18/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 18



-Meu filho!- Ana Maria corre para abraçá-lo- Onde é que você estava? A gente ficou preocupado a noite toda, sem ter nenhuma notícia sua. O Frederico e a Lana estão te procurando até agora. Onde é que você passou a noite?
-Isso não interessa, mãe. Eu... Eu só posso ter entendido errado. Esse cara quer o meu dinheiro pra limpar a sujeira que ele fez, é isso mesmo?
-“Esse cara” é o homem que vem colaborando para encher a sua conta mês após mês, durante doze anos. Yuri, não é possível que vendo a nossa situação, você seja tão egoísta- argumenta o pai.
-O dinheiro é meu. Eu não posso tocar nele porque eu ainda sou menor de idade, mas agora o senhor quer me proibir de gastar ele quando eu crescer?
-Até você completar vinte e um anos, esse dinheiro já terá sido reposto, meu filho. Nossa empresa voltará a ser a potência que sempre foi.
-Porque é o senhor que está dizendo. Mas eu não confio. Nem um pouco.
-Yuri, seu pai está tentando dizer que o seu patrimônio não vai ser o único a ser usado. O meu e o do Otaviano, juntos do seu, podem quitar a dívida da empresa.
-Você não vai dar razão pra ele, vai?
-Pensa, meu filho, nas pessoas que vão deixar de receber salário na nossa empresa, em quantas vidas vamos prejudicar se a empresa decretar falência!
-Otaviano, você não presta atenção no que você fala, não? Você pensa mais nos desconhecidos do que na sua família!
-Quem te deu o direito de me chamar pelo primeiro nome, garoto? Eu sou seu pai! Eu exijo respeito, ainda mais dentro da minha própria casa.
-Pai? Você? Mas é nunca!
-Mas qual é o seu problema? Você nunca me peitou desse jeito. Que jeito estranho é esse seu de se referir a mim e à sua mãe?
-Não está acostumado, não é? A ver os outros te desobedecendo? Se acostuma, cara. Aqui não é tua gravadora. E se depender de mim, você vai ficar pobre, é o que você merece...
Otaviano levanta a mão para o filho, aproximando-se do rosto dele.
-Não!- Ana Maria grita para que o marido não agrida o adolescente,
-Você colocou o quê na boca? Que cheiro é esse de cigarro, Yuri?
-Não viaja, OK?- desvencilha do pai.
-Yuri, você fumou o quê?- Ana Maria percebe que há algo errado no comportamento do filho.
-Me deixa, mãe. Eu vou pra escola que hoje tem prova- fecha a porta do escritório.
-Ana Maria, leva e traz o Yuri da escola. Eu quero saber com quem ele está andando.
-Ah, Otaviano... Ele só está confuso com essa situação.
-Não, ele está aéreo demais. Esse garoto não está bem, Ana Maria.
-Depois do que você fez, como queria que ele estivesse? Sabe de uma coisa? Se o Yuri continuar se opondo a te ajudar, não sou eu que vou tratar de convencê-lo. Porque ajudar a nossa família a sair da falência é ajudar você.

XXXXX

-Por favor, entre- pede Jandir ao policial.
-Com licença.
-Meninos, vocês podem ir lá fora um pouquinho? Eu vou atender o senhor aqui.
-Vem, Betina... – Igor a puxa pelo braço.
-O senhor disse que podia ser homicídio?
-Veja bem... Jandir?
-Sim, é meu nome.
-Seu Jandir, a sua esposa foi encontrada morta em uma situação bastante misteriosa. Uma viatura da polícia passava pelo local quando encontrou os destroços do veículo que ela conduzia.
-Mas eu pensei que minha mulher tinha morrido num acidente de carro.
-A princípio, é o que todos nós pensamos. Mas conversamos com Homero, o rapaz que trabalha com o senhor numa oficina. Acho que ele deve ter dado a notícia ao senhor e aos seus filhos.
-Foi ele, sim.
-Encontramos pegadas no local do acidente, onde havia os rastros dos pneus do carro de sua esposa. Vimos marcas do lado da porta do passageiro e mais algumas atrás. Não houve impressões digitais dentro dele.
-Eu ainda não entendi o que o senhor quer.
-Seu Jandir, o que eu quero saber é se o senhor conhece alguém que odiava sua mulher para querer se livrar dela.
-Não. Minha mulher tinha uma boa relação com as pessoas, era querida pelos vizinhos. E amava muito os meus filhos.
-E o senhor?
-O que tem?
-Ela amava muito o senhor?
-Nós fomos casados por doze anos.
-Eu perguntei se ela amava o senhor.
-Mais do que o senhor imagina- chora de remorso novamente.
-Bom, continuaremos investigando. Qualquer novidade, nós vamos avisá-lo.
Jandir abre a porta.
-Boa tarde, delegado.
-Boa tarde, e meus sentimentos, seu Jandir.
-Obrigado- fecha a porta- ninguém vai me descobrir. Eu mandei você pro inferno, Rosane. E ninguém pode me condenar por isso. Nem a polícia, nem a minha filha... Nem o seu filho.

XXXXX

Yuri está na escola, perto da hora de largar. Perece que a sala de aula está um pouco vazia, apesar do dono que tem. Olha pela janela e vê novamente os mesmos jovens consumindo as substâncias ilícitas das quais se apoderou na madrugada, antes de voltar para casa. O relógio da sala de aula marca onze e quarenta e quatro. Falta apenas um minuto pra tocar. O sinal toca antes.
Os meninos pegam suas bolsas e saem correndo. A professora nota que o garoto sai correndo e o chama.
-Yuri, vem aqui, por favor.
-Fala.
-Está tudo bem.
-Sim. O que foi?
-Tem certeza? Você não é de sair cedo da aula. Pensei que você estava impaciente.
-Que nada, professora. Até amanhã.
-Até... – o celular dela toca- Alô?
-Professora Vilma? Sou eu, Ana Maria Bittencourt, a mãe de Yuri.
-Claro. Como vai a senhora?
-Eu vou muito bem. O Yuri já saiu da sala?
-Acabou de sair.
-E a senhora viu se ele... Se ele saiu com alguém?
-Sozinho, senhora. Desculpe a indiscrição, mas... Está acontecendo alguma coisa?
-É um assunto delicado, professora. Eu prefiro tratar disso pessoalmente, mas não hoje.
-Como quiser.
-Obrigada. Até logo.
-Até- desliga o celular- Será que esse garoto está se envolvendo com coisa errada?

XXXXX

Jandir traz os meninos para o quintal de casa.
-A gente vai pra onde, pai?- Betina fica curiosa.
-Dar um jeito de encher essa geladeira e conseguir algum dinheiro. Sua mãe tinha dinheiro, mas morreu com ele junto.
-Não fala assim com ela, ela é pequena.
-Você, que é tão adulto, vai entender na hora o que a gente vai ter que fazer pra sobreviver- tira uma tesoura e corta pedaços do vestido que Betina está usando.
-Meu vestido, papai...
-O senhor está acabando com a roupa dela!
Jandir guarda a tesoura no bolso da calça, abaixa para pegar um punhado de terra e joga sobre a camisa de Igor, que fica completamente desnorteado com a atitude.
-Rosane não dividia as contas comigo porque a oficina não dava conta? Pois então eu não vou sustentar dois filhos sozinhos. Os dois vão ter que trazer dinheiro e botar comida dentro de casa. Você e a Betina vão ter que trabalhar.
-O senhor bebeu de novo? A gente não tem idade pra trabalhar! E vai trabalhar de quê?
-De mendigos. De meninos de rua.
-Eu não quero, quero ficar em casa.
-Você não tem querer, Betina. Não tem querer. Nem você, Igor.
-Eu não vou pedir esmola na rua. Eu tenho uma casa. O senhor é o pai da gente, tem como trabalhar. É só jogar a garrafa de bebida fora.
-Justamente porque eu sou pai de vocês que eu mando nessa casa, e na vida dos dois. E eu quero ver quem vai se meter à besta de passar por cima das minhas ordens. Você é que não vai, Igor.

XXXXX

Os meninos da escola estão se afastando de um traficante que está naquela rua, contando o dinheiro da venda de drogas. Mas antes de dobrar à rua, é chamado por Yuri.
-Ei, você! Quanto é?
Sem titubear, o traficante se vira para o garoto: trata-se do que é conhecido como “Porcelana”, o mesmo que assaltou Rosane no dia do parto. Mas ambos se assustam ao se olharem. As lembranças não serão nem um pouco fáceis de esquecer.

XXXXX

Em frente a uma padaria no centro da cidade, estão Igor, Jandir e Betina.
-Pai, eu estou com fome. Me dá dinheiro pra comer!
-De jeito nenhum. Eu trouxe vocês aqui pra começar a ensinar e a ver os dois pedindo dinheiro. Vai naquela mulher da padaria e diz que está com fome, mas não diz que a gente veio com você.
-Se ela está com fome, leva ela pra casa pra comer.
-Pode esquecer esse negócio de ir pra casa, Igor. Ninguém vai dormir em casa enquanto não conseguir nenhuma grana pros três. Obedece teu pai, Betina. Anda.
Betina atravessa a rua, bem devagar. Quando está prestes a entrar na padaria, Igor corre, puxa a irmã pelo braço esquerdo e sai correndo.
-Vem, Betina.
-Volta aqui, moleque desgraçado! Devolve a minha filha- Jandir corre atrás dos dois.
-Rápido, Betina!
-Olha o carro!- a garota grita.
-Cuidado!- Jandir fica desesperado ao ver um carro também.
Igor só presta atenção quando o carro fica a centímetros dele e de sua irmã. A porta é aberta com rapidez: Ana Maria sai do automóvel e olha os filhos de sua antiga rival.
-Vocês não olham por onde andam, não?
E Igor se lembra da briga que Jandir teve com Rosane no quarto, devido aos ciúmes de Otaviano, cujo nome estava nos sonhos das últimas noites de vida da diarista:

-Você quer falar baixo? Quer que os meninos acordem?
-Eles não podem escutar o nome dele, mas eu tenho que aguentar essa palhaçada toda noite?
-Não falo o nome de ninguém dormindo.
-Fala, sim. Fala o nome daquele desgraçado que morou aqui. O cara casou, teve filho, e você ainda é doida por ele?

-Otaviano... Essa mulher conhece o Otaviano... Mas de onde? O que ela é dele?- pensa, sem tirar o olhar da acionista da “TimBRe”.

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