-O quê que é,
hein? Você perdeu a noção do perigo, é?
-Quem perdeu
alguma noção aqui foi você. Você, Yuri. Eu nunca te dei liberdade pra se
dirigir a mim dessa maneira, e não vou deixar você passar por cima das minhas
ordens. É melhor você pensar bem antes de se referir a mim como você acha
conveniente.
-Inadmissível
esse comportamento de vocês dois? Mas o que é que está acontecendo nessa casa?
Resolveram declarar uma guerra em nossa família, é isso?
-Não faço
ideia do motivo pelo qual ele me provoca, me insulta. Mas de uma coisa eu tenho
certeza: ele não vai me humilhar. Nunca, ouviu bem?
-Para de agir
como se fosse um déspota esclarecido, Otaviano!
-Mas o que você
quer que eu faça? Que eu seja conivente com as besteiras que esse garoto fala?
Que eu aceite ser desafiado por um moleque dentro da minha própria casa? Que a
minha esposa passe a mão na cabeça dele?
-Deixa, mãe.
Melhor não provocar a fera. Hoje ele joga café, amanhã ele bate na minha cara.
Na minha e na sua.
-Se a sua mãe
te dá liberdade pra você despejar toda essa vontade de falar o que der na
telha, faça isso fora da minha casa. Agora vai trocar de roupa. Ou você acha
que a escola vai te deixar entrar assim?
-Vamos, Yuri.
Eu vou pegar uma roupa limpa pra você- Sônia tira o garoto da mesa.
-Isso que você
fez... Não vai ficar assim...
-Vai fazer o
quê?- grita.
-Chega,
Otaviano!
-Vai fazer o quê,
pivete idiota?- é contido pela esposa- Quero ver se ele vem fazer alguma coisa,
eu pago pra ver!
XXXXX
-Desgraçado!-
tira a camisa, jogando-a no chão- Ele não merece estar aqui, ocupando o lugar
que é da minha mãe, gastando o dinheiro que é dela.
-Calma, Yuri,
a sua mãe deixou que seu Otaviano tomasse conta de tudo o que é dela. Mas por
que essa preocupação com isso, menino? Você não se interessava nessas coisas...
-Poxa, Sônia.
É minha mãe. Toda noite, ela está chorando porque ele nem vê a gente direito. A
gente toma café com um estranho, com um cara que a gente nunca viu.
-Não esqueça
de que seu pai sempre te deu amor. A sua boa vida tem mais a ver com o esforço
dele do que da Ana Maria.
-Também, não
é? Ele não deixa ela trabalhar!
-Meu filho,
não julgue seu pai. Ele foi um homem muito pobre. Vai ver ele faz tudo isso pra
não voltar a ser pobre, pra que vocês não passem pelo que ele passou.
-Ele é
egoísta, Sônia. Só isso.
XXXXX
-Eu não
acredito no que você foi capaz de fazer, Otaviano. Você agrediu o nosso filho!
-Ah, que
drama, Ana Maria! Eu nem encostei a mão naquele moleque. E ele merecia uma
lição muito maior do quer aquela. Se você não tivesse botado panos quentes na
situação...
-Sabe o que
eu penso? Exatamente tudo o que o Yuri falou.
-Não, você
não pode ser tão imbecil quanto ele.
-Otaviano,
para um momento e se escuta falando. Você fala do Yuri como ele não fosse eu
filho, e sim seu inimigo.
-A vida boa
desse garoto fui eu que proporcionei. Eu não aceito que depois de grande, ele
venha me dizer que ter dado um lar pra ele foi errado.
-Sabe uma
coisa da qual eu venho me dando conta ao longo dos anos? Você é muito diferente
do que eu pensava. Pior: você é igual a ele. Ao meu pai.
-Não me
compara com o Dalton, por favor.
-Dalton? E o
título de doutor que você sempre fez questão de usar pra se referir a ele?
-Morto. Seu
pai está morto, Ana Maria. E eu não preciso fingir respeito por ele depois
desses anos todos.
-Quer dizer
que o nosso casamento não passou de um negócio seu? Você não me amava naquela
época?
-Eu tenho uma
reunião com os acionistas minoritários. Com licença.
-Espera!-
segura o marido novamente.
-Nós não
vamos discutir nossa relação agora.
-Quando?
Quando eu pedir o divórcio?
-Você não vai
se atrever nunca a isso. É completamente louca por mim.
-Posso deixar
de ser. Experimenta machucar o meu filho, e você vai ver do que eu sou capaz- o
marido pega a maleta e vai para a empresa com Geraldo, deixando Ana Maria
intrigada- Será que eu
ainda vou descobrir que não casei com o homem que eu idealizei pra mim?
XXXXX
Lana está em
sua mesa, na ONG que preside ao lado de seu marido, Frederico.
-Onde você
estava?- diz ele, ao entrar na sala.
-Aqui, Fred.
Trabalhando desde hoje cedo.
-Não estava.
Eu liguei pra cá mais cedo e disseram que você não tinha chegado. Onde você
foi?
-Você saiu no
mesmo horário que eu e só chegou agora.
-Lana, eu fui
à “TimBRe” mais cedo pra marcar uma reunião com o Dr. Otaviano... Fui e ele não
estava. Havia uma coisa séria pra tratar com ele.
-O quê?
-Não, não me
enrola. Eu quero saber por que você chegou tarde.
-Tudo bem. Eu
não vou mentir pra você. Eu fui à praça que fica perto do terminal de ônibus.
-Eu não
acredito que você fez isso. Lana, você enlouqueceu? Esse lugar passou ontem na
televisão, virou ponto de consumo de droga. A polícia vai começar a rondar o
local. Você tem noção do perigo que correu?
-Calma, Fred.
Eu sei disso, assisti à reportagem ontem. Por isso mesmo que eu fiquei tão
preocupada... Tentei trazer aqueles meninos pra ONG, pra que eles pudessem ter
a chance de um futuro melhor, longe desses entorpecentes...
-Eu não quero
que você se arrisque, meu amor. Eu conheço seu coração e sei que você seria
capaz de tudo pra proteger esses meninos. Mas infelizmente, eu tenho que te dar
uma péssima notícia.
-O que foi,
Fred?
-Descobri que
nos últimos três meses, as contas da ONG não vêm fechando.
-Como não?
-Não sei, a
gente estava arrecadando tanto nas doações que o pessoal recolhia em ônibus...
Mas estamos há dias nessa situação. É por isso que eu resolvi falar com o
Otaviano Passos.
-Tem razão.
Ele sempre colaborou com o nosso projeto social, reverteu uma parte da renda de
muitos discos para financiar a nossa ONG. Claro, como eu não pensei nisso
antes?
-Procurei o
Otaviano no escritório da “TimBRe”, mas ele não tinha chegado ainda. Mas amanhã
eu passo lá de novo. Tenho certeza de quer ele não vai negar ajuda.
XXXXX
Yuri está em
seu intervalo, depois de ter feito a prova. Observa alguns meninos lanchando, e
sente fome também, mas fica com vergonha de pedir. De repente, percebe uma
movimentação estranha de três garotos, que descem às escadas dos segundo andar.
Acompanha tudo da varanda.
Não se
aproxima, mas continua sem fazer barulho ou chamar a atenção de outros alunos.
Os alunos pulam o muro da escola, e na fachada do prédio, há algumas crianças
maltrapilhas, que oferecem substâncias ilícitas aos alunos.
-Tanto
dinheiro pra isso... –constata, com um olhar triste.
XXXXX
Otaviano tem
uma reunião com os acionistas.
-Desculpem o
atraso, mas o trânsito estava caótico.
-Dr.
Otaviano, estávamos esperando pelo senhor.
-Pois muito
bem. Eu não entendi por que não revelaram o motivo da reunião. É algo
relacionado à contratação dos artistas americanos.
-Não
exatamente, senhor.
-O que é,
então?
-Dr.
Otaviano, nós descobrimos que Humberto Meirelles, que trabalha no exterior e
que estava tratando da contratação desses artistas... – um dos acionistas que
está com a palavra sente dificuldade para continuar.
-Prossiga.
-Humberto nos
fez assinar um documento falso. Não estávamos adquirindo o passe desses
cantores. Estávamos sendo vítimas de um golpe que afetou toda a empresa.
-Humberto...
O Humberto mentiu? É isso que estão me dizendo? Fomos vítimas de um golpe? Não,
só pode ser mentira. Vocês estão enganados.
-Perdemos
tudo, Dr. Otaviano. Todo o dinheiro que nós investiríamos na contratação dos
artistas foi transferido para a conta pessoal de Humberto Meirelles. Ele deu um
desfalque na “TimBRe”.
Otaviano se
levanta e questiona com o olhar todos os acionistas, mas se dá conta de que
eles foram persuadidos ao golpe por ele mesmo.
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