17/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 14: METRALHADORA CHEIA DE MÁGOAS

-Aceita, cara. Tô te falando que isso vai ficar entre a gente. É pro teu bem.
-Meu bem quem sabe sou eu, não é você. Não vou aceitar só porque você quer.
-Bem que você queria essa coragem pra resolver tua vida. Pena que você não tem- Vinícius joga o cigarro sobre a mesa de centro da sala- Obrigado por ter me trazido. Pode ir e... Fecha a porta quando sair, tá bom?- o modelo problemático vai até o quarto e abre o fundo falso de uma das gavetas, de onde retira mais alguns cigarros e uma seringa, que limpa cuidadosamente e injeta em seu braço depois. Passados alguns minutos, ele fica encostado à parede do quarto e não vê que Fábio, ao invés de ter ido embora, o observa no quarto, um pouco desnorteado- Ainda aqui? Por que não foi embora?
-Tinha que te perguntar uma coisa.
-O quê?
-Onde é que eu consigo?- mostra o cigarro que Vinícius deixou, apagado após ele ter fumado.
-Entendeu meu lado, finalmente.
-Até que você tem razão. Isso acalma mesmo.
-Não te disse?
-Fala aí. Onde é que eu consigo mais?
-Calma aí, irmãozinho. Não é pra falar pra ninguém. Essas coisas a gente não sai comentando por aí.
-Diz onde é, que eu procuro sozinho. Nem teu nome eu falo.
-Amanhã. Amanhã no colégio você me procura.
-Hum... – Fábio solta um riso- Do jeito que você tá, acha mesmo que amanhã vai estar em condições de aparecer no colégio de manhã?
-No mesmo estado que você, né? Pode deixar. Só lembra que... Não vai sair de graça, entendeu?
-Dinheiro não é problema pra mim, todo mundo sabe disso.
-Toma cuidado pra ninguém da tua casa sacar nada.
-Fica tranquilo. Passar despercebido pelos outros é o que eu mais tenho feito.
-Então, amanhã a gente se vê.
-Vê se não se esquece do que eu te pedi.
-Nem você, de pagar.

Bem cedo, Bete chega ao colégio, para não despertar suspeitas sobre como ela é uma aluna dedicada, e deixa a bolsa na sala de aula pra fazer uma ligação a Diego, que atende prontamente.
-Alô?
-Oi, amor- responde friamente- O que foi?
-Como assim? Você chega tão cedo quanto eu. Não vem hoje, não?
-Vai rolar, não, Bete. Tô sem poder sair de casa.
-O que é que você tem?
-Dor de barriga. Deve ter sido o cachorro-quente que eu comi ontem, quando eu saí da aula.
-Quer que eu passe aí na sua casa?
-Não, não precisa.
-Você tá muito estranho, Diego.
-Eu? Por quê?
-Pela sua voz. Aconteceu alguma coisa que eu não sei?
-Fica tranquila, só tô doente mesmo. Se eu melhorar, mais tarde eu passo lá no sobrado.
-Tá bom. Vou te esperar, então. Beijo- Bete retorna à sala, apagando a luz de novo.
-Outro- Diego desliga o celular, atendido justamente na escadaria do sobrado onde a namorada mora. Munido de uma pequena faca, ele força a fechadura da porta e consegue entrar no imóvel. Mantendo cautela na hora de fechá-la novamente, o dependente químico vai diretamente ao quarto da traficante e começa a vasculhar o guarda-roupa da meliante- Tem que estar aqui em algum lugar. Onde é que a vagabunda escondeu a gravação? Onde?
Diego joga as roupas de Bete no chão, pensando que a câmera utilizada para a filmagem estava sob elas, mas nada encontra. Arranca rapidamente as gavetas e acaba por achar uma pasta, de onde caem a câmera e um diário lilás, já com a página aberta. O estudante recolhe a câmera, onde confere o conteúdo e vê a cena de sexo entre Nonato e Bete sobre a mesa, enojado. Só que uma foto da garota ao lado de sua mãe, Hilda, está jogada no chão, tendo caído do diário. O jovem reconhece na fotografia os traços de Bete, ainda criança. Lê a dedicatória, escrita de maneira trêmula.
-Apesar do abandono do seu pai, eu quero que você saiba que eu amo você mais do que tudo na minha vida, mas eu não posso mais suportar essa situação. Use isso ao seu favor e destrua a família daquele canalha, mesmo sendo sua. Hilda Feitosa Corrêa, vinte e três de maio de mil novecentos e noventa e sete.
Ávido por querer esclarecer a que Hilda se referia naquela dedicatória, Diego levanta do chão o diário na página em que ele se abriu. Começa a ler os detalhes mais chocantes da relação de Hilda com o pai de Bete, sendo estes acontecimentos narrados por sua namorada. Inicialmente, a intenção de lançar o vídeo na internet parece ser descartada pelo moço.

Fábio e Vinícius encontram-se na entrada do colégio, cumprimentando o porteiro e andam separadamente por alguns segundos, fazendo com que o modelo seja o primeiro a entrar na sala de aula. O ex de Victória gesticula discretamente para que Fábio o siga. Ao abrir a porta, este acende a luz e encontra Bete, que se levanta de uma das cadeiras, surpresa.
-Você?
-Foi por causa dele que eu te liguei ontem e pedi pra você trazer... Você sabe- esclarece Vinícius para Bete, que segue incrédula.
-Vocês estão me zoando, né?
-Não acredita na gente, não?- Fábio indaga a traficante, entregando duas notas de cem reais- Quanto que eu consigo comprar com isso?
-Se eu soubesse que ia vender pra você, tinha trazido muito mais. Mas só vim com isso aqui- entrega dez maços de cigarro- Jurava que Vinny ia me trazer um cliente meia-boca.
-Já viu que não- Fábio recebe os pacotes e os armazena na mochila- Mas tá me devendo, hein? Não vou esquecer, não, ô...
-Bete.
-Nunca pensei que ele conseguisse droga contigo.
-Pra quê esse nome tão pesado, cara? Eu chamo de “fuga”.
-“Fuga”... Tá aí. Gostei. Quando é que você vai me trazer o resto que ficou me devendo?
-Amanhã mesmo eu trago. Toma cuidado pra ninguém ver isso.
-Pode deixar, eu tomo, sim. E para de me olhar desse jeito.
-“Desse jeito” como?
-Como se eu não soubesse o que tô fazendo.
-Tudo bem, não tá mais aqui quem falou- Bete coloca o dinheiro no bolso e vai dar uma volta.
-Quem diria, hein? A Bete não é melhor aluna do que eu, mas sempre foi esforçada. Nunca pensei que você conseguisse essas coisas com ela.
-Onde é que você conseguiu essa grana toda?
-Da minha mesada. Não quis tirar tudo pra ninguém dar pela falta, e também porque queria ver se ela ia mesmo conseguir.
-Depois que você se acostumar, nem vai se lembrar dos teus problemas.
-Valeu mesmo por ter falado com ela, cara. Valeu mesmo- Fábio dá um abraço no modelo, ato testemunhado por Gabriela e Eduardo, que chegam juntos à escola.
-Fábio?- Gabriela fica surpresa com a repentina amizade entre os rapazes.
-Ué, desde quando vocês se falam?- Eduardo deixa, momentaneamente, os dois meninos sem resposta.

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