-Quero. Quero
justamente por isso. Como você soube?
-A Rosane me
contou tudo, antes de morrer. Era você em que ela pensava. Passava noites e
mais noites delirando, chamando o seu nome. Não conseguia esquecer você um só
dia. Até que ela me contou a verdade. Você sempre soube e mesmo assim renegou o
seu filho.
-E você criou
o filho de outro homem. Já pensou na vergonha que você ia passar se todo mundo
soubesse? Agora eu entendo porque esse menino, o Igor, virou menino de rua
junto com a meia-irmã dele. A Ana Maria pensou que era pra sustentar teu vício,
mas não. Era pra punir a Rosane, mesmo depois de morta.
-No que você
pode me condenar? Eu perdi minhas noites de sono cuidando desse moleque! Agora você
vem me dizer que eu fui um pai ruim pro Igor?
-Sinceramente,
Jandir, eu me omiti durante doze anos. Você acha que eu me importo com o que
deixa de acontecer com Igor? Eu não quis esse menino antes, e agora menos
ainda. A não ser distância de mim, da Ana Maria e do Yuri, que é o filho que eu
amo. O único que eu tenho.
-Você é
doente...
-Pensa
comigo: qual a vantagem que você tem de revelar a verdade?
-Eu não quero
revelar nada. Por mim pouco me importa se a sua mulher sabe ou não.
-Mas é claro!
O que você quer é tripudiar em cima dos filhos da Rosane. Até a menina te causa
repulsa, não é? Como é que não? É a cara da Rosane. Deve ser difícil demais...
-Não me venha
bancar o compreensivo agora.
-Eu só quero
que você faça o papel que fez até agora: o do pai que quer o bem dos filhos. Eu
já tenho um plano pra afastar os dois de casa.
-E depois? O
que acontece quando eu recuperar a minha filha... E o seu filho?
-Ambos em
suas mãos, Jandir. Faça o que quiser: jogue num abrigo, num orfanato, na rua...
Não me interessa o que vai ser deles. Muito cuidado quando for entrevistado
pelo Conselho Tutelar.
-Você pode
ter enganado muita gente, mas uma coisa vai ter que ouvir de mim: você me dá
nojo.
-Só uma
pessoa disse isso. Quer que eu diga mesmo quem foi? Hum, seu silêncio já me diz
o que preciso. Adeus, Jandir- abre a porta e entra em seu carro.
-Quanto tempo
vai demorar pra isso eu não sei... Mas eu vou destruir teu filho, Otaviano. Se
eu não posso contigo, eu acabo com aquele moleque!
DIAS
DEPOIS...
Frederico
decide procurar um médico.
-Como está você,
Frederico?
-Bastante
preocupado. É por isso que vim procurá-lo.
-Por favor...
– aponta para cadeira, e Frederico se senta- Do que se trata?
-Doutor, eu
quero pedir segredo sobre o que vamos conversar aqui.
-Sabe que
pode contar com o meu silêncio. Mas diga: é alguma coisa grave?
-Há tempos,
eu e Lana, a minha mulher, deixamos de usar métodos anticoncepcionais. E ela
não consegue engravidar.
-Acredita,
então, que um de vocês possa ter algum problema?
-Ela só acha
que somos jovens demais pra isso... Mas eu sei que ela não quer ter filho
algum. Pensei que talvez o problema fosse comigo.
-Lana chegou
a procurar algum ginecologista?
-Não. Ela
sequer sabe que estou aqui. Eu só queria que o senhor me tirasse essa dúvida,
doutor.
-Bom, Frederico,
o que eu posso fazer é pedir que você faça alguns exames para saber se você é
infértil ou estéril.
-Se eu for
infértil, eu sei que com o tempo, como ela mesma disse, eu posso ter o filho
que eu quero com a minha mulher. Mas...
-Não se
atormente antes do tempo, Frederico. Eu vou recomendar que seja feita uma
espécie de exame imunológico, para saber sobre anticorpos que possam provocar
alguma incapacidade de seus espermatozoides, e também um espermograma. Mas eu
aconselho você a trazer Lana aqui para que ela se submeta a uma laparoscopia.
Eu sei que é um exame mais doloroso, mas não é aconselhável que apenas um dos
cônjuges venha até aqui para saber sobre esse tipo de coisa. O certo seria
tê-los aqui.
-O problema é
como convencê-la, doutor. Mas eu peço, mesmo assim, que faça esses exames
comigo.
-Tudo bem.
Assim que eu marcar, eu vou chamá-lo.
XXXXX
Otaviano
aproveita que Ana Maria está no banho e que Betina e Igor estão brincando no
jardim com Sônia. Ele entra em seu próprio quarto, percebe que a esposa deixou
seu celular sobre a mesa de cabeceira e percebe que o aparelho está no modo
“normal”. Logo, ele trata de desligá-lo e tira o seu chip. Ele se dá conta de
que o seu celular está em seu bolso e faz o mesmo. Coloca ambos dentro de sua
maleta e vai até o quarto da governanta, onde os meninos dormem em colchonetes.
Tendo muito
cuidado para não ser visto, ele trata de colocar os aparelhos em meio às roupas
velhas de Yuri que Igor usa. As roupas estão guardadas numa gaveta que fica ao
lado da cama de Sônia. Ao fechar com cuidado para não fazer barulho, não
percebe que Geraldo vem se aproximando e repara na cautela com a qual sai do
recinto. O motorista entra no local e não nota nada de diferente.
-Por que o
Dr. Otaviano entrou aqui?
XXXXX
O telefone da
casa de Jandir toca. O mecânico está com a barba por fazer, com uma camisa
branca surrada.
-Alô?
-Hoje é o dia
em que você vai conseguir ter seus filhos de volta.
-Quem está
falando?
-Vá hoje à
noite para a mansão. Ana Maria vai ter um bom motivo para expulsar seus filhos
da casa dela. E fique tranquilo, Jandir. O Conselho Tutelar sequer será
chamado. Minha esposa vai fazer questão de devolver seus filhos antes que você
peça mais uma vez. Saiba agir com amor. Comova a todos- o telefone é desligado.
-O que é que
esse desgraçado vai fazer pra tirar os meninos de lá?
XXXXX
Igor, Ana
Maria, Betina e Yuri estão à mesa de jantar. São servidos pelas empregadas, a
mando de Sônia. Geraldo entra e decide falar com a governanta.
-Boa noite a
todos.
-Boa noite-
todos respondem, menos Yuri.
-Aceita
jantar com a gente, Geraldo?- Ana Maria faz o convite.
-Não,
obrigado, senhora. O Dr. Otaviano nunca ia deixar que...
-Pode parar
de se preocupar com ele. Não está à mesa.
-Ele pediu
que eu levasse o jantar para o quarto, Geraldo- explica Sônia- Disse que estava
com enxaqueca.
-Senta de uma
vez, cara- aconselha Yuri- Você ficou livre das humilhações do Otaviano, pelo
menos até as próximas horas.
-Não, não,
Yuri. Eu só vim mesmo falar com a Sônia.
-Quando as
meninas terminarem de servir a todos, nós podemos falar na cozinha.
-Mãe, você falou
com alguém do tal conselho sobre esses meninos?
-Falei com
uma moça que foi recomendada pelo Frederico. Ela disse que tinha que ouvir
também a versão que daria o pai dos meninos. Mas bateu na porta dele nesses
dias e nada de atender.
-Vai ver ele
estava bebendo. Só isso que o meu pai faz mesmo.
-Pelo menos você
tem alguém pra chamar de pai, cara- lamenta-se Yuri.
-Você também
tem.
-Um que é tão
pouca coisa quanto o seu.
-Yuri, não
provoca o Igor.
-Engraçado...
Depois de tudo o que ele fez, parece que a senhora passa a mão na cabeça dele
ainda.
-Nem na dele,
e muito menos na sua. Eu estou cansada de saber que descobrir sobre a nossa
situação financeira foi um golpe duro pra você. Mas isso não justifica sua
agressividade nos últimos dias.
-Reclama com
o seu marido, então.
-Não briga
com a tia Ana- pede Betina.
-Chega desse
assunto. Vamos comer em paz, meu filho?
-Se tem que
ser assim...
-É assim!-
Igor a defende- Todo mundo está com medo, achando que vai perder o emprego, que
vai perder dinheiro. Mas você tem uma mãe que pensa em você, que se preocupa.
-Por que está
me dizendo isso? Porque não tem mais a sua?- provoca.
A luz da casa
se apaga.
-O que está
acontecendo?- Ana Maria se assusta.
-Pega uma
vela na cozinha, Geraldo- pede Sônia.
-Já vou.
Otaviano
segura uma vela e vem à cozinha.
-Ana Maria,
onde está seu celular?
-Pra quê você
o quer?
-Como pra
quê? Pra ligar pra companhia elétrica, eu não posso trabalhar sem energia.
Perdi arquivos importantes com essa queda.
-Por que você
não usa o seu, Otaviano?
-Porque eu
estou procurando o meu celular o dia inteiro e não faço ideia de onde ele está.
-Ah, meu
querido, eu também não vi o meu o dia inteiro. Eu jurava que o tinha deixado no
quarto antes de tomar banho.
-Se a senhora
perdeu, eu vou ligar pra ver se ele toca- sugere Yuri, que tira o seu do bolso
e procura o número de Ana Maria na agenda- Ele estava no silencioso?
-Não, eu
nunca o deixo no silencioso.
-Bom, aqui
diz que está fora de área, mãe. E o meu está com pouca bateria, não vai dar pra
ligar pra empresa da luz.
-Será que nós
fomos roubados?
-Ah, não
viaja, Otaviano! Quem ia roubar o celular da mamãe?
-E o meu
também. Tenta ligar pro meu, meu filho.
-Tenta pela
audição. Se você estava trabalhando para a empresa, algum acionista vai ligar
pro senhor e ele vai tocar, vai ver trazendo mais notícia ruim. Não é?
A luz volta
rapidamente.
-Pronto. Vai
ver agora a gente consegue jantar em paz.
-Não, Yuri.
Eu quero o meu celular, e o da sua mãe também.
-Depois eu
procuro o meu, Otaviano. Assim que eu terminar de jantar...
-Eu não vou
esperar sua boa vontade pra isso...
-Mas qual é o
teu problema, hein? Manda um e-mail pra alguém da empresa, vai ver você perdeu
lá, ué!
-Não, meu
filho, eu tenho certeza de que eu o usei de manhã aqui.
-Certo, pai.
Onde você acha que ele está?
-Não sei, mas
talvez se perguntássemos a esses pivetes de rua, eles saberiam responder.
-Olha aqui,
eu não vou admitir que você os ofenda dessa maneira- Ana Maria se levanta da
mesa.
-Como pode dar
tanta confiança a eles?
-Dr.
Otaviano, eu cuidei desses meninos o dia inteiro. Eles nunca roubaram nada.
-Sônia, não
seja mais ingênua do que já é. Eles podem ter aproveitado um momento de
distração pra roubar nossos celulares. E se eles vendem, sabe-se lá o que eles
podem fazer com o dinheiro. Quem sabe até comprar droga, Ana Maria?
-Já chega! O
que você pretende com isso? Acabar com a confiança que eu tenho em Betina e
Igor?
-Vasculha o
quarto onde eles estão dormindo. Aposto que eles guardaram lá, se é que não
deram fim nos dois celulares.
-Eu não vou
compactuar com esse espetáculo ridículo em que você atua.
-Não vai você?
Vou eu, então- vai ao quarto de Sônia.
-Otaviano,
volta aqui- Ana Maria corre atrás do marido- Não faça isso, você está enganado-
Yuri, Igor e Betina vão atrás dos donos da casa.
-Não é
possível, Geraldo. Eles não roubaram nada, eu sei disso.
-Eu também
sei, Sônia- vai atrás dos outros.
-Geraldo!
Geraldo!- segue o motorista da mansão.
-Otaviano,
para com essa estupidez, por favor- diz, enquanto o marido olha debaixo do
colchão e da cama.
-Você pensa
que esses garotos são de confiança, não é? Mas eu não acredito nem um pouco na
inocência deles!- abre as gavetas de Sônia, vasculhando primeiro as roupas da
governanta.
-Me diz uma
coisa; quanto você cobra pra fazer outro show desses?- Yuri fica atiçando a ira
do pai- Pelo que eu estou vendo, ninguém vai jantar hoje. Parece que o poderoso
Otaviano Melo Passos decidiu começar a greve de fome antes de ser expulso de
casa com a mulher e o filho.
-Duvida, não
é, moleque? Então me explica isso aqui- coloca na cara de Yuri o celular que
estava em meio às coisas de Igor- E esse, então? Como é que vieram parar no
quarto?
-O que
significa isso, Otaviano?
-Significa
que se a Sônia não roubou nada, Ana Maria, esses garotos passaram a mão nos
nossos celulares. Agora me diz, Ana Maria: como eu posso morar na mesma casa
que dois ladrões?
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