-Como é
possível? Eu assinei o contrato ontem. O Humberto foi à minha casa para selar o
compromisso. Ela não pode ter dado um desfalque na gravadora. Não pode!
-Dr.
Otaviano, nós queremos explicar...
-Isso o que
quero: explicação. Talvez vocês não tenham a informação precisa, não checaram
pra saber se isso é um boato...
-O próprio
Humberto confirmou, senhor.
-Como ele
confirmou? Vocês acham que ele diria se estivesse nos dando um golpe? Que
provas vocês têm de que foi ele? Aliás... Que provas vocês têm de que sofremos
um golpe?
-O nosso
economista acaba de conferir as contas da empresa. Não há dinheiro disponível.
Sumiu, como num passe de mágica. Até ontem, as contas estavam em ordem. Mas
desde hoje cedo que a gravadora não dispõe de capital.
-Nós já
chamamos a polícia, Dr. Otaviano. Humberto saiu do hotel onde estava hospedado
sem levar seus pertences. Desapareceu, e não temos sequer uma única pista que
possa nos levar a ele.
-Talvez se
nós falássemos com alguém do escritório da “TimBRe” nos Estados Unidos...
-Sem registro
de chegada ao território americano. Se ele desembarcou, foi com outra identidade.
Quem sabe se até disfarçado?
-Mas... –
começa a assimilar a questão- O que vocês queriam dizer com “o próprio Humberto
confirmou”? Como assim?
-Foi
encontrado, na entrada da gravadora, um DVD, endereçado ao senhor. A segurança
decidiu assistir e... Nos trouxe- um dos acionistas levanta e põe o DVD para
ser reproduzido. Todos o veem sem acreditar naquela situação.
-Primeiramente,
eu gostaria de desejar um bom dia aos acionistas da “TimBre”. O que é óbvio,
porque vocês realmente vão precisar de um bom dia pra encarar tudo o que está
acontecendo. Quando estiverem vendo isso, já saberão que a empresa sofreu um
desfalque. Esse desfalque foi dado por mim, Humberto Meirelles, que recolhi a
assinatura de vocês. Acho muito curioso que, com tanta experiência, vocês
assinem um contrato sem ler. Podem ligar para os artistas que estão na falsa
lista de contratações. Eles dirão que jamais tiveram qualquer contato com a
gravadora. E não adianta darem meu nome à polícia. Humberto Meirelles é só uma
alcunha, como tantas outras que eu poderei usar gastando o dinheiro de vocês.
Foi um prazer acabar com vocês. Um abraço de um homem que nunca vão descobrir a
verdadeira identidade...
-O que vamos
fazer agora, Dr. Otaviano?
-Saiam. Me
deixem sozinho. Eu preciso ficar aqui.
-Nós temos
que arrumar uma solução... – argumenta outro acionista, enquanto Otaviano se
aproxima da televisão.
-O senhor tem
que falar com a Ana Maria. Ela é dona de ações também...
-Saiam!-
derruba o aparelho televisor- Vocês não ouviram? Eu quero ficar sozinho! Me
deixem aqui- joga alguns dos papeis nos acionistas- Deem o fora daqui! Agora!
-Venha. Deixe
o Dr. Otaviano- um aconselha aos outros.
-Não pode
ser... – pega uma bebida e toma descontroladamente- Não pode ser. Ele não pode
ter feito isso comigo. Não com a minha empresa... Não como o meu dinheiro!
-A justiça
tarda, mas não falha, Otaviano.
-Dalton?
-Mesmo depois
da minha morte, eu não poderia estar mais feliz. E mais uma vez, eu tenho a
felicidade de repetir: foi um prazer ter destruído você.
-Desgraçado!-
joga o copo de bebida contra a imagem, que logo desaparece- Velho desgraçado!
Maldito! Eu fiz essa empresa crescer, eu fiz prosperar! Você não vai me vencer,
infeliz! Ninguém vai! Ninguém!- joga as cadeiras no chão- Ninguém!- cai aos
prantos no chão.
XXXXX
A diretora da
escola em que Betina e Igor estudam olha para o relógio, que marca quatorze
horas e vinte minutos. Decide ligar para a casa da família Antunes, e ninguém
atende.
-Meninos,
liguei pra casa de vocês. Nem seu pai nem sua mãe atendem.
-Liga pro
celular dela- pede Betina.
-Daqui a
gente vai pra casa. Acho que dá pra ir- garante Igor.
-De jeito
nenhum. A mãe de vocês fica nervosa quando vocês vão pra casa sem ela. E ela me
passou ordem: ou vocês vão com ela ou com seu Jandir. Eu vou ligar pro celular
dela.
Rosane está
na rua e atende o aparelho.
-É da
escola... Alô?
-Dona Rosane,
aqui é da diretoria do colégio.
-O que foi
que houve?
-É que o Igor
e a Betina ainda estão aqui.
-Por
quê? Passaram mal?
-Nenhum dos
dois veio buscar eles, nem a senhora e nem o seu marido.
-Mas eu pedi
pro Jandir... Deixa, eu estou saindo da casa de uma patroa e vou pegar os dois.
Obrigada por ter ligado.
-Tudo bem.
Até mais- desliga o telefone- pronto, a mãe de vocês já, já vem pra cá.
-Deve estar
enchendo a cara de cana de novo. Mas hoje ele vai me ouvir. Ele faz o que
quiser da vida dele, mas com os meus filhos ele vai ser responsável- toma um
ônibus lotado.
XXXXX
Frederico
está assistindo à televisão da ONG que preside com sua esposa e atenta para o
noticiário.
-E uma última
notícia: os usuários de drogas da região próxima ao Terminal Integrado de
Passageiros estão se afastando do local. Depois da denúncia feita ontem em um
de nossos telejornais, os dependentes químicos não continuam utilizando a praça
como ponto de consumo de substâncias ilícitas. Segundo pessoas que moram nas
proximidades da região, os traficantes aconselharam esses meninos de rua a
circularem por outros pontos da cidade para que a polícia não efetue prisões
relacionadas ao porte e à venda de entorpecentes. O “Jornal da Metrópole” fica
por aqui. Assista agora ao programa “Campo Livre”. Uma boa tarde pra você.
Lana chega ao
local e acompanha parte da reportagem.
-Você viu? Só
foi o tempo de você ir lá que eles fugiram. Muitos, assim como eles, não querem
ajuda.
-Mas a gente
tem que ajudar. Não posso simplesmente desistir desses meninos. Eles precisam
de um lugar como esses, de pessoas dispostas a fazê-los mudar de vida.
-Sabe que eu
tenho uma curiosidade, Lana? De saber o que seria da minha vida se eu não
tivesse te conhecido, apesar daquelas circunstâncias?
-Por favor,
Frederico, eu não quero lembrar disso.
-Bom, vou
insistir com o Otaviano.
-Onde você
vai?
-Ao
escritório da “TimBRe”. Eu tenho que ver esse homem, de qualquer maneira.
XXXXX
Rosane deixa
os filhos em casa.
-Cadê meu
pai?- pergunta Betina.
-Deve estar
trabalhando, minha filha. Eu vou buscar ele na oficina. Igor, vem cá- o garoto
se aproxima- Olha, meu filho, quero pedir pra você cuidar da sua irmã quando eu
não estiver...
-Ele foi
beber. Você sabe que ele está bebendo e que é por causa dos seus pesadelos. Não
vai atrás dele, mãe- abraça-lhe, chorando.
-Igor, eu
tenho que resolver a minha vida. E o seu pai tem que entender isso.
-Não vai
embora, mãe.
-Daqui a
pouco eu volto pra cuidar de você. E você já tem doze anos, já vem crescendo,
pode ficar sozinho com a sua irmã.
-Você não vai
voltar. Eu sei. Vai acontecer alguma coisa. Não entra no carro pra procurar o
meu pai. Fica com a gente em casa.
-Para de
chorar como se fosse pequeno! Eu já venho, eu prometo. Não deixa a sua irmã
nervosa.
-Mãe...
-Me deixa
sair, Igor. Eu tenho que ir atrás do seu pai. Tchau, minha filha- beija a
cabeça de Betina.
-Beijo, mãe.
-Não abre a
porta pra ninguém.
-Te amo, mãe-
declara Igor.
-Eu também. Cuidado,
hein?- fecha a porta e entra num carro antigo que está na porta da casa.
-Por que você
está chorando?
-Nada, não-
Igor abraça a irmã- daqui a pouco eu melhoro. Eu vou cuidar de você, Betina. Eu
vou cuidar de você- esta é a promessa de quem sabe quem vai perder em breve.
XXXXX
Rosane dirige
o carro, agora acompanhada de Jandir.
-Por que você
pegou o meu carro?
-Queria o
quê? Dirigir bêbado? Fui e voltei de ônibus do trabalho porque ia fazer um
serviço. Receber o pagamento de uma mulher, a que eu te falei ontem. Não usei o
carro porque você ia precisar.
-E eu fui.
-A pé. A pé
porque você podia bater. Você pegou o dinheiro e fez o quê? Gastou em cerveja.
Gastou sabendo que se não fosse eu, Betina e Igor ia chegar em casa e ver a
geladeira vazia. Nem chegar em casa, porque se dependesse de você, eles iam
ficar trancados na escola até a hora que eu chegasse.
-Minha nossa,
esqueci dos meninos...
-A diretora
ligou pedindo pra eu ir buscar. Sai desesperada, feito uma louca, mas deixei os
dois em casa e vim te buscar. Se desmaiasse de fome todo mundo, você não
estaria nem aí. Não é você que se ferra pra sustentar uma casa.
-Como é que
não? Todo dia eu vou pra oficina fazer o quê? Turismo?
-Deve ser. Você
entra lá e não passa nem quinze minutos.
-Já acabou o
sermão?
-Não. Não
acabei, não. Quando é que você tomar jeito e parar de prejudicar minha família?
-Claro, sua
família. Porque eu não sou nada pra você. nunca fui. Depois vem me perguntar
por que eu bebo tanto.
-Você bebe
porque é fraco. Outro no seu lugar já tinha parado de dar tanto desgosto pros
outros. Eu não casei com esse traste que você é. Casei com outro homem. Mais
amoroso, mais romântico, que me ajudou a seguir em frente. Com você, que é um
vagabundo imprestável, não!
-Adiantou de
quê? Você não me procura na cama, não me procura nem pra conversar. Agora pra
me cobrar é num instante. O tempo todo. Mas se não fosse o meu amor por você,
essa droga de família nem ia existir. Se fosse hoje em dia, você ia morar com o
Otaviano...
-Não fala no
nome dele!
-Falo, sim! Você
ia lutar pra sustentar não só sua mãe, mas esse vagabundo, que ia arranjar
qualquer piranha que tivesse mais dinheiro do que você e encher sua cabeça de
chifre! Quando ele chegasse do trabalho, sabe o que é que ele ia fazer? Comer você
de porrada, enquanto você lavasse a roupa dele. Dele, da sua mãe e dos filhos
dele. Não é tão bom que você sonha com ele toda noite? Procura o Otaviano e
leva pra casa.
-Não dá
ideia, não, Jandir. Do jeito que eu estou, é capaz disso mesmo.
-Mas é
lógico. Mais ou menos como se eu fosse um cafetão, e tendo que passar a piranha
que mora na minha casa pra outro. A sorte que você tem é que eu não mandei pro
inferno porque os meus filhos precisam de uma mãe.
-Eles
precisam é de um pai mesmo, Jandir. Um pai que não seja você. Só tenho pena da
Betina, porque você é o homem que ela conhece de pai. Mas o Igor...
-O que é que
tem o Igor? É meu filho como ela!
-Não é. O
Igor é especial. Mais do que a Betina. Eu amo minha filha, dou minha vida pela
felicidade dos dois, mas Igor é mais especial. É filho do único homem que eu
amei.
-Você está
mentindo. Você quer me irritar contando essa mentira. O Igor é meu filho. Eu
sei que é meu filho.
-Eu errei de
dar pra Betina um pai como você. Mas com o Igor não. Eu sempre amei ele mais do
que a minha filha, porque nela eu via você. Nela eu sentia seu cheiro de bebida,
seu pouco caso com a gente. O Otaviano não era boa coisa também, não, mas ele
soube me satisfazer na cama. A mulher dele deve ser feliz até hoje com um homem
daquele todo dia na cama dela.
-Por que você
está fazendo isso comigo, Rosane? Eu amo o Igor... Eu amo o meu filho! Como é
que você tem capacidade de inventar essa estória?
-Você ama um
enteado, um enjeitado. O Igor não é nada seu, e nunca vai ser. Eu devia ser
amante do Otaviano porque, pelo menos, eu ia dar uma vida boa pros meus filhos
e não ter que dormir com um desgraçado feito você. Quer que eu conte como foi
que o Otaviano fez o Igor comigo?
-Para!-
grita, aos prantos, tampando os ouvidos.
-Foi uma
briga de ciúmes. Ele me espancou e me
fez dele, no chão do meu quarto. O mesmo quarto que eu durmo com você tem doze
anos! E no dia do parto, eu fui até a igreja pedir pra ele não casar por causa
do Igor. Ele me trocou pela nojenta da patroa dele. Mas vai ver se ele vai
resistir se eu procurar ele agora.
O carro de
Otaviano vem na contramão. Rosane não segura o volante e ao ver o rosto do
homem que tanto ama, não controla a direção do veículo.
-Cuidado!- o
empresário grita e Rosane desvia seu carro, jogando-o na beira de uma
ribanceira.
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