27/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 27

-Agora você pensa na sua mãe! Sempre pensou nela! Sempre gostou mais dela, mas nunca poupou a mim dos seus comentários, do seu deboche, do seu desprezo. Mas isso vai acabar agora, e eu não me importo de ir pra cadeia, porque eu não vou deixar você manchar o meu nome! Está ouvindo?
-Acaba com ele, Otaviano!- o rapaz de preto aparece novamente, perto da janela- Acaba com esse moleque. Vão ser três mortes nas suas costas: a do Dalton, a da Rosane e a dele. Mata esse garoto sem piedade nem remorso, não perca essa chance!
-Cala essa boca!- Otaviano grita, e o adolescente não entende porque ele falou isso.
-Solta o Yuri!- Sônia agarra o patrão e Igor entra no quarto, segurando o garoto.
-Me larga! Me solta, empregada maldita! Eu não vou deixar ele vivo! Esse drogado tem que morrer!
-É seu filho!
-Porque foi um erro do destino! Eu dei meu amor pra ele torrar tudo com drogas! Dessa casa, você não leva nada! E eu vou dar um jeito de mexer no seu dinheiro pra salvar a gravadora!
-Na minha grana, você não toca!
-Ah, não! Duvida se eu não vou! Cansei de você me desafiando, da sua mãe defendendo tudo o que você faz ou deixa de fazer. Mas agora acabou. Você não vai tirar nem mais um só centavo dessa mansão.
-Claro, não é?- se solta do meio-irmão- Já deve estar contando moedinha aqui em casa. Já que é pra mandar a real, eu vou falar: ia gostar muito se você tivesse morrido mesmo... – é interrompido por diversas bofetadas que o pai dá em seu rosto.
-Quem queria te ver morto agora era eu. Anos e anos dando do bom e do melhor, pra você se tornar um marginal da pior espécie, que rouba a própria família, que vende o seu melhor presente em troca de cigarros e pedras de crack, e sabe lá quantos entorpecentes.
-Você não vai me impedir. A vida é minha, e eu faço com ela o que eu bem quiser.
-Seu Otaviano tem razão, Yuri. Você não pode continuar desse jeito. Tem que procurar ajuda, e a gente quer te ajudar também.
-O que é, Igor? Não ficou feliz de puxar o saco da minha mãe e quer puxar o dele também? Eu sei o que eu faço da minha vida.
-Não dê esse desgosto pros seus pais, Yuri...
-Desgosto foi ter apanhado dele, Sônia. Nunca ele encostou a mão em mim. Vai ver porque ele não tinha tempo. Nem pra ser pai- apanha a corrente que havia deixado cair- Pode ficar tranquilo: eu não volto mais pra sua casa- vai até a porta do quarto- Ah, tem mais uma coisa. Toca sua vida. Você não precisa de mim. Nunca precisou.
-Fora daqui.
O garoto sai de casa. Sônia ficou inconformada.
-Mas como é que o senhor pode deixar ele sair desse jeito? Ele não está bem, vai acabar fazendo alguma besteira...
-Antes ele do que eu!- interrompe, com fúria- Agora saia daqui. Saia e leve esse ladrão com você.
-Eu não sou ladrão...
-Não discuta comigo! Quer que eu te dê a lição que ele acabou de levar, quer?
-O senhor não é meu pai pra fazer isso!
-Mas sou o dono dessa casa! Você e sua querida Ana Maria vão ter de me aturar!
-Vem, Igor. Vamos embora.
-Eu não vou me dar por vencido. Nem que eu tenha eu perder a minha família, eu não vou esmorecer. Vou me reerguer e acabar com a felicidade de todos eles.

XXXXX

Horas mais tarde, Ana Maria volta pra casa e entra no quarto de Yuri. Estranha o fato de ter encontrar muitas coisas reviradas, e algumas até mesmo quebradas. Vê que alguém está na varanda, sendo coberto pela cortina.
-Meu filho?
-Pensou que no estado em que ele está, ele seria capaz de bagunçar tudo? Não, Sana Maria. Esse quarto não é obra do seu filho, até porque ele fez coisa muito pior.
-Otaviano? O que você está fazendo aqui?
-Era de se esperar que você ficasse surpresa com a minha volta. Ah, meu amor, eu não poderia privar você da minha presença.
-O que você fez com o meu filho?
-Você sabia que ele tem dormido na rua nos últimos dias? E que tem usado drogas também? Sua segunda mãe, a Sônia, não te contou que ele passou como um furacão e roubou a corrente pra vender por entorpecentes?
-Não, o Yuri... O Yuri não pode ter feito isso... Você está mentindo pra me desestabilizar.
-A última coisa com a qual estou preocupado é com você, Ana Maria. Aceita que dói menos. Seu filho é um dependente químico, e além disso, faz expediente como marginal.
-Eu não admito que você se refira a eles nesse termos, está ouvindo?
-Tem razão. Me desculpe. Esqueci que marginal sempre acaba parando na cadeia. O que não é o caso dele, já que eu o tirei daqui. Eu o expulsei. O pus na rua, onde ele tem que ficar!
-Se você sabe do real estado dele, por que não o segurou, Otaviano? Sabe a quê você expôs o Igor?
-Muito bem. Expus à vida que ele quer levar pra sujar meu nome. Eu tentei matá-lo. Sim, eu quase o sufoquei hoje à tarde.
-Você precisa de ajuda. Tanto quanto ele...
-Sabe que ainda não me bateu o arrependimento disso? Eu dei amor, mas não acho que seja um recurso inesgotável. Agora quero ver se ele vai retribuir esse amor que eu dei se livrando da dependência, e parando de trazer a vergonha ao meu nome. Pra isso, seu filho tem que parar de fingir que é um adulto e crescer. Ele vai ter que aprender, e não vou ser eu a pessoa a orientá-lo.
-Pelo visto, você voltou pra infernizar nossa vida. Até mesmo de um filho que você não sabe o paradeiro. Eu movo céus e terra pra polícia descobrir o paradeiro do Yuri e você o deixa escapar?
-Que cabimento teria pra você dar teto a um garoto que iria torrar tudo o que você tem?
-Ele é nosso filho!
-Não meu. Se ele continuar com esse comportamento, não vai ser. Eu vou pro meu quarto... Por favor, você peça à Sônia pra preparar a banheira pra mim, e o quarto de hóspedes pra você. Não creio que queira dormir comigo depois de tudo que aconteceu, embora eu não pretenda dar o divórcio.
-Melhor. Eu não quero ter forças pra terminar o que eu comecei há dias atrás. Eu só vou te dizer uma coisa, Otaviano: reze muito pra que o Yuri se recupere. Porque se ele morrer, a culpa vai ser sua. Com licença...
-Eu sinto falta do meu filho. Não desse delinquente.

SETE MESES DEPOIS...

No hospital, Frederico está muito nervoso, dando diversos passos pelo corredor. O obstetra aparece rapidamente.
-Como é que ela está, doutor?
-Não sabemos ainda como foi que isso aconteceu. A bolsa de sua esposa estourou dois meses antes do previsto. É um caso muito raro, o bebê pode até não nascer agora, mas precisamos controlar a pressão dela, que está muito alta.
-Doutor, ela estava sentindo fortes dores em casa, foi por isso que eu a trouxe aqui. Será que o bebê não vai nascer?
-Se nascer, nós precisaremos fazer uma cesariana. É muito arriscado pra vida dos dois fazer um parto normal.
-Tente salvá-los, doutor. É o que te peço. Que salve os dois.
-Sua mulher não veio fazer todos os exames, Frederico. Parecia que ela se descuidava da própria gravidez. Se o bebê tiver algum problema e nós não sabermos, pode ser tarde demais.

XXXXX

Uma audiência conta com a presença de Betina, Jandir, Ana Maria e Igor. A decisão se refere ao processo de guarda das crianças. O juiz lê a sentença.
-Tendo como base o depoimento tomado dos menores Igor Pinheiro Antunes e Betina Pinheiro Antunes, e o acompanhamento do comportamento de Ana Maria e Jandir, reclamantes da causa, declaro que a guarda dos menores devem ficar com a senhora Ana Maria Bittencourt Passos- a reação de surpresa do pai é imediata- por considerar que a mesma apresenta condições para obter a tutela do adolescente e da criança referidos.
-Não podem fazer isso! Eu sou o pai deles! A senhora não pode me separar da minha família! Isso é uma injustiça.
-Modere seu comportamento, Sr. Jandir. O senhor está num tribunal, participando de uma audiência, e não pode faltar com o respeito a nenhum dos que estão aqui. A sentença está definida. Peço que os senhores advogados e seus clientes se retirem. Caso encerrado- bate o martelo.
-Finalmente nós vamos ficar juntos, meninos- Ana Maria abraça Igor- Até que enfim.
-Eu sei que você orou pra isso- Igor diz à tutora.
-Orei, sim. Obrigada pela força que você tem me dado nesses meses sem o meu filho. Mas eu sei que ele vai voltar e a gente vai morar na mesma casa, todo mundo junto. E você, mocinha, eu quero te encher de beijos, e beijos e beijos- abraça Betina, quando Jandir os surpreende segurando o braço de Igor.
-Nem pense que os dois vão escapar de mim. Eu posso ter perdido hoje, mas ninguém sabe o dia de amanhã. Fica esperto, Igor. Vai ver você e sua irmã podem não se dar tão bem assim. Vocês testemunharam contra mim, mas eu não desisti de levar vocês. E vou fazer isso de um jeito ou de outro, ouviu?
-Pra fazer o quê? Pra matar a gente, como fez com a minha mãe?
-Você não sabe do que está falando- lacrimeja diante das palavras do menino.
-Sei, sim. Você acorda com culpa todo dia, dorme com ela, e quer colocar a gente no inferno em que você vive. Mas a gente tem a chance de ser feliz. Entende isso, Jandir. Deixa a gente em paz.
-Isso eu não vou fazer nem que me matem- afasta-se dos três.
-Ele disse o quê, Igor?- Betina se aproxima do irmão.
-Botou medo. Mas eu não tenho medo dele. Vamos pra casa.
-Sim. Agora é a nossa casa- Ana Maria não sé contém de tanta felicidade.

XXXXX

Yuri entra no hospital e encontra uma moça na recepção.
-Eu estou procurando uma pessoa.
-Quem é? Trabalha aqui?
-Não, é uma mulher chamada Lana. Disseram que ela foi ter um bebê aqui.
-Você é parente da Lana Esteves de Souza?- o obstetra ouve o diálogo.
-Sou... Sou sobrinho dela. O que foi que houve? O bebê nasceu?
O médico olha para o adolescente com bastante pesar.
-Sim, ele nasceu.
-Por que o senhor está assim? Eu posso ver os dois? O bebê e a Lana?
-Não. A Lana está sedada. Teve que fazer uma cesariana. Acredito que ela já esteja acordada, conversando com o marido.
-Se ele entrou, eu posso entrar também. Pelo menos pra ver o bebê.
-Infelizmente, não vai ser possível.
-Fala, doutor. O que foi que houve?

XXXXX

Lana está desacordada, e aos poucos, vai despertando. Olha para a janela do quarto, onde está Yuri chorando, do lado de fora. Segurando a mão da delinquente, está Frederico, que não nota a presença do menino.
-Fred? O que houve?
-Nosso bebê nasceu hoje, meu amor.
-Nasceu?- sorri, simulando felicidade- Que boa notícia, amor! Ele nasceu prematuro... Deve ser por isso que ele não está comigo. Deve estar na incubadora. Menino ou menina?
-Um menino. Pesou um quilo e meio. Nasceu bem fraco- a voz fica embargada.
-Um menino, do jeitinho que você queria. Por que você está chorando? É emoção de ser pai? Calma, meu amor- enxuga o rosto do marido com a mão direita- Daqui a pouco ele vai se recuperar, não vai? E a gente vai pra casa, começar uma nova vida...
-Lana...
-O que é, Fred? Cadê o nosso bebê?
-Nosso bebê, ele... Eu não consigo mais falar- levanta-se- Não posso.
-Foi pra incubadora? O estado dele é grave, é isso que você está me escondendo? Por favor, Frederico, não me mata de angústia! Cadê o nosso filho?
-Recolheram o nosso bebê... Pro...
-Pra onde?
-Pro Instituto Médico Legal. Nosso bebê não resistiu, Lana.
-Como assim “não resistiu”?- recusa-se a acreditar.

-Nosso filho morreu, Lana. Nasceu morto- Frederico vai ao chão de tanta tristeza, enquanto Lana continua em estado de choque e Yuri sente por não ter podido chamar o bebê de seu.

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