22/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 22

-Quero. Quero justamente por isso. Como você soube?
-A Rosane me contou tudo, antes de morrer. Era você em que ela pensava. Passava noites e mais noites delirando, chamando o seu nome. Não conseguia esquecer você um só dia. Até que ela me contou a verdade. Você sempre soube e mesmo assim renegou o seu filho.
-E você criou o filho de outro homem. Já pensou na vergonha que você ia passar se todo mundo soubesse? Agora eu entendo porque esse menino, o Igor, virou menino de rua junto com a meia-irmã dele. A Ana Maria pensou que era pra sustentar teu vício, mas não. Era pra punir a Rosane, mesmo depois de morta.
-No que você pode me condenar? Eu perdi minhas noites de sono cuidando desse moleque! Agora você vem me dizer que eu fui um pai ruim pro Igor?
-Sinceramente, Jandir, eu me omiti durante doze anos. Você acha que eu me importo com o que deixa de acontecer com Igor? Eu não quis esse menino antes, e agora menos ainda. A não ser distância de mim, da Ana Maria e do Yuri, que é o filho que eu amo. O único que eu tenho.
-Você é doente...
-Pensa comigo: qual a vantagem que você tem de revelar a verdade?
-Eu não quero revelar nada. Por mim pouco me importa se a sua mulher sabe ou não.
-Mas é claro! O que você quer é tripudiar em cima dos filhos da Rosane. Até a menina te causa repulsa, não é? Como é que não? É a cara da Rosane. Deve ser difícil demais...
-Não me venha bancar o compreensivo agora.
-Eu só quero que você faça o papel que fez até agora: o do pai que quer o bem dos filhos. Eu já tenho um plano pra afastar os dois de casa.
-E depois? O que acontece quando eu recuperar a minha filha... E o seu filho?
-Ambos em suas mãos, Jandir. Faça o que quiser: jogue num abrigo, num orfanato, na rua... Não me interessa o que vai ser deles. Muito cuidado quando for entrevistado pelo Conselho Tutelar.
-Você pode ter enganado muita gente, mas uma coisa vai ter que ouvir de mim: você me dá nojo.
-Só uma pessoa disse isso. Quer que eu diga mesmo quem foi? Hum, seu silêncio já me diz o que preciso. Adeus, Jandir- abre a porta e entra em seu carro.
-Quanto tempo vai demorar pra isso eu não sei... Mas eu vou destruir teu filho, Otaviano. Se eu não posso contigo, eu acabo com aquele moleque!

DIAS DEPOIS...

Frederico decide procurar um médico.
-Como está você, Frederico?
-Bastante preocupado. É por isso que vim procurá-lo.
-Por favor... – aponta para cadeira, e Frederico se senta- Do que se trata?
-Doutor, eu quero pedir segredo sobre o que vamos conversar aqui.
-Sabe que pode contar com o meu silêncio. Mas diga: é alguma coisa grave?
-Há tempos, eu e Lana, a minha mulher, deixamos de usar métodos anticoncepcionais. E ela não consegue engravidar.
-Acredita, então, que um de vocês possa ter algum problema?
-Ela só acha que somos jovens demais pra isso... Mas eu sei que ela não quer ter filho algum. Pensei que talvez o problema fosse comigo.
-Lana chegou a procurar algum ginecologista?
-Não. Ela sequer sabe que estou aqui. Eu só queria que o senhor me tirasse essa dúvida, doutor.
-Bom, Frederico, o que eu posso fazer é pedir que você faça alguns exames para saber se você é infértil ou estéril.
-Se eu for infértil, eu sei que com o tempo, como ela mesma disse, eu posso ter o filho que eu quero com a minha mulher. Mas...
-Não se atormente antes do tempo, Frederico. Eu vou recomendar que seja feita uma espécie de exame imunológico, para saber sobre anticorpos que possam provocar alguma incapacidade de seus espermatozoides, e também um espermograma. Mas eu aconselho você a trazer Lana aqui para que ela se submeta a uma laparoscopia. Eu sei que é um exame mais doloroso, mas não é aconselhável que apenas um dos cônjuges venha até aqui para saber sobre esse tipo de coisa. O certo seria tê-los aqui.
-O problema é como convencê-la, doutor. Mas eu peço, mesmo assim, que faça esses exames comigo.
-Tudo bem. Assim que eu marcar, eu vou chamá-lo.

XXXXX

Otaviano aproveita que Ana Maria está no banho e que Betina e Igor estão brincando no jardim com Sônia. Ele entra em seu próprio quarto, percebe que a esposa deixou seu celular sobre a mesa de cabeceira e percebe que o aparelho está no modo “normal”. Logo, ele trata de desligá-lo e tira o seu chip. Ele se dá conta de que o seu celular está em seu bolso e faz o mesmo. Coloca ambos dentro de sua maleta e vai até o quarto da governanta, onde os meninos dormem em colchonetes.
Tendo muito cuidado para não ser visto, ele trata de colocar os aparelhos em meio às roupas velhas de Yuri que Igor usa. As roupas estão guardadas numa gaveta que fica ao lado da cama de Sônia. Ao fechar com cuidado para não fazer barulho, não percebe que Geraldo vem se aproximando e repara na cautela com a qual sai do recinto. O motorista entra no local e não nota nada de diferente.
-Por que o Dr. Otaviano entrou aqui?

XXXXX

O telefone da casa de Jandir toca. O mecânico está com a barba por fazer, com uma camisa branca surrada.
-Alô?
-Hoje é o dia em que você vai conseguir ter seus filhos de volta.
-Quem está falando?
-Vá hoje à noite para a mansão. Ana Maria vai ter um bom motivo para expulsar seus filhos da casa dela. E fique tranquilo, Jandir. O Conselho Tutelar sequer será chamado. Minha esposa vai fazer questão de devolver seus filhos antes que você peça mais uma vez. Saiba agir com amor. Comova a todos- o telefone é desligado.
-O que é que esse desgraçado vai fazer pra tirar os meninos de lá?

XXXXX

Igor, Ana Maria, Betina e Yuri estão à mesa de jantar. São servidos pelas empregadas, a mando de Sônia. Geraldo entra e decide falar com a governanta.
-Boa noite a todos.
-Boa noite- todos respondem, menos Yuri.
-Aceita jantar com a gente, Geraldo?- Ana Maria faz o convite.
-Não, obrigado, senhora. O Dr. Otaviano nunca ia deixar que...
-Pode parar de se preocupar com ele. Não está à mesa.
-Ele pediu que eu levasse o jantar para o quarto, Geraldo- explica Sônia- Disse que estava com enxaqueca.
-Senta de uma vez, cara- aconselha Yuri- Você ficou livre das humilhações do Otaviano, pelo menos até as próximas horas.
-Não, não, Yuri. Eu só vim mesmo falar com a Sônia.
-Quando as meninas terminarem de servir a todos, nós podemos falar na cozinha.
-Mãe, você falou com alguém do tal conselho sobre esses meninos?
-Falei com uma moça que foi recomendada pelo Frederico. Ela disse que tinha que ouvir também a versão que daria o pai dos meninos. Mas bateu na porta dele nesses dias e nada de atender.
-Vai ver ele estava bebendo. Só isso que o meu pai faz mesmo.
-Pelo menos você tem alguém pra chamar de pai, cara- lamenta-se Yuri.
-Você também tem.
-Um que é tão pouca coisa quanto o seu.
-Yuri, não provoca o Igor.
-Engraçado... Depois de tudo o que ele fez, parece que a senhora passa a mão na cabeça dele ainda.
-Nem na dele, e muito menos na sua. Eu estou cansada de saber que descobrir sobre a nossa situação financeira foi um golpe duro pra você. Mas isso não justifica sua agressividade nos últimos dias.
-Reclama com o seu marido, então.
-Não briga com a tia Ana- pede Betina.
-Chega desse assunto. Vamos comer em paz, meu filho?
-Se tem que ser assim...
-É assim!- Igor a defende- Todo mundo está com medo, achando que vai perder o emprego, que vai perder dinheiro. Mas você tem uma mãe que pensa em você, que se preocupa.
-Por que está me dizendo isso? Porque não tem mais a sua?- provoca.
A luz da casa se apaga.
-O que está acontecendo?- Ana Maria se assusta.
-Pega uma vela na cozinha, Geraldo- pede Sônia.
-Já vou.
Otaviano segura uma vela e vem à cozinha.
-Ana Maria, onde está seu celular?
-Pra quê você o quer?
-Como pra quê? Pra ligar pra companhia elétrica, eu não posso trabalhar sem energia. Perdi arquivos importantes com essa queda.
-Por que você não usa o seu, Otaviano?
-Porque eu estou procurando o meu celular o dia inteiro e não faço ideia de onde ele está.
-Ah, meu querido, eu também não vi o meu o dia inteiro. Eu jurava que o tinha deixado no quarto antes de tomar banho.
-Se a senhora perdeu, eu vou ligar pra ver se ele toca- sugere Yuri, que tira o seu do bolso e procura o número de Ana Maria na agenda- Ele estava no silencioso?
-Não, eu nunca o deixo no silencioso.
-Bom, aqui diz que está fora de área, mãe. E o meu está com pouca bateria, não vai dar pra ligar pra empresa da luz.
-Será que nós fomos roubados?
-Ah, não viaja, Otaviano! Quem ia roubar o celular da mamãe?
-E o meu também. Tenta ligar pro meu, meu filho.
-Tenta pela audição. Se você estava trabalhando para a empresa, algum acionista vai ligar pro senhor e ele vai tocar, vai ver trazendo mais notícia ruim. Não é?
A luz volta rapidamente.
-Pronto. Vai ver agora a gente consegue jantar em paz.
-Não, Yuri. Eu quero o meu celular, e o da sua mãe também.
-Depois eu procuro o meu, Otaviano. Assim que eu terminar de jantar...
-Eu não vou esperar sua boa vontade pra isso...
-Mas qual é o teu problema, hein? Manda um e-mail pra alguém da empresa, vai ver você perdeu lá, ué!
-Não, meu filho, eu tenho certeza de que eu o usei de manhã aqui.
-Certo, pai. Onde você acha que ele está?
-Não sei, mas talvez se perguntássemos a esses pivetes de rua, eles saberiam responder.
-Olha aqui, eu não vou admitir que você os ofenda dessa maneira- Ana Maria se levanta da mesa.
-Como pode dar tanta confiança a eles?
-Dr. Otaviano, eu cuidei desses meninos o dia inteiro. Eles nunca roubaram nada.
-Sônia, não seja mais ingênua do que já é. Eles podem ter aproveitado um momento de distração pra roubar nossos celulares. E se eles vendem, sabe-se lá o que eles podem fazer com o dinheiro. Quem sabe até comprar droga, Ana Maria?
-Já chega! O que você pretende com isso? Acabar com a confiança que eu tenho em Betina e Igor?
-Vasculha o quarto onde eles estão dormindo. Aposto que eles guardaram lá, se é que não deram fim nos dois celulares.
-Eu não vou compactuar com esse espetáculo ridículo em que você atua.
-Não vai você? Vou eu, então- vai ao quarto de Sônia.
-Otaviano, volta aqui- Ana Maria corre atrás do marido- Não faça isso, você está enganado- Yuri, Igor e Betina vão atrás dos donos da casa.
-Não é possível, Geraldo. Eles não roubaram nada, eu sei disso.
-Eu também sei, Sônia- vai atrás dos outros.
-Geraldo! Geraldo!- segue o motorista da mansão.
-Otaviano, para com essa estupidez, por favor- diz, enquanto o marido olha debaixo do colchão e da cama.
-Você pensa que esses garotos são de confiança, não é? Mas eu não acredito nem um pouco na inocência deles!- abre as gavetas de Sônia, vasculhando primeiro as roupas da governanta.
-Me diz uma coisa; quanto você cobra pra fazer outro show desses?- Yuri fica atiçando a ira do pai- Pelo que eu estou vendo, ninguém vai jantar hoje. Parece que o poderoso Otaviano Melo Passos decidiu começar a greve de fome antes de ser expulso de casa com a mulher e o filho.
-Duvida, não é, moleque? Então me explica isso aqui- coloca na cara de Yuri o celular que estava em meio às coisas de Igor- E esse, então? Como é que vieram parar no quarto?
-O que significa isso, Otaviano?
-Significa que se a Sônia não roubou nada, Ana Maria, esses garotos passaram a mão nos nossos celulares. Agora me diz, Ana Maria: como eu posso morar na mesma casa que dois ladrões?

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