26/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 26

-O que você disse?
-Ele deve estar delirando, Frederico- Lana tenta disfarçar a partir da postura do adolescente- Deixa ele ir.
-Eu não posso, Lana. Yuri não está bem. Eu tenho que levá-lo até a Ana Maria. Vem comigo, Yuri- estende o braço.
-Não toca em mim! Você é ruim- começa a rir- Ruim como todos os outros.
-me deixa te ajudar, por favor. Você está dormindo na rua, se vê que não come há mais de uma semana... Não faz isso com você mesmo, cara. Todo mundo está preocupado com você...
-Todo mundo quem? A Ana Maria? Aquela assassina que matou o meu pai? Sai de perto de mim. Eu não volto pra casa mais nunca. Eu não quero morrer! Não quero- corre.
-Volta aqui, Yuri! Vem, Lana!
-Onde você vai?
-Entra no carro! A gente vai à delegacia agora! Vamos dizer que vimos o Yuri. Eles têm que avisar à mãe dele.
-Que insistência a sua de falar dessa mulher! Esse garoto está transtornado, Fred. Viveu dias difíceis. Não é pra se exigir que ele se comporte normalmente depois de ver a mãe esfaquear o próprio pai.
-Mas ele não pode continuar se drogando desse jeito. Ainda tem salvação. E a polícia já está atrás dele. Eu vou dizer que eu o vi aqui, junto com você.
-Já está tarde, meu amor. A gente nem faz ideia de onde procurar esse garoto, de onde ele possa ter ido, onde está dormindo...
-Não me deixa desistir, Lana. Eu preciso resgatar esse menino, e o que eu tiver que fazer, eu vou fazer pra conseguir.
-Eu não vou com você. Estou me sentindo muito enjoada. Acho melhor eu ir pra casa e você ir à delegacia. Me dá o dinheiro do táxi.
-De jeito nenhum. Eu não vou deixar você sozinha. E se te acontece alguma coisa?
-Mais preocupada do que já estou você vai me deixar se não resolver nada a respeito desse rapaz. Você tem razão, tem que procurar a polícia o quanto antes. Mas me deixa ir pra casa, me dá o dinheiro do táxi.
-Tudo bem- abre a carteira e lhe entrega uma nota de cinquenta reais- Eu ligo pra te informar, se eu tiver alguma novidade.
-Cuidado, meu amor. Não dirige rápido, vai com cuidado- Frederico entra no seu carro e vai até a delegacia. É a deixa perfeita para que Lana faça uma ligação por meio de seu próprio celular- Alô? O Yuri apareceu por aí? Se ele aparecer, manda ele ficar na casa, eu tenho que falar com ele. Não, não interessa o que eu vou conversar. Segura o moleque e não conta que eu liguei- ao desligar o celular, pega o táxi que havia sugerido ao marido.

XXXXX

Ana Maria e Betina são levadas por Igor até uma igreja evangélica.
-Por que você nos trouxe aqui, meu querido?
-Minha mãe sempre tinha vontade de entrar aqui- relembra a garota.
-Mas no final, sempre desistia. Sempre tive vontade de conhecer.
-Eu pensei que você ia nos levar pra dar uma volta, Igor.
-Eu disse que ia te trazer pra conversar com alguém que pode resolver o problema do Yuri. Quem melhor do que a pessoa que sabe resolver todos os problemas?
O pastor que ofereceu uma palavra a Otaviano no hospital está em seu púlpito, e pede a todos:
-Irmãos, fechem agora seus olhos. Esse é um momento de meditação e também de adoração. Adoração porque sabemos que, mesmo na maior das lutas, não somos desamparados. Acode-nos, Senhor, quando estão imersos na lama. Ouça a voz de nossos corações, não Seja indiferente diante de nossas súplicas. Olhe por esses irmãos, por Seus filhos que tanto pelejam sem deixar de crer na Tua unção, no poder de restauração que só Tu tens para derramar sobre nós. Olha por tantos que estão na rua, jogados, abandonados à própria sorte, por tantas famílias que vêm sendo destruídas pelo adversário dia após dia- Ana Maria se emociona com as palavras daquele homem, abrindo os olhos- Olha por nossos filhos que só podem ser protegidos pelo Teu olhar. Orienta os nossos filhos que são, antes de tudo, Teus, quando não estivermos por perto para orientá-los. Ilumina o coração deles e o nosso. Chegue ao íntimo, aonde não podemos chegar. Opera as Tuas maravilhas, que não sabemos explicar, mas conseguimos e queremos sentir, por meio da fé que depositamos somente a Ti.

XXXXX

Na casa que serve como ponto de consumo de drogas, Yuri está acompanhado de outros dependentes, até que Lana, caracterizada com rapaz novamente, trata de estalar os dedos para que os outros saiam da residência.
-Viu só? É como se eu fosse a dona deles. Se comportam como cachorrinhos, sabem me obedecer... Ao contrário de você.
-Escuta só, Lana...
-Não me chama de Lana, eu já falei- esbofeteia o adolescente- Eu já mandei você me chamar de “Porcelana” quando a gente estiver com os meninos por perto.
-Por que você fez isso?
-Pra você aprender a não me desafiar, e hoje você fez isso duas vezes.
-Quem você pensa que é pra encostar a mão em mim?
-Eu? Eu sou a mulher que está grávida de um filho seu, e que tem que mentir pro marido dela, dizendo que o filho é dele.
-Como se você tivesse se arrependido de esconder. Muito confortável pra você, mas pra mim, não! Por que você não me falou nada?
-Falar pra quê... Papai? Vai cuidar desse bebê também? É o Fred que quer esse filho, sempre quis, e eu vou dar esse filho pra ele criar, junto comigo.
-Você não pode estar falando sério... Era pra isso, então, que você dormia comigo, não é? Pra conseguir esse filho que seu marido não conseguia te dar! Não me afasta de você, Lana. Por favor, você é a única pessoa que eu tenho.
-Foi pra isso que eu vim aqui. Pra dizer que a gente tem que se afastar, pelo menos por um tempo.
-Não, eu não vou me afastar de você. Você gosta de mim. É a única pessoa que gosta de mim. Você não pode me trocar por aquele cara. Se você gostasse mesmo dele, não tinha me levado pra cama.
-Uma fraqueza minha, mas é um mal que eu pretendo reparar. Quanto a esse filho, ninguém vai saber quem é o pai. Eu não vou perder o meu casamento. Nem você a sua mãe. Agora inventa de falar pro Fred de novo que é seu filho, inventa. Você não vai poder defendê-la, porque antes disso, eu acabo com a sua vida.
-Quando você olhar pro bebê, é em mim que você vai pensar. Você pode passar o resto da vida contando essa mentira, mas ele é meu. De mais ninguém.
-O que você vai dizer? Que pode oferecer um bom futuro a essa criança? Que vai assumir a paternidade e me acusar de abuso, quando nós tínhamos plena consciência do que fazíamos? Que aos doze anos, tem capacidade de gerar uma criança e cuidar dela, sendo que sozinho nem se aguenta em pé de tanto pó que cheira? Você foi uma aventura, e ia continuar sendo até a hora em que eu me cansasse. Como agora. Você não tem em quem se segurar que não seja em mim, Yuri. Acaba com o meu casamento e você vai perder mais do que eu.
Revoltado, o adolescente sai do ponto de consumo, e Lana dá um suspiro. Um dos traficantes entra na casa.
-Está tudo bem aí?
-Tudo. Vou sair daqui pra não levantar suspeita. Obrigado por ter segurando ele aqui.
-Quer que as crianças apaguem ele?
-Não, não vai ser preciso. O recado que eu dei é o suficiente.

XXXXX

Yuri volta à casa de Otaviano e Ana Maria. Sônia está na sala quando vê o garoto subir às escadas bem nervoso.
-Yuri! Yuri, vem aqui, sua mãe está preocupada com você! Ai, se ele topa com o seu Otaviano lá em cima, é capaz de acontecer uma tragédia.
E o garoto se surpreende ao encontrar o pai em seu quarto?
-Você aqui?
-Já deixou de me chamar de senhor? Ainda tem muito o que aprender. Essa semana inteira no hospital. Nenhuma só visita. Bastante nítida a sua preocupação comigo.
-Pensei que você tinha morrido... – é interrompido por uma risada do pai.
-Todos desejam isso, mas é inútil. Inclusive você, que quer que eu desapareça pra fazer o que bem entender.
-Como se eu já não fizesse isso, com você aqui ou não- vai para a gaveta e pega uma corrente.
-O que você vai fazer?
-Não é da sua conta.
-Essa corrente é aquela que você me pediu tanto pra te dar no teu último aniversário... O que você vai fazer... Não, não é o que estou pensando.
-Me deixa em paz, Otaviano.
-Agora que estou reparando nas suas roupas, no seu olhar... Onde foi que você dormiu quando eu estava internado?
-É a primeira vez que você repara nisso, antes tarde do que nunca. Quer saber mesmo? Na rua. Lá, eu encontrei quem me desse o que eu queria. Não é como aqui, onde você me odeia.
-Você virou mesmo um drogadinho, como eu suspeitava. Agora, eu entendo o que você veio fazer aqui. Você veio roubar sua própria família.
-Não é verdade...
-Você veio acabar com a paz da sua família se drogando, e agora você vai roubar? Você vai vender isso e gastar o dinheiro em cigarro, em pedra, em pó? A que ponto você chegou, meu filho?
-Eu vou vender o que você me deu. É meu! E eu não que te explicar nada. Se você não foi homem pra ser pai, agora é que não vai ser.
-Antes de você me causar essa vergonha, eu acabo com você- vai à gaveta e tira outra corrente.
-Vai fazer o quê, Otaviano? Daqui você só consegue me tirar à força se me matar.
-Quem disse que eu não vou fazer isso, Yuri?- ele joga o adolescente contra a parede e aperta o seu pescoço com a tal corrente.
-Me solta! Você ficou maluco? Socorro!
-Essa vergonha eu não vou passar! Você não vai mais usar droga, nem que pra isso eu tenha que tirar a sua vida!

-Não! Sônia! Mãe!- perde a voz, enquanto os olhos ficam marejados e vermelhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário