10/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 7: MAS ERA SILÊNCIO QUE SE OUVIA

-Que paciente é esse? Eu não tenho paciente nenhum com esse nome.
-É o menino que sofreu um acidente e você atendeu agora há pouco. Ouvi pelo celular quando te chamaram. O Fábio estava com a namorada, Gabriela.
-Por que você quer que eu faça isso? Qual o seu interesse nesse cara?
-Quem está com você nas mãos sou eu, Nonato; não o contrário. Tô te cobrando um preço bastante razoável pelo meu silêncio, não acha?
-O que você quer que eu diga?
-Assim que a família deles chegar, você conta do estado de saúde deles. Aliás, como é que eles estão?
-O tal de Fábio só perdeu os sentidos. Ainda não voltou a si.
-Nem ele nem você, né? E a Gabriela?
-O caso dela é mais complicado. Os paramédicos disseram que o impacto da batida atingiu a moça em cheio. Teve uma hemorragia, que conseguimos conter, e uma fratura no braço.
-Vai se salvar?
-Sim, mas vai ter que ficar aqui na enfermaria, pelo menos uns três dias. O Fábio vai ser liberado logo que acordar. Já o taxista...
-Dele eu não preciso saber. Dispenso.
-Fala logo de uma vez. O que você quer que eu faça?
-Você vai dizer pro Fábio exatamente o que eu mandar. E pra garantir que você não vai me passar a perna, eu vou ficar bem perto pra garantir que ele não desconfie de nada. Ele vai ter que receber um diagnóstico falso.
-Isso eu não vou fazer. O que você quer? Que eu prescreva uma receita mentirosa?
-Não é sobre o estado de saúde dele que você vai ter que mentir, e sim o de Gabriela.

-Duvidei muito que você tivesse coragem de procurar por mim, ainda mais depois de tudo o que fez contra mim.
-Contra você? Vinícius, eu praticamente ajoelhei pra agência te deixar fazer a campanha comigo e você pensa que eu quero te ferrar?
-Disso eu tenho certeza.
-Sinto muito, mas eu não tenho culpa da tua irresponsabilidade. Muito mais cômodo pra você colocar a culpa das suas desgraças em mim. Até o telefone de casa você não quer atender.
-Talvez porque eu não seja obrigado. Já acabou? Pois então pode sair da minha casa- o modelo tenta fechar a porta, mas Victória acaba entrando- Sai daqui agora!
-Quer que eu saia?- a moça vai ao centro da sala- Vem me tirar.
-Para de me provocar, Victória! Sai daqui antes que eu faça alguma besteira!
-Pior do que você vem fazendo? Por favor... Você falta à escola dizendo que tem trabalho pra fazer na agência, e ninguém te vê lá. Quando isso acontece, chega completamente alterado. Até quando você vai fingir que não é dependente químico, Vinícius?
-Eu não sou drogado! Não sou!- grita- A hora que eu quiser parar, eu paro. Você não tem nada a ver com a minha vida!
-Nada a ver, né? Eu sou só a sua namorada, mas se for pra te tratar, eu sou o incômodo, né? Tem noção de quantos que trabalham lá morreram com promessas fáceis de enriquecer, de ter o controle da situação e acabaram piores do que você?
-Acontece, Victória, que eu não acabei!
-Ainda não. Você tá jogando nossa relação no lixo, a convivência com seu pai tá indo pelos ares... Tem toda razão, meu amor; você realmente não acabou! Mas o nosso namoro tá bem perto do fim, sim!
-O que foi? Deu pra me ameaçar agora? Desiste, que eu não caio na tua pilha, não...
-Vinícius, eu tô tentando trazer você de volta à razão...
-Você me conheceu assim, não sei o que te deixa tão incomodada.
-A tua falta de controle! Quando a gente começou a namorar, você fumava, bebia, experimentava coisas que eu nem sabia que existia, e já vinha com esse discurso de que tinha controle. Achava que vivia por cima da carne seca, com contratos a todo momento, fotos, desfiles... A rotina de adolescente que crescia aos poucos e alcançava uma fama merecida. Depois que não te viram mais como um rosto promissor, você continuou trabalhando, mas desmotivado, apontando culpados a todo momento por ter caído em desgraça... Até eu, Vinícius! Até eu sou pra você o motivo da sua dor de cabeça!
-Mas convenhamos que sua ascensão no mundo da moda foi bem rápida, não foi, Vicky?
-Bem em paralelo com o seu plano de autodestruição.
-Afinal de contas, você vai ou não dizer pra que foi que veio aqui?
-Vim saber duas coisas: o que você pretende fazer da sua vida e o que vai fazer com a nossa.
-Se viver contigo é deixar de lado o que me faz feliz, eu sinto muito, mas... – a afirmação deixa um longo silêncio entre o casal.
-Logo se vê que eu não sou mais o suficiente.
-Para de cena, Victória, que você nunca foi disso.
-Me fala só uma coisa: como é que você se vê no futuro?
-Sem ninguém pra encher o meu saco. Satisfeita com a resposta?
-O meu futuro eu não consigo ver, mas infelizmente o seu tá mais do que claro. Aliás, eu não consigo nem mais te enxergar. O que eu vejo é Luciano, teu pai, segurando o teu caixão, e lamentando que o único filho morreu por conta de uma overdose.
-Quanto drama! Tem muita modelo que investiu na carreira de atriz e deu certo. Quem sabe essa não é a sua chance?
-Parece que não ouviu nada do que eu conversei até agora, né?
-Tá enganada, eu entendi muito bem. Vê se entende uma coisa: eu não preciso me levantar porque nunca caí, não tô no chão. E também já não aguento mais você e o meu pai torrando minha paciência por conta do “vício” que vocês inventaram pra mim. O que é? Tenho que colocar tudo na balança agora, com uma faca no meu pescoço?
-Tem!- Victória grita- Tem sim! Pra ver se você não passa uma noite na delegacia por ser confundido com um traficante, ou se não amanhece no IML! Acha que vai morrer só porque Luciano e eu queremos ver você longe do vício? Se depender de mim, vai colocar na balança, sim! Vai ter que escolher, sim!
-Entre a minha pedra de crack e esse namoro de bosta que a gente tem?- irritada com a provocação, Victória dá uma bofetada no rosto de Vinícius, que continua a provocá-la- Ficou bem clara a minha resposta ou eu vou ter que repetir?
-Se dependesse de mim, eu ia ter muita raiva pelo que você tá fazendo todo mundo passar, mas nem isso. Só consigo sentir pena de você, muita pena.
Victória vê a fumaça atrás da televisão e segura o cigarro que Vinícius portava antes da sua chegada, jogando-o sobre o tapete da sala e pisando-o, antes de ir embora. O ex-casal fica inconsolável com a separação.

Ariane está na recepção do hospital, aguardando notícias dos adolescentes. Eduardo chega com Alice e Caio.
-Mãe, falaram alguma coisa da Gabriela?
-Ainda não, Eduardo.
-Cadê meu filho?- Alice mostra-se desesperada- Eu quero saber onde está o meu filho.
-O médico ainda não apareceu pra nos dar notícia nenhuma.
-Diz pra essa mulher não abrir a boca pra falar comigo...
-Para de fazer cena aqui, Alice- Caio repreende a ex-esposa.
-Mas ela pode, não é? Ela pode bancar a superior!
-Olha só, como você está nervosa eu não vou nem relevar o que você está me dizendo.
-Nem a mim interessa saber nada do que você diga.
-Vamos parar?- Eduardo intervém mediante as provocações- Fábio e Gabriela estão lá dentro, e vocês não vão discutir aqui no hospital!
-Vocês são os parentes de Gabriela Acioly Siqueira?- Nonato chega à recepção.
-É minha filha, Doutor! Como ela está?
-Gabriela teve uma hemorragia e uma fratura no braço, mas está fora de perigo.
-Graças a Deus. A gente pode entrar pra ver a minha irmã?
-Ainda não, rapaz. Só é permitida a entrada de uma pessoa na enfermaria, e se for a paciente menor de idade. Além disso, ela ainda está desmaiada por conta do acidente.
-E o nosso filho?- Caio pergunta a Nonato- A gente quer saber se era o nosso filho que estava com a Gabriela!
-O Fábio não sofreu lesões severas- Nonato menciona o nome do rapaz e Eduardo estranha, pois nem mesmo Alice e Caio haviam falado o nome do filho quando chegaram ao hospital. Apenas está desacordado por conta de uma pancada na cabeça, e por enquanto está em observação. Mas dentro de algumas horas vocês poderão levá-los para casa.
-Ainda bem- Alice fica mais tranquila- Eu posso entrar? Depois o pai dele entra também.
-Primeiro, eu preciso que vocês deixem comigo os documentos de identidade pra que o paciente possa reconhecê-los, já que ele chegou aqui sem nada que pudéssemos identificá-lo. Dentro de alguns minutos, eu libero a entrada de vocês.
-Obrigada, Doutor. Muito obrigada- Alice se emociona, enquanto Caio procura o registro geral no bolso e entrega-o a Nonato.
-Aqui está, Doutor.
Nonato vira-se para Ariane.
-Como a senhora é mãe da Gabriela Acioly, pode entrar comigo, por favor.
-Mãe, volta na portaria pra me dar notícia.
-Pode deixar, Eduardo- Ariane é acompanhada por Nonato até a enfermaria feminina. Ele a deixa para cuidar de Gabriela e em seguida passa a ser acompanhado de perto por Bete, que o vê tentando acordar Fábio vagarosamente.
-Fábio? Fábio, você pode me ouvir?- o rapaz abre os olhos.
-O que houve?
-Fábio é o seu nome?
-É. Onde é que eu tô?
-No hospital.
-Por quê?
-Você não se lembra? Na noite passada você sofreu um acidente- Bete fica à porta da enfermaria masculina, como se estivesse tentando pressionar o médico- Num táxi com Gabriela.
-Gabriela? Cadê Gabriela?
-Fica calmo, Fábio.
-Onde é que ela tá? Me fala, Doutor!
-Aqui, aqui. Em breve você vai poder ver sua namorada, mas antes eu tenho que fazer algumas perguntas.
-Me leva até ela, Doutor! Por favor!
-Esse homem aqui- mostra o RG de Caio- Ele se identificou na portaria como sendo seu pai. Procede?
-Sim, ele é meu pai... – Fábio chora.
-Você ficou muito nervoso. Eu vou trazer um sedativo...
-A culpa foi minha. Ela veio atrás de mim, preocupada que eu fosse fazer uma besteira. Por isso que a gente sofreu o acidente. Por favor, não esconde nada de mim, Doutor! Como é que tá Gabriela?
-Agora ela está fora de perigo, mas...
-Mas o quê? Fala!
-Sua namorada teve que passar por uma cirurgia de emergência. O acidente foi muito grave e nós... Tivemos que remover o feto.
-Feto? Do que é que o senhor tá falando?
-Eu nem sei se é a melhor hora pra dizer isso, mas vocês iam conversar sobre o assunto em algum momento...
-Que assunto, Doutor? Fala de uma vez, para de fazer rodeio!
-Por causa do acidente... – Nonato avista Bete observando o médico e o paciente- A Gabriela sofreu um aborto.
-O quê?
-Sua namorada estava grávida antes do acidente.

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