Otaviano para
o seu automóvel e desce. Ele atravessa a rua para conseguir ver alguma coisa,
mas não vê nada, além do carro pendurado. Aproxima-se mais um pouco e se assusta
ao ver Rosane com o rosto ferido. Apavorado, volta para o seu carro e segue em
direção à empresa, dando meia-volta. Jandir sai do carro ileso, soltando-se do
cinto de segurança, e abre a porta.
A primeira
reação do mecânico é o seu olhar desesperado, querendo socorro, esperando que
alguém venha ajudar a si e à sua mulher.
-Rosane? Rosane,
fala comigo! Acorda, Rosane!
-Eu amo o
Otaviano- começa a delirar- É com ele que eu vou viver- isso faz com que Jandir
se afaste dela- Eu, ele, a Betina e o Igor... O meu filho com o Otaviano.
Atordoado,
tira a camisa, colocando-a atrás do carro.
-Com ele você
não vai morar. Antes, eu acabo com a tua raça. Vagabunda...
Ele coloca as
mãos sobre a camisa e empurra o carro, que despenca na ribanceira. Assim que o veículo
vai caminhando, Rosane acorda e suplica por socorro, mesmo acreditando que o
marido tenha sido capaz de matá-la. Ela o vê pelo retrovisor e ele pelo vidro
do carro; mesmo assim, não consegue sentir arrependimento.
E assim segue
até o momento em que o automóvel capota até cair num lago. Choroso, Jandir
recolhe sua camisa e a veste, indo embora dali a passos lentos. Completamente
inconformado, tem plena consciência do que acaba de fazer. Mas não sabe que
naquele momento, Igor sabe que a mãe dele o deixou e sente uma dor no peito.
Para não preocupar Betina, ele se afasta da irmã, mas agora tem certeza de sua
perda.
XXXXX
Otaviano
volta à gravadora e encontra Frederico.
-Dr.
Otaviano?
-Frederico? O
que está fazendo aqui? Havia marcado alguma coisa comigo?
-Não, eu vim
mais cedo e o senhor não tinha chegado.
-Me desculpe.
Eu tive um contratempo na minha casa.
-Alguma coisa
grave?
-Não mais
grave do que a que eu encontrei aqui...
-Se quiser,
eu volto numa outra hora.
-Não. Façamos
o seguinte: é realmente muito urgente o que tem a me dizer?
-Pode ter
certeza de que eu não o incomodaria se não fosse muito importante mesmo.
-Então, que
tal se nós marcássemos, para hoje, um jantar em minha casa?
-Ótima ideia.
Posso levar a minha esposa?
-Claro. Sem
problema. Eu vou pedir à minha governanta que reserve dois lugares para vocês.
-Está bem,
então. Nos veremos à noite.
-Estarei
esperando- cumprimenta-lhe e entra em sua sala, a seguir. Vê tudo quebrado e se
lembra do trágico acidente no qual acabou de se envolver- Será que era a Rosane
naquele carro? Será que eu finalmente tirei essa mulher do meu caminho? Logo
agora que eu posso perder tudo o que eu consegui?
XXXXX
Jandir volta
para casa, quase ao pôr do sol.
-Onde é que
está minha mãe?- logo pergunta Betina.
-Não sei. Não
veio comigo- a menina sai correndo por que percebe o cheiro de bebida alcoólica
que seu pai consumiu. Igor aparece na sala e é visto pelo mecânico com muito
desprezo- Sabe fazer café? Então faz um bem forte pra mim, porque eu estou
precisando.
-Cadê minha
mãe?- pergunta, em lágrimas.
-Sua irmã
perguntou a mesma coisa. Por que vocês acham que eu sou moleque de recado da
Rosane, a boazinha da dona Rosane? Sei, não, aonde ela foi. Quando ela chegar,
você pergunta. Não vi a cara dela o dia todo- percebe que o garoto apresenta
uma feição mais sombria- Por que você está me olhando desse jeito?
-Vai dizer
que não sabe?- confronta-lhe, fazendo com que Jandir segure seu corpo.
-Sei do quê,
garoto? Vai fazer meu café, se não quiser levar uma surra. Some da minha vista,
vai!
Igor obedece
ao pai, mas sabe que ele tem culpa. No quê exatamente, não sabe, mas tem
certeza de que a ausência de sua mãe tem o envolvimento de Jandir. Certeza essa
que ele não sabe explicar.
XXXXX
Otaviano
recebe Lana e Frederico em sua casa, mais precisamente em seu escritório.
-Por favor,
acomodem-se. A Sônia já está providenciando o jantar. Fiquem à vontade.
-É melhor
adiantarmos o assunto, não é, Fred? Irmos direto ao assunto. Dr. Otaviano, nós
temos plena consciência de que a divulgação da nossa ONG em muitos dos discos
da gravadora “TimBRe” tem levado jovens a se tratarem e a se livrarem das drogas.
-Hum, sei...
-O que
acontece, Dr. Otaviano, é que muito dinheiro vindo das doações que recebemos
não tem gerado o suficiente para mantermos a ONG- esclarece Frederico.
-Quanto tempo
faz isso?
-Três meses.
-Frederico,
desculpe, mas... Eu não entendo o motivo da visita de vocês. Vocês são um casal
que faz parte da high society. Podem
muito bem captar recursos que...
-Decidimos
apelar para o seu convívio social. Como o senhor é o nosso maior colaborador,
acreditamos que talvez o senhor...
-Possa fazer
uma doação.
-Desculpem,
eu acho que eu não entendi. Uma doação?
-Como o
senhor fazia nos primeiros anos, em que o nosso projeto social ainda não era
amplamente divulgado- Lana tenta convencer o empresário.
-Eu vou ter
que pedir desculpas, mas não vou poder colaborar com a obra de vocês.
-Como não? Eu
não estou entendendo.
-Ah, não?
Pois eu faço questão de explicar para a senhora: a ONG de vocês é a maior
referência em recuperação de drogados...
-Dependentes
químicos- Frederico tenta corrigi-lo.
-Drogados! É
isso que eles são! Drogados! O que vocês pensam? Que eu vou envolver a minha
gravadora nisso? Todo mundo sabe que essa maldita ONG recebe diversas doações,
grandes quantias anuais. Agora decidiram tirar dinheiro de mim? Eu só suspendi as doações que eu fazia porque
eu achava que se eu apenas divulgasse a marca, a “TimBRe” carimbaria um
prestígio de que ela desfruta há muito tempo. Mas eu não estou interessado em
defender a causa de meninos de rua, de vândalos, de trombadinhas que assaltam
por causa de uma porcaria de pedra ou de um cigarro. Eles não lutam tanto pra
cheirar pó? Pois eu não me importaria se eles fossem reduzidos a pó!
-Como é que o
senhor tem coragem de falar assim? Já imaginou se uma coisa dessas acontece com
um dos seus? Com o seu filho adolescente?- supõe Frederico.
-Meu filho? O
Yuri? O dinheiro que ele tem é suficiente pra ele se ocupar com outras
diversões. Fazer um intercâmbio nos Estados Unidos, conhecer a Inglaterra,
passear na Disney, se encantar por Lisboa... Meu filho é de uma família rica!
Ele não se envolveria com essas coisas porque eu dou a ele tudo o que ele
precisa pra não consumir drogas.
-Como se só o
dinheiro fosse o suficiente. Do jeito que o senhor fala, até parece que o
senhor não dá amor. Pelo visto nem sabe o que é o amor também- provoca Lana.
-Eu não
consigo acreditar que o senhor seja tão preconceituoso assim...
Sônia, Ana
Maria e Yuri escutam tudo da sala.
-O que está
rolando lá dentro?
-Seu
Otaviano! Estou ouvindo os gritos de lá do escritório.
-Meu marido?
Com quem ele está?- Ana Maria e os outros correm pra saber.
-O senhor
pode pelo menos me dar uma razão pra não ajudar a minha ONG?
-Certo! Você
quer uma razão? Você está dentro da minha casa e exige uma razão?
-Por favor,
não se exalte, Dr. Otaviano.
-Eu estou
pobre! Eu estou na miséria! Eu levei um golpe e a minha família toda vai ficar
na escória! A minha empresa vai decretar falência! Satisfeitos agora? É por
isso que eu que não ajudo! É porque que eu não posso ajudar essa ONG de... – vê
que a governanta e sua família já estão no escritório.
-É verdade o que
você está dizendo? Você acabou com a minha empresa? Com a empresa do meu pai,
Otaviano? Como você pôde?
XXXXX
Batem na porta
da casa de Jandir. O mecânico se assusta, mas se levanta do sofá pra ver quem
é. Trata-se do mecânico que com ele trabalha, Homero.
-O que foi?
-A polícia
bateu na oficina.
-A polícia?-
fica nervoso- Por quê?
-Jandir, você
vai ter que ser forte pra aguentar.
-Fala de uma
vez. O que a polícia foi fazer lá?
-Encontraram
um carro destruído num lago. Acharam a carteira de motorista. Era da Rosane.
-Minha
mulher... Ela... Foi pro hospital? Onde ela está?
A negativa do
rapaz é o suficiente pra que o desespero tome conta do coração de Igor.
-Ela morreu!
Eu quero ver minha mãe! Me leva pra ver a minha mãe, por favor!- segura-se ao
pai- Eu sabia que ela não ia voltar pra casa!
-Calma,
Igor... - chora de culpa
-Mãe, por
quê? Volta pra casa! Volta pra mim, mãe! Volta! Volta! Não...
Os gritos de
Igor acordam Betina, que sai do quarto para ver o que está acontecendo. Sem
nada entender, ela recebe um abraço emocionado do irmão.
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