. Passados alguns minutos, ele fica encostado à parede do quarto e não vê
que Fábio, ao invés de ter ido embora, o observa no quarto, um pouco
desnorteado- Ainda aqui? Por que não foi embora?
-Tinha
que te perguntar uma coisa.
-O
quê?
-Onde
é que eu consigo?- mostra o cigarro que Vinícius deixou, apagado após ele ter
fumado.
-Entendeu
meu lado, finalmente.
-Até
que você tem razão. Isso acalma mesmo.
-Não
te disse?
-Fala
aí. Onde é que eu consigo mais?
-Calma
aí, irmãozinho. Não é pra falar pra ninguém. Essas coisas a gente não sai
comentando por aí.
-Diz
onde é, que eu procuro sozinho. Nem teu nome eu falo.
-Amanhã.
Amanhã no colégio você me procura.
-Hum...
– Fábio solta um riso- Do jeito que você tá, acha mesmo que amanhã vai estar em
condições de aparecer no colégio de manhã?
-No
mesmo estado que você, né? Pode deixar. Só lembra que... Não vai sair de graça,
entendeu?
-Dinheiro
não é problema pra mim, todo mundo sabe disso.
-Toma
cuidado pra ninguém da tua casa sacar nada.
-Fica
tranquilo. Passar despercebido pelos outros é o que eu mais tenho feito.
-Então,
amanhã a gente se vê.
-Vê se
não se esquece do que eu te pedi.
-Nem
você, de pagar.
Bem
cedo, Bete chega ao colégio, para não despertar suspeitas sobre como ela é uma
aluna dedicada, e deixa a bolsa na sala de aula pra fazer uma ligação a Diego,
que atende prontamente.
-Alô?
-Oi,
amor- responde friamente- O que foi?
-Como
assim? Você chega tão cedo quanto eu. Não vem hoje, não?
-Vai
rolar, não, Bete. Tô sem poder sair de casa.
-O
que é que você tem?
-Dor
de barriga. Deve ter sido o cachorro-quente que eu comi ontem, quando eu saí da
aula.
-Quer
que eu passe aí na sua casa?
-Não,
não precisa.
-Você
tá muito estranho, Diego.
-Eu?
Por quê?
-Pela
sua voz. Aconteceu alguma coisa que eu não sei?
-Fica
tranquila, só tô doente mesmo. Se eu melhorar, mais tarde eu passo lá no
sobrado.
-Tá
bom. Vou te esperar, então. Beijo- Bete retorna à sala, apagando a luz de novo.
-Outro-
Diego desliga o celular, atendido justamente na escadaria do sobrado onde a
namorada mora. Munido de uma pequena faca, ele força a fechadura da porta e
consegue entrar no imóvel. Mantendo cautela na hora de fechá-la novamente, o
dependente químico vai diretamente ao quarto da traficante e começa a vasculhar
o guarda-roupa da meliante- Tem que estar aqui em algum lugar. Onde é que a
vagabunda escondeu a gravação? Onde?
Diego
joga as roupas de Bete no chão, pensando que a câmera utilizada para a filmagem
estava sob elas, mas nada encontra. Arranca rapidamente as gavetas e acaba por
achar uma pasta, de onde caem a câmera e um diário lilás, já com a página
aberta. O estudante recolhe a câmera, onde confere o conteúdo e vê a cena de
sexo entre Nonato e Bete sobre a mesa, enojado. Só que uma foto da garota ao
lado de sua mãe, Hilda, está jogada no chão, tendo caído do diário. O jovem
reconhece na fotografia os traços de Bete, ainda criança. Lê a dedicatória,
escrita de maneira trêmula.
-Apesar
do abandono do seu pai, eu quero que você saiba que eu amo você mais do que
tudo na minha vida, mas eu não posso mais suportar essa situação. Use isso ao
seu favor e destrua a família daquele canalha, mesmo sendo sua. Hilda Feitosa
Corrêa, vinte e três de maio de mil novecentos e noventa e sete.
Ávido
por querer esclarecer a que Hilda se referia naquela dedicatória, Diego levanta
do chão o diário na página em que ele se abriu. Começa a ler os detalhes mais
chocantes da relação de Hilda com o pai de Bete, sendo estes acontecimentos
narrados por sua namorada. Inicialmente, a intenção de lançar o vídeo na
internet parece ser descartada pelo moço.
Fábio
e Vinícius encontram-se na entrada do colégio, cumprimentando o porteiro e
andam separadamente por alguns segundos, fazendo com que o modelo seja o
primeiro a entrar na sala de aula. O ex de Victória gesticula discretamente
para que Fábio o siga. Ao abrir a porta, este acende a luz e encontra Bete, que
se levanta de uma das cadeiras, surpresa.
-Você?
-Foi
por causa dele que eu te liguei ontem e pedi pra você trazer... Você sabe-
esclarece Vinícius para Bete, que segue incrédula.
-Vocês
estão me zoando, né?
-Não
acredita na gente, não?- Fábio indaga a traficante, entregando duas notas de
cem reais- Quanto que eu consigo comprar com isso?
-Se
eu soubesse que ia vender pra você, tinha trazido muito mais. Mas só vim com
isso aqui- entrega dez maços de cigarro- Jurava que Vinny ia me trazer um
cliente meia-boca.
-Já
viu que não- Fábio recebe os pacotes e os armazena na mochila- Mas tá me
devendo, hein? Não vou esquecer, não, ô...
-Bete.
-Nunca
pensei que ele conseguisse droga contigo.
-Pra
quê esse nome tão pesado, cara? Eu chamo de “fuga”.
-“Fuga”...
Tá aí. Gostei. Quando é que você vai me trazer o resto que ficou me devendo?
-Amanhã
mesmo eu trago. Toma cuidado pra ninguém ver isso.
-Pode
deixar, eu tomo, sim. E para de me olhar desse jeito.
-“Desse
jeito” como?
-Como
se eu não soubesse o que tô fazendo.
-Tudo
bem, não tá mais aqui quem falou- Bete coloca o dinheiro no bolso e vai dar uma
volta.
-Quem
diria, hein? A Bete não é melhor aluna do que eu, mas sempre foi esforçada.
Nunca pensei que você conseguisse essas coisas com ela.
-Onde
é que você conseguiu essa grana toda?
-Da
minha mesada. Não quis tirar tudo pra ninguém dar pela falta, e também porque
queria ver se ela ia mesmo conseguir.
-Depois
que você se acostumar, nem vai se lembrar dos teus problemas.
-Valeu
mesmo por ter falado com ela, cara. Valeu mesmo- Fábio dá um abraço no modelo,
ato testemunhado por Gabriela e Eduardo, que chegam juntos à escola.
-Fábio?-
Gabriela fica surpresa com a repentina amizade entre os rapazes.
-Ué,
desde quando vocês se falam?- Eduardo deixa, momentaneamente, os dois meninos
sem resposta.
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