28/06/2017

VIDA LOUCA/ CAPÍTULO 25: CAMA DE GATA (ÚLTIMOS CAPÍTULOS)

-Você vai sair da minha sala agora!- Nonato abre a porta do consultório, que é fechada violentamente por Gabriela, que levanta o tom de voz.
-Só se eu fosse louca! O único que vai sair daqui é você, porque eu vou te denunciar pra secretaria de saúde por dar diagnóstico falso!
-E quem disse que era falso? Quem disse que você não tava grávida mesmo?
-Olha aqui, você deixa de onda comigo! Eu faço um escândalo aqui e jogo essa porcaria de carreira que você tem no lixo!
-Eu só disse pro tal de Fábio que você tinha perdido o bebê que esperava. Seu namorado ficou preocupado com o seu estado de saúde, eu só quis dizer a verdade.
-Ah, é? Então, por que eu não fiquei sabendo disso? Por que essa informação se tornou exclusiva pro Fábio?
-Vai ver você não sabia da gestação, ainda estava muito no começo...
-Impressionante a força que você faz pra mentir, mesmo com a verdade sendo esfregada na tua cara!
-Eu não estou mentindo. Já te falei que talvez você não soubesse que tava esperando um bebê.
-Nunca estive, Nonato! Só tem duas explicações: ou você se enganou ou contou isso pro Fábio de caso pensado, e eu só consigo acreditar na segunda alternativa. Fala por quê!
-Olha aqui, se você não sair da minha sala agora, eu vou chamar o vigilante!
-Chama quem você quiser: o exército, a marinha, a aeronáutica! Quem você quiser! Mas eu vou aproveitar pra chamar a polícia também pelo falso diagnóstico que você me deu! É isso que você quer?
-O que você quer de mim?
-Que você fale a verdade pra mim e pro meu namorado, que tá internado num hospital pensando que eu traí ele com outro cara! Conta a verdade, Nonato! Por que você quis me prejudicar pro Fábio?
-O que eu tinha pra dizer sobre esse assunto, eu já disse. Você que se resolva com o seu namorado.
-Quer que as coisas fiquem mais difíceis pra você, Nonato? Pois muito bem. Melhor você saber que eu não vou dar o braço a torcer.
-E o que é que você pretende pra que eu diga aquilo que você quer?
-Uma hora ou outra, eu vou fazer a verdade aparecer.
-A verdade é a que eu disse, não tem outra.
-Eu quero ver o laudo!
-Como é que é?
-Para de me fazer de idiota e me mostra o laudo. Com certeza, ele tá aqui, né?
-O laudo não fica comigo. Pacientes antigos têm os laudos mandados pra secretaria de saúde, e só os médicos podem ter acesso...
-Que conveniente pro senhor, Doutor Nonato...
-Vai embora daqui, Gabriela!
-Tudo bem. Eu já imaginava que você fosse negar a tua canalhice. Só é uma pena que eu não vou me dar por vencida. Quer dizer, uma pena pra você. Com ou sem a sua ajuda, eu vou descobrir toda a verdade. E é melhor, pro seu bem, que seja com a sua ajuda.
-Caso contrário, você vai fazer o quê? Me matar?
-Vontade não me falta.
-Eu não tenho medo de uma adolescente que acha que já é mulher.
-Uma pessoa que esconde uma traição e uma gravidez já é uma mulher, Nonato. Agora vamos ver se você tem coragem de enfrentar a mulher que você criou. Babaca!- Gabriela deixa o consultório, mas esconde-se no estacionamento do hospital. Nonato fecha a porta e abre a gaveta, de onde tira um cigarro e acende-o, procurando acalmar-se.
-A maldita da Bete tá me prejudicando com essa história. Mas não vou deixar barato mesmo!

Vinícius volta para a escola e se isola em um canto do pátio na hora do intervalo. Um dos alunos que frequentam a “boca” criada por Bete, um jovem conhecido como “Muçulmano”, aproxima-se do modelo.
-Quer companhia, cara?
-Não, obrigado.
-A Bete veio hoje. Por que você não paga um “barato” a ela? Vai te fazer bem.
-Tô sem vontade. Desde que... Desde que aquilo tudo com a Victória rolou, eu não consigo mais. Parece que eu travei, entende?
-Saquei. Melhor você parar com isso mesmo.
-Por quê?
-Desculpa aí, “mano”, mas... Tava na cara que você tinha perdido o controle de tudo.
-Um cara como eu nunca perde o controle. Já devia saber disso.
-Pena que o Fábio não pensa igual a você... Coitado!
-Fábio? Rolou o quê com ele, Muçulmano?
-Ficou sabendo, não? Tá internado por conta de uma overdose!
-Impossível... O cara conseguia o “bagulho” comigo! E o pai dele descobriu tudo. Como é que ele teve uma overdose?
-Vai saber, né? Quem sabe ele não procurou outra pessoa pra fazer o meio de campo?
-Ou a própria Bete. Só pode ter sido ela.

Joyce examina Fábio enquanto este adormece. Caio e Alice acompanham o procedimento médico.
-E como ele está, Doutora?
-Agora ele não corre mais risco de morte, Alice. O Fábio está a salvo.
-Ah, graças a Deus!- declara Caio- Já não aguentava mais essa agonia. Pelo menos a gente já sabe que o Fábio vai ficar bem.
-Por enquanto, Caio.
-“Por enquanto” por quê, Doutora?
-Bem, Alice, vocês sabem que o Fábio teve uma overdose. Nós conseguimos controlar a saúde dele porque está em abstinência, mas isso não resolve o problema definitivamente.
-O que é que a gente pode fazer, então?
-Caio, o melhor é que o filho de vocês faça um tratamento de reabilitação. O que precisam fazer, enquanto responsáveis por ele, é internar o Fábio num centro de apoio psicossocial.

Nonato deixa o hospital muito tarde e entra em seu carro para ir ao sobrado de Bete. Mas Gabriela chamou um táxi, que está no estacionamento, e ele segue o veículo do médico.
-Não perde ele de vista, moço, por favor.
-Fica tranquila.
Toca o celular de Gabriela. O visor mostra que a ligação é feita através do aparelho de Eduardo.
-Fala, Edu.
-Sou eu, Ariane- diz a mãe, acompanhada do filho na clínica onde está a família de Fábio.
-Oi, Mãe.
-Onde é que você se enfiou, minha filha?
-Tô num táxi, indo atrás do cafajeste.
-Gabriela, isso é um absurdo. Você tá o dia todo sem dar o seu paradeiro pro Eduardo! Vai pra casa agora.
-Eu coloquei o cretino contra a parede. Ele teve a cara de pau de negar tudo. Miserável... Mas ele não vai fugir de mim, não.
-Gabriela, vai pra casa. Isso pode ser perigoso, minha filha!
-Só se for pra ele.
-Você já cogitou a possibilidade de que o Fábio falou dessa gravidez quando estava se enchendo de droga?
-O Fábio nunca ia dizer nada de mim se não tivesse certeza.
-Se você conhecesse o Fábio tão bem, teria desconfiado do comportamento dele. Olha bem o que você está fazendo: comprando uma briga com alguém que não tem nada a ver com o seu problema.
-A minha intuição diz que é exatamente o contrário.
-Já a minha está mandando você voltar. Diz o teu endereço pro taxista e volta pra casa. Agora!
-Eu não vou voltar enquanto não descobrir o que aquele pilantra tá escondendo.
-Gabriela!
-Não, Mãe! Eu não vou desistir agora- desliga o celular.
-Gabriela? Gabriela, me responde; eu estou falando com você! Gabriela!
-O que foi, Mãe?
-Desligou na minha cara. Eu não estou gostando nada disso, Eduardo.
-Se esse médico não tem nada a ver com o que o Fábio falou, se foi mesmo “viagem” da cabeça dele, ele não vai fazer nada contra ela.
-Pode ser. Prefiro acreditar que vai ficar tudo bem mesmo.
O carro de Nonato estaciona em frente à entrada do sobrado. O taxista para, à larga distância.
-O que a gente faz agora?
-Espera pra ver aonde ele vai, moço- ao ver Nonato entra no sobrado, Gabriela tira o cinto de segurança- Me espera aqui. Se eu não voltar em quinze minutos, você chama a polícia.
-Que é isso, menina? Eu não me meto com bandido, não.
-Eu menos ainda. Daqui, você me leva pra casa; a minha mãe já tá preocupada comigo. Mas me espera- Gabriela deixa o táxi, correndo para o imóvel. Antes de chegar até a escadaria do sobrado, a garota se esconde, mas ouve Nonato batendo na porta insistentemente. Bete o atende.
-O que foi, hein?- a traficante passa a mão esquerda nos olhos- Eu já tava dormindo...
-Quem te conhece sabe que você não dorme cedo. A prova disso é a hora que você costuma atender teus clientes. Deixa de mentira.
-Até onde eu sei, ninguém me conhece tão bem. Muito menos você.
-Se engana, Bete! Eu conheço você muito bem pra saber do que você é capaz.
-Bete?- Gabriela reconhece a voz da colega de sala.
-Veio fazer o quê aqui, hein?
-Apenas te contar que a mentira que você me obrigou a contar me deu uma nova dor de cabeça.
-O que aconteceu?
-Depois do Fábio, foi a vez da Gabriela me procurar pra saber por que eu menti.
-Tá certo. Agora me fala a parte do que eu tenho a ver com isso.
-Eu não tô aguentando mais ficar calado, Bete! A culpa do que tá acontecendo é sua!
-E sua também. Se você tivesse inventado um laudo falso pra culpar a Gabriela, o Fábio esfregaria o documento na cara dela. Mas não!
-Me libera desse compromisso e me entrega o vídeo que você fez de nós dois juntos no hospital! Aquela garota não vai descansar enquanto não ficar sabendo de tudo, eu vi nos olhos dela.
-Não quero nem saber. Muito menos agora, que eu sei que mirei num objetivo e acertei no outro.
-Mas do que você tá falando?
-Quando eu mandei que você inventasse uma falsa gravidez pro Fábio, era pra ele pensar que tinha provocado o aborto do bebê, já que ela só sofreu o acidente por estar com ele. Mas quando você me contou que ela é virgem, foi genial. Vi que eu tinha dado a tacada de mestre. Só que agora ele pensa que ela colocou chifre nele. Não podia ser melhor!
-Por que você quer tanto acabar com esse cara?
-Desde quando eu falo que isso não é da sua conta? Ah, é: desde sempre!
-Pouco me importa isso também. O que eu quero é que você destrua aquele vídeo e faça aqueles dois se afastarem de mim!
-A Gabriela eu não tenho como controlar. Já o Fábio não vai te procurar tão cedo, isso eu tenho certeza.
-Como é que você sabe disso? Como pode ter tanta certeza?
-Pelo que eu fiquei sabendo, o Fábio teve uma overdose.
-O Fábio é drogado também?
-Pois é, né? Daí, ele exagerou e tá no hospital. Praticamente sem chance de cura.
-Tem um dedo seu nessa overdose do cara, não é?
-E eu lá sou mulher de dedo? Tem a mão inteira nisso.
-De onde você conhece esse cara?
-Do mesmo lugar que você: das drogas, meu bem. Sem contar que... Esquece. O fato é que ele não vai se recuperar.
-Por que diz isso?
-Porque o idiota não conseguiu esconder por muito tempo que comprava droga. E eu tinha uma pessoa que ele enviava pra comprar droga comigo. Os pais dele descobriram que ele é usuário. Pra chegar até mim, Nonato, é um pulo. Por isso que eu quis me livrar dele. O imbecil do Fábio foi me procurar e me pediu, desesperado, pra que eu vendesse droga. Disse que só os cigarros que ele comprava não iam ser o bastante. Foi então que eu dei uma injeção... Ele ficou muito assustado quando eu coloquei a seringa no braço dele.

-O que é isso? O que você fez?
-É pra te acalmar, bobinho. Relaxa.
-O que foi que você me deu, Bete?
-Tudo o que você precisa. Daqui a uns minutos, sua agonia vai passar. Fica tranquilo, que eu cobro baratinho. Você vai ver que eu tô vendendo minha “fuga” pra você a preço de banana.

-Mentira que você fez isso com o cara...
-Eu não fiz nada, Nonato. As drogas que fizeram. Qualquer médico vai mostrar que ele exagerou, vão achar vestígios no sangue do Fábio. Pra todos os efeitos, o Fábio tomou a injeção porque não mediu a quantidade certa de entorpecente que queria. Resumindo: o cara não se controlou, parceiro; fazer o quê, velho? A vida é louca, “nêgo”...
-Desgraçada!- Gabriela sobe à escadaria e fica cara a cara com a traficante e o médico.
-Gabriela?
-Eu mesma, cachorra! Agora você vai dizer na minha cara o que você disse pra ele. Fala!

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