-Que
paciente é esse? Eu não tenho paciente nenhum com esse nome.
-É
o menino que sofreu um acidente e você atendeu agora há pouco. Ouvi pelo
celular quando te chamaram. O Fábio estava com a namorada, Gabriela.
-Por
que você quer que eu faça isso? Qual o seu interesse nesse cara?
-Quem
está com você nas mãos sou eu, Nonato; não o contrário. Tô te cobrando um preço
bastante razoável pelo meu silêncio, não acha?
-O
que você quer que eu diga?
-Assim
que a família deles chegar, você conta do estado de saúde deles. Aliás, como é
que eles estão?
-O
tal de Fábio só perdeu os sentidos. Ainda não voltou a si.
-Nem
ele nem você, né? E a Gabriela?
-O
caso dela é mais complicado. Os paramédicos disseram que o impacto da batida
atingiu a moça em cheio. Teve uma hemorragia, que conseguimos conter, e uma
fratura no braço.
-Vai
se salvar?
-Sim,
mas vai ter que ficar aqui na enfermaria, pelo menos uns três dias. O Fábio vai
ser liberado logo que acordar. Já o taxista...
-Dele
eu não preciso saber. Dispenso.
-Fala
logo de uma vez. O que você quer que eu faça?
-Você
vai dizer pro Fábio exatamente o que eu mandar. E pra garantir que você não vai
me passar a perna, eu vou ficar bem perto pra garantir que ele não desconfie de
nada. Ele vai ter que receber um diagnóstico falso.
-Isso
eu não vou fazer. O que você quer? Que eu prescreva uma receita mentirosa?
-Não
é sobre o estado de saúde dele que você vai ter que mentir, e sim o de
Gabriela.
-Duvidei
muito que você tivesse coragem de procurar por mim, ainda mais depois de tudo o
que fez contra mim.
-Contra
você? Vinícius, eu praticamente ajoelhei pra agência te deixar fazer a campanha
comigo e você pensa que eu quero te ferrar?
-Disso
eu tenho certeza.
-Sinto
muito, mas eu não tenho culpa da tua irresponsabilidade. Muito mais cômodo pra
você colocar a culpa das suas desgraças em mim. Até o telefone de casa você não
quer atender.
-Talvez
porque eu não seja obrigado. Já acabou? Pois então pode sair da minha casa- o
modelo tenta fechar a porta, mas Victória acaba entrando- Sai daqui agora!
-Quer
que eu saia?- a moça vai ao centro da sala- Vem me tirar.
-Para
de me provocar, Victória! Sai daqui antes que eu faça alguma besteira!
-Pior
do que você vem fazendo? Por favor... Você falta à escola dizendo que tem
trabalho pra fazer na agência, e ninguém te vê lá. Quando isso acontece, chega
completamente alterado. Até quando você vai fingir que não é dependente
químico, Vinícius?
-Eu
não sou drogado! Não sou!- grita- A hora que eu quiser parar, eu paro. Você não
tem nada a ver com a minha vida!
-Nada
a ver, né? Eu sou só a sua namorada, mas se for pra te tratar, eu sou o
incômodo, né? Tem noção de quantos que trabalham lá morreram com promessas
fáceis de enriquecer, de ter o controle da situação e acabaram piores do que
você?
-Acontece,
Victória, que eu não acabei!
-Ainda
não. Você tá jogando nossa relação no lixo, a convivência com seu pai tá indo
pelos ares... Tem toda razão, meu amor; você realmente não acabou! Mas o nosso
namoro tá bem perto do fim, sim!
-O
que foi? Deu pra me ameaçar agora? Desiste, que eu não caio na tua pilha,
não...
-Vinícius,
eu tô tentando trazer você de volta à razão...
-Você
me conheceu assim, não sei o que te deixa tão incomodada.
-A
tua falta de controle! Quando a gente começou a namorar, você fumava, bebia,
experimentava coisas que eu nem sabia que existia, e já vinha com esse discurso
de que tinha controle. Achava que vivia por cima da carne seca, com contratos a
todo momento, fotos, desfiles... A rotina de adolescente que crescia aos poucos
e alcançava uma fama merecida. Depois que não te viram mais como um rosto
promissor, você continuou trabalhando, mas desmotivado, apontando culpados a
todo momento por ter caído em desgraça... Até eu, Vinícius! Até eu sou pra você
o motivo da sua dor de cabeça!
-Mas
convenhamos que sua ascensão no mundo da moda foi bem rápida, não foi, Vicky?
-Bem
em paralelo com o seu plano de autodestruição.
-Afinal
de contas, você vai ou não dizer pra que foi que veio aqui?
-Vim
saber duas coisas: o que você pretende fazer da sua vida e o que vai fazer com
a nossa.
-Se
viver contigo é deixar de lado o que me faz feliz, eu sinto muito, mas... – a
afirmação deixa um longo silêncio entre o casal.
-Logo
se vê que eu não sou mais o suficiente.
-Para
de cena, Victória, que você nunca foi disso.
-Me
fala só uma coisa: como é que você se vê no futuro?
-Sem
ninguém pra encher o meu saco. Satisfeita com a resposta?
-O
meu futuro eu não consigo ver, mas infelizmente o seu tá mais do que claro.
Aliás, eu não consigo nem mais te enxergar. O que eu vejo é Luciano, teu pai,
segurando o teu caixão, e lamentando que o único filho morreu por conta de uma
overdose.
-Quanto
drama! Tem muita modelo que investiu na carreira de atriz e deu certo. Quem
sabe essa não é a sua chance?
-Parece
que não ouviu nada do que eu conversei até agora, né?
-Tá
enganada, eu entendi muito bem. Vê se entende uma coisa: eu não preciso me
levantar porque nunca caí, não tô no chão. E também já não aguento mais você e
o meu pai torrando minha paciência por conta do “vício” que vocês inventaram
pra mim. O que é? Tenho que colocar tudo na balança agora, com uma faca no meu
pescoço?
-Tem!-
Victória grita- Tem sim! Pra ver se você não passa uma noite na delegacia por
ser confundido com um traficante, ou se não amanhece no IML! Acha que vai
morrer só porque Luciano e eu queremos ver você longe do vício? Se depender de
mim, vai colocar na balança, sim! Vai ter que escolher, sim!
-Entre
a minha pedra de crack e esse namoro
de bosta que a gente tem?- irritada com a provocação, Victória dá uma bofetada
no rosto de Vinícius, que continua a provocá-la- Ficou bem clara a minha
resposta ou eu vou ter que repetir?
-Se
dependesse de mim, eu ia ter muita raiva pelo que você tá fazendo todo mundo
passar, mas nem isso. Só consigo sentir pena de você, muita pena.
Victória
vê a fumaça atrás da televisão e segura o cigarro que Vinícius portava antes da
sua chegada, jogando-o sobre o tapete da sala e pisando-o, antes de ir embora.
O ex-casal fica inconsolável com a separação.
Ariane
está na recepção do hospital, aguardando notícias dos adolescentes. Eduardo
chega com Alice e Caio.
-Mãe,
falaram alguma coisa da Gabriela?
-Ainda
não, Eduardo.
-Cadê
meu filho?- Alice mostra-se desesperada- Eu quero saber onde está o meu filho.
-O
médico ainda não apareceu pra nos dar notícia nenhuma.
-Diz
pra essa mulher não abrir a boca pra falar comigo...
-Para
de fazer cena aqui, Alice- Caio repreende a ex-esposa.
-Mas
ela pode, não é? Ela pode bancar a superior!
-Olha
só, como você está nervosa eu não vou nem relevar o que você está me dizendo.
-Nem
a mim interessa saber nada do que você diga.
-Vamos
parar?- Eduardo intervém mediante as provocações- Fábio e Gabriela estão lá
dentro, e vocês não vão discutir aqui no hospital!
-Vocês
são os parentes de Gabriela Acioly Siqueira?- Nonato chega à recepção.
-É
minha filha, Doutor! Como ela está?
-Gabriela
teve uma hemorragia e uma fratura no braço, mas está fora de perigo.
-Graças
a Deus. A gente pode entrar pra ver a minha irmã?
-Ainda
não, rapaz. Só é permitida a entrada de uma pessoa na enfermaria, e se for a
paciente menor de idade. Além disso, ela ainda está desmaiada por conta do
acidente.
-E
o nosso filho?- Caio pergunta a Nonato- A gente quer saber se era o nosso filho
que estava com a Gabriela!
-O
Fábio não sofreu lesões severas- Nonato menciona o nome do rapaz e Eduardo
estranha, pois nem mesmo Alice e Caio haviam falado o nome do filho quando chegaram
ao hospital. Apenas está desacordado por conta de uma pancada na cabeça, e por
enquanto está em observação. Mas dentro de algumas horas vocês poderão levá-los
para casa.
-Ainda
bem- Alice fica mais tranquila- Eu posso entrar? Depois o pai dele entra
também.
-Primeiro,
eu preciso que vocês deixem comigo os documentos de identidade pra que o
paciente possa reconhecê-los, já que ele chegou aqui sem nada que pudéssemos
identificá-lo. Dentro de alguns minutos, eu libero a entrada de vocês.
-Obrigada,
Doutor. Muito obrigada- Alice se emociona, enquanto Caio procura o registro
geral no bolso e entrega-o a Nonato.
-Aqui
está, Doutor.
Nonato
vira-se para Ariane.
-Como
a senhora é mãe da Gabriela Acioly, pode entrar comigo, por favor.
-Mãe,
volta na portaria pra me dar notícia.
-Pode
deixar, Eduardo- Ariane é acompanhada por Nonato até a enfermaria feminina. Ele
a deixa para cuidar de Gabriela e em seguida passa a ser acompanhado de perto
por Bete, que o vê tentando acordar Fábio vagarosamente.
-Fábio?
Fábio, você pode me ouvir?- o rapaz abre os olhos.
-O
que houve?
-Fábio
é o seu nome?
-É.
Onde é que eu tô?
-No
hospital.
-Por
quê?
-Você
não se lembra? Na noite passada você sofreu um acidente- Bete fica à porta da
enfermaria masculina, como se estivesse tentando pressionar o médico- Num táxi
com Gabriela.
-Gabriela?
Cadê Gabriela?
-Fica
calmo, Fábio.
-Onde
é que ela tá? Me fala, Doutor!
-Aqui,
aqui. Em breve você vai poder ver sua namorada, mas antes eu tenho que fazer
algumas perguntas.
-Me
leva até ela, Doutor! Por favor!
-Esse
homem aqui- mostra o RG de Caio- Ele se identificou na portaria como sendo seu
pai. Procede?
-Sim,
ele é meu pai... – Fábio chora.
-Você
ficou muito nervoso. Eu vou trazer um sedativo...
-A
culpa foi minha. Ela veio atrás de mim, preocupada que eu fosse fazer uma
besteira. Por isso que a gente sofreu o acidente. Por favor, não esconde nada de
mim, Doutor! Como é que tá Gabriela?
-Agora
ela está fora de perigo, mas...
-Mas
o quê? Fala!
-Sua
namorada teve que passar por uma cirurgia de emergência. O acidente foi muito
grave e nós... Tivemos que remover o feto.
-Feto?
Do que é que o senhor tá falando?
-Eu
nem sei se é a melhor hora pra dizer isso, mas vocês iam conversar sobre o
assunto em algum momento...
-Que
assunto, Doutor? Fala de uma vez, para de fazer rodeio!
-Por
causa do acidente... – Nonato avista Bete observando o médico e o paciente- A
Gabriela sofreu um aborto.
-O
quê?
-Sua
namorada estava grávida antes do acidente.
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