-Que belíssimo par vocês formam... Deveriam investir numa
relação- dispara Nete, a despeito das feições de constrangimento geradas por
Cissa e Valente- Mas, se quiserem assistir ao culto, que já começou, podem
parar com firulas e entrarem na igreja.
-Obrigada, irmã.
-Com licença- a esposa de Fabiano volta ao templo.
-Se ela está dizendo, quem somos nós para discordar?
-Tem razão. Falamos tanto e acabamos nos atrasando ainda mais
para o culto.
-Refiro-me ao outro ponto em que ela tocou.
-Menina, tu não sabes o que dizes...
-Mas sei perfeitamente o que sinto. E deduzo o que possas sentir
através de teu olhar, que faz questão de revelar que, a mim, tu não és
indiferente.
-Coloques teus joelhos no chão. E depois conversamos- Valente
responde à indireta, entrando rapidamente na Comportas para que não notem o
quanto ele está envaidecido com as investidas da jovem. Imaginem: uma figura de
beleza física ímpar, interessada num homem que não acreditava sequer em si
próprio. Mas o jogo não estava ganho para Cissa e, no fundo, o saxofonista
pensava que deveria seguir o próprio conselho para não sofrer mais danos
emocionais. Ainda mais agora que os trilhos parecem estar na direção das
realizações profissionais.
Se as aspirações financeiras daquele que é conhecido pela
alcunha de “varão valoroso” estavam mais próximas de abandonar o campo das
suposições, o mesmo não se podia dizer do Lar do Menino Tobias. Há anos, o
orfanato vem sofrendo com problemas de gestão, não solucionados nem mesmo pelo
rígido diretor que foi implacável ao defender a saída de Valente. No momento,
ele tem um diálogo com Joana, mesmo a hora estando avançada.
-Parece que nossos mantenedores foram tragados pela terra.
Vivemos tempos difíceis outras vezes, mas nunca como agora.
-Se continuarmos no vermelho, não dará nem para pagar a conta
de luz do orfanato.
-O que o senhor sugere?
-Teremos que enxugar o quadro de internos daqui.
-E para onde eles vão?
-E eu é quem sei? Entramos em contato com o Conselho Tutelar
e enviaremos alguns dos meninos para reformatórios localizados em outras
regiões. Os mais novos serão a prioridade de permanência.
-Vai dar tudo certo. Eu vou rezar e pedir a Deus que venha
uma solução o mais rápido possível.
-Não faças apenas isso. Ajas também. Amanhã a senhora vai
tratar de reunir as outras freiras e começar a divulgar os números de nossa
conta corrente para quem quiser nos ajudar com doações financeiras, ou mesmo
com mantimentos.
-Vais ver que não será necessário tirar ninguém daqui.
Acredites no poder de Deus, que não vai deixar nenhum dos meninos desamparado.
-Vou mostrar à senhora no que acredito: números. As dívidas
são frequentes e urgentes, Madre. Portanto, trate de mexer-se. Milagres até
podem acontecer, mas não colocarão nossas contas no azul apenas porque tu
queres.
-Tens razão, senhor; Nossa situação melhorará porque Deus
quer. Terei de me recolher agora. Passes muito bem.
Joana vai ao quarto e, de joelhos, ora para que Deus tome uma
providência favorável ao Lar do Menino Tobias. O Seu nome, agora cada vez mais,
não sai da boca da Madre. Uma verdadeira essência adoradora também pode ser
encontrada na figura da evangélica Olívia, com mais motivos para agradecer do
que pedidos. A gratidão é vista por Beatriz como algo ultrajante pois, segundo
ela, sua irmã insiste em impor uma fé que ela faz questão de não possuir.
-Sabes que eu estava conversando sobre o assalto com meu
professor? Ele concordou comigo: disse que foi um verdadeiro milagre de Deus.
-Olívia, pelo amor deste Deus que tu tanto amas, pares de
falar sobre isso. Não houve milagre nenhum porque não houve assalto. Chega de
firulas, Olívia!
-Se tu quiseres ser incrédula, eu não posso mudar a tua
visão. Mas eu sei o que vi e o que vivi, Beatriz. E se não entenderes que
aquilo foi fruto de uma epifania...
-Era só o que me faltava. Não basta ser crente: ainda tem que
usar vocábulos que a maioria desconhece o significado. Eu posso aguentar isto,
Cissa?- a moça está distraída- Clarissa?
-Não estavas nos ouvindo?
-Desculpem-me, é que estava eu voando alto.
-Queres nossa ajuda?
-Quero, sim, Olívia. Mas não é exatamente um conselho:
prefiro que prestem atenção ao que vou contar para vocês. Só que isto não pode
sair das paredes deste apartamento, pelo menos por enquanto.
-Quanto suspense, amiga... Digas: o que tens?
-Beatriz, é inacreditável, mas eu posso dizer com segurança.
-Fales de uma vez, Cissa. O que tanto queres nos contar?
Após um longo suspiro, a garota toma ímpeto e satisfaz a
curiosidade das amigas.
-Acho que acabei por apaixonar-me.
Tanto Olívia quanto a impetuosa Beatriz mantêm-se em absoluto
silêncio após a revelação daquela madrugada no apartamento da Família Gusmão
Alencar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário