Sentindo
muito nojo da esposa, Frederico chora em silêncio, se afastando de Ana Maria e
chorando próximo à pia. A acionista da gravadora continua completamente
perplexa com o que acabou de ouvir, continuando junto à porta do banheiro.
-Yuri, eu
estava pensando. Acho que seria bom você voltar pra casa.
-Pra lá eu
não volto. Meu pai tentou me matar. Eu não vou morar na mesma casa que aquele
homem. Daqui a pouco, nem a casa vai ser mais nossa.
-Na rua, você
não pode morar. E também podem desconfiar da nossa ligação.
-Certo... Eu
vou bolar alguma coisa pra enganar os dois.
-Fred me
contou que os dois estão vivendo na mesma casa.
-A Faixa de
Gaza agora. Eu não sei se eu vou aguentar mentir o tempo inteiro, não.
-Tem que
aguentar. Pro bem de todos, inclusive do meu.
-Vadia
desgraçada, eu vou acabar com ela!- Ana Maria tenta abrir a porta, mas é
impedida por Frederico.
-Fala baixo!
Você quer que eles descubram que estamos aqui?
-Ela está
acabando com a vida dele! Além de dar droga, ela ainda dormiu com um menino de
doze anos, Frederico? Essa mulher é um monstro! A gente tem que pará-la...
-Eu sei, eu
sei... Mas a gente não pode perder o Yuri de vista. Você tem que trazê-lo de
volta pra casa- pega o celular.
-Pra quem
você vai ligar?
-Vou mandar
uma mensagem pro obstetra.
Frederico
digita “Já pode vir ao quarto. Frederico” e envia ao celular do médico. Alguns
segundos depois, o profissional vem com dois enfermeiros.
-Com licença,
nós precisamos levá-la.
-Pra onde?-
Lana se assusta.
-Temos que
medir a sua pressão, ver como anda a sua recuperação, dona Lana.
-E não dá pra
fazer isso aqui?- Yuri fica impaciente.
-Deixa, Yuri.
Deixa eles me levarem. Já viu que eu estou me sentindo melhor, não precisa
voltar.
-Sabe que eu
vou dar um jeito de te ver, não é... Tia?
-Sei, sim.
Vai tranquilo- o garoto sai do quarto e Lana é colocada numa maca, de onde é
levada.
-Vamos?
-Que jeito,
não é?- assim que saem, um dos enfermeiros fecha a porta. Frederico e Ana Maria
saem do banheiro. Emocionados e frustrados com a trajetória que cada um de seus
entes queridos seguiu, se abraçam como se estivessem aceitando que fracassaram,
como mãe e como marido.
XXXXX
Jandir vaga
pelas ruas atordoado, e tropeça. Com dificuldades de se levantar, é abordado
por um policial, que dirige uma viatura.
-Está tudo
bem com o senhor? Quer ajuda?
-Moço... –
começa a chorar- Onde tem uma delegacia por aqui?
-Fica bem
longe daqui. O que você quer na delegacia?
-Eu... Matei
a minha mulher e sequestrei os meus filhos.
XXXXX
Sônia e
Geraldo estão aflitos com o desaparecimento dos meninos. Ana Maria chega à sua
casa.
-Ah, menina,
até que enfim você apareceu. Já liguei não sei quantas vezes pro seu celular e
só dá desligado.
-A bateria
descarregou, Sônia. Não tive como avisar- joga a bolsa sobre o sofá.
-Dona Ana, a gente
quer falar uma coisa com a senhora.
-Olha,
Geraldo, se for mais alguma confusão do Otaviano, nem me conta porque eu não
estou me sentindo bem.
-É sobre os
meninos, Ana.
-O que foi
que aconteceu com eles?
-Tia Sônia!-
Igor e Betina correm para abraçar a governanta. O garoto aparece de cabelos
molhados e outra roupa, encontrada na casa de Jandir.
-Meninos?- a
governanta não acredita naquilo.
-Mas como é
que... –Geraldo também custa a acreditar.
-E eu não vou
ganhar nenhum abraço? Nem um beijinho?- sugere Ana Maria, até ser abraçada
pelos meninos.
-É um
milagre! Só pode ser um milagre!
-Que milagre,
Sônia? Do que você está falando?
-Não, nada,
nada! A gente ficou tão preocupado aqui em casa!
-Mas com o
quê? Preocupados com quê?
-Esquece,
Sônia. Pelo menos eles já estão com a gente, não é?- Geraldo acalma os ânimos.
-Pelo menos
eu voltei pra casa e encontrei vocês pra alegrar o meu dia. Eu não sei o que
seria de mim sem vocês hoje.
-E a moça que
você foi visitar no hospital?- pergunta Igor.
-Você passou
o dia todo no hospital, tia?
-Passei, mas
eu não quero falar disso, não. Eu sei que as coisas vão acabar melhorando, uma
hora ou outra. Agora eu quero que vocês me levem ao quarto e mostrem o que foi
que a Sônia comprou pra vocês no shopping.
-Vamos só se
for agora- garante Igor, enquanto os três sobem às escadas.
-Você
entendeu alguma coisa, Sônia?
-Milagre a
gente nunca entende, Geraldo. Vive e é feliz com ele.
DIAS
DEPOIS...
Yuri vai até
a casa dos pais. Ana Maria está tomando café normalmente.
-E o seu
Otaviano?- pergunta Betina.
-Foi à
empresa. Acha que sendo assíduo vai conseguir limpar a sujeira em que ele meteu
a mulher e o filho dele.
-Igor, o que
é “assíduo”?
-Depois a tia
Ana te explica, viu, Betina? Termina o café.
-Menina, você
não sabe quem está aí fora querendo falar com você- Sônia chega animada à sala
de jantar.
-De quem se
trata, Sônia?
-Sou eu, mãe-
Yuri faz uma expressão humilde.
-Betina,
vamos lá pro quarto ver aquela sacola que a Sônia trouxe ontem pra gente? O
café da gente já acabou, tia Ana.
-Obrigada,
Igor.
-Vem comigo,
Betina.
-Tchau, tia.
-Tchau, meu
amor- os garotos vão para o quarto.
-Bom, eu
também vou me retirar. Se precisar de alguma coisa, me chamem.
-Meu filho...
-Não vai se
levantar e me dar um abraço, mãe?
-Claro...
Claro que eu vou, eu vou- corre e mantém o filho em seus braços- Eu tive tanto
medo de que alguma coisa acontecesse com você.
-Me perdoa!
Me desculpa pelo que eu fiz, por ter fugido de você!
-Isso é
passado. Eu quero começar uma vida nova, e eu sei que você precisa de uma vida
nova.
-Como assim?
Do que a senhora está falando?
-Eu sei de
tudo. Você não voltou pra casa porque estava arrependido de ter fugido de casa.
Voltou porque a Lana te pediu.
-Lana? Quem é
Lana?
-A mulher com
quem você se envolveu, que te vendeu drogas. A mulher do Frederico, que te
seduziu...
-Ela não deu
em cima de mim! A gente se ama, mãe! Eu sei que ela me ama, me ama como nunca
ninguém gostou de mim nessa casa...
-E eu?-
grita- O meu amor de mãe não contou pra você nunca? Que você sentisse repulsa
pelo modo como o Otaviano agia por você tudo bem, mas... Você me desconsiderou
por completo, meu filho. E se você continuar fazendo tudo o que essa mulher
mandar, ela vai te fornecer mais e mais cigarros, papelotes, drogas, o que for!
-Ela não está
me usando! Eu sei que não!
-Só me diz
uma coisa: você quer largar as drogas?
-Claro que eu
quero...
-Responde com
sinceridade, Yuri!
-Quero, já
falei- é agressivo.
-E a Lana? Você
quer se afastar dela também?
-Não, isso
não! Isso eu não faço nunca, ouviu bem? Eu não vou deixar a Lana, nem que eu
tenha que enfrentar meu pai, enfrentar você ou enfrentar o marido dela! Não vou!
-Aceite as consequências,
então... – sai de casa.
-Onde é que você
vai? Volta aqui, mãe!
Geraldo está
entrando com o carro, e Ana Maria a alcança.
-Geraldo?-
bate na janela.
-Senhora, o
que foi?
-Você vai me
levar pra um lugar agora mesmo- entra no carro- Vai, Geraldo, dá ré.
-Mãe, vem
aqui agora! Você não vai pra canto nenhum. Abre a porta desse carro! Eu estou
falando com você! Abre a porta do carro!
-Eu não vou
deixar essa cachorra se aproximar de você nunca mais. Mais tarde, eu converso
com você! Anda com isso, Geraldo!
O carro
acelera e o garoto fica cada vez mais histérico, levando as mãos à cabeça e
gritando.
-Ela vai
atrás da Lana! Eu não posso deixar ela fazer nada com a Lana! Eu vou pegar meu
skate!- corre pra dentro de casa e apanha o seu brinquedo.
XXXXX
A campainha
da casa de Frederico toca insistentemente. Lana está descansando na sala,
tomando um suco e o marido corre pra atender.
-Mas quem é
essa pessoa louca que está tocando desse jeito?
Ana Maria entra
rapidamente no apartamento e exige ao amigo.
-Me deixa
sozinha com a sua mulher!
-Mas o que é
que está acontecendo aqui?
-Seu marido
sabe muito bem o que eu estou fazendo aqui, e porque eu vim. Sai, Fred, por
favor!
Sem dizer uma
palavra sequer, Frederico fecha a porta, lamentando muito o que vai acontecer.
-Fred?- levanta-se
do sofá- Nossa, quanta influência você está começando a exercer sobre o meu marido,
não acha? Ana Maria, eu não sei o que está acontecendo contigo, mas você não
pode simplesmente entrar na minha casa e dar ordens ao meu marido como se...
-Cala essa
boca, vadia!- desfere uma bofetada no rosto da rival.
-O quê que é
isso? Você enlouqueceu de vez? Eu vou chamar a polícia!
-Chamar a
polícia pra quem? Pra mim ou pra você? Hein? Responde que eu estou falando,
vadia- esbofeteia-lhe novamente.
-Saia da
minha casa agora, senão eu não vou responder por mim. Eu sei que você tem
enfrentado problemas familiares, mas isso não te dá o direito de...
-Sabe muito
bem, não é? Claro que sabe. Fica se refestelando com um garoto de doze anos na
cama e vem me dizer que sabe o que está acontecendo comigo? Não, Lana. Você não
sabe nada. Nem o Otaviano, nem o Yuri, nem o Fred nem ninguém tem a dimensão do
ódio que eu estou sentindo de você! Mas você vai sentir. Cada bofetada que eu
dei e que eu der vai ser um pouco do asco, do nojo que eu sinto por você.
-Isso que você
falou... Que garoto de doze anos? De onde você tirou essa estória? Que absurdo
é esse?
-Frederico e
eu ouvimos toda a sua conversa com o Yuri no hospital. O coitado do meu filho
não sabe nem disfarçar o que sente. Mas você é perfeita em cada detalhe do seu
cinismo. Só que agora acabou, Lana. Eu sei quem você é e o seu marido também
sabe a cobra venenosa com quem ele casou!
-Ah, sabe? E
o que vocês pretendem fazer? Me mandar pra cadeia? Vocês tiveram, pelo menos, a
inteligência de conseguir prova pra me incriminar?
-Logo a
polícia vai saber a mulher que você é. Suja, vil, baixa! É isso que você é, e
muitas coisas piores.
-Sem ter como
provar é mais difícil de me mandar pra cadeia, viu, querida? Eu, se fosse você,
já dava um jeito de tirar uma cópia de todo o Código Penal Brasileiro... É,
porque se eu vou ser presa, eu tenho que saber, pelo menos, por que eu vou ser encarcerada.
Se vai ser pelo tráfico ou pelo abuso sexual do teu querido Yuri.
-Não
pronuncia o nome do meu filho...
-Pensando
bem...Eu acho que só vou cumprir pena, e se cumprir, por tráfico mesmo. Vão ter
que chamar seu filhinho pra depor, e aí vão constatar que ele não foi obrigado
a nada. Yuri dormiu comigo porque quis...
-Cala essa
boca...
-Olha, e
aquele garoto... Vou te contar... A última coisa que ele sabia fazer comigo era
dormir...
-Vai
continuar falando?- bate em Lana até ela cair no chão- Vai continuar falando o
nome dele?- sobe em cima da mulher e continua a bater nela.
-Não seja
imbecil! Isso não vai tirar seu filho desse mundo pantanoso que ele fez questão
de se enfiar. Ele vai morrer e não vai conseguir se livrar de droga nenhuma.
Ai, eu só fico me lembrando da gente sozinho, numa casa, ele feliz, fumando do
meu lado. Você acha mesmo que vai conseguir livrá-lo, sua anta?
-Eu não me
importo com isso. O que eu quero agora... É acabar com você, maldita!- bate no
rosto de Lana, que se levanta para revidar, mas acaba levando outro tapa- O que
é? Pensou que pode me vencer?- bate novamente- Hein?- estapeia a vilã diversas
vezes até fazê-la sangrar- Hein? Você não é a brava? A que vai se defender? A que
vai me matar se ele falar alguma coisa? A que me ameaçou? Mata, piranha! Mata!
Acaba comigo! Eu quero ver se você me mata mesmo!
-Socorro!
Fred, me ajuda!
-Não toca no
nome dele!- chuta o rosto e o ventre de Lana diversas vezes.
-Você vai me
pagar caro! Eu vou tirar seu sangue pouco a pouco!
-Vai fazer nada!-
chuta o rosto novamente- Nada!- Ah, já ia me esquecendo: se você souber rezar,
pede pra todos os santos pro meu filho se salvar, porque senão eu termino o que
eu comecei aqui. E aí, meu bem, você vai ter motivos de sobra pra não esquecer
meu nome. Uma letra sequer!- cospe e dá novamente um chute violento- Quando você
for à delegacia, manda tirar minhas impressões digitais da sua cara! Não é
prova que você quer? Vou presa como uma mãe defendendo um filho, vaca! Vou com
gosto! Bendita a hora em que o seu morreu. Sabia o ventre diabólico em que
morava.
Ela trata de
se retirar do apartamento e, com dificuldade, Lana se levanta para ir até o seu
quarto e se vê ao espelho. Com ódio, corre para o cofre que está atrás de um
grande retrato seu e de seu marido instalado na mesma parede. Ela põe a
combinação certa e dele tira um revólver.
XXXXX
Já na rua do
prédio onde o casal mora, conversam Ana Maria e Frederico, do outro lado da
calçada, em frente a uma loja de noivas. Yuri, trêmulo e suando frio, chega ao
prédio, mas vê os dois se falando e fica perto de um poste, avistando-lhes de
longe.
-O que você
fez?- diz, de forma fria.
-Espanquei
aquela vagabunda. Eu nunca pensei que seria capaz disso. E você, Fred? O que você
vai fazer a partir de agora?
-Como é que
eu posso continuar com esse monstro, Ana Maria? Eu não tenho nem coragem de entrar
em casa e dizer o que eu penso dela agora.
-Não se
preocupe. Eu acho que já falei por nós.
-Vou ligar
pro meu advogado e exigir o divórcio. Ela não vai querer continuar comigo depois
que eu descobri que ela... Ana, onde foi que eu falhei no meu casamento? Onde?
-Não, eu não
quero ver você chorando. Você... É um homem maravilhoso. Maravilhoso... Eu
daria tudo pra voltar no tempo doze anos atrás e ter procurado você pra ser o
homem da minha vida.
-Por que você
está dizendo essas coisas pra mim?
-Porque a
nossa dor é diferente, mas... Eu consigo ver um coração bater de raiva, de
rancor, de ódio porque nada vai voltar a ser como era antes. Mas você me
ensinou, e a esses meninos da sua ONG que é possível recomeçar. E quando tudo
isso passar, eu quero fazer isso. Do seu lado- o beija, quando Lana sai do
apartamento e os encontra.
-Vagabunda!
Quer roubar o meu marido e diz que eu quero acabar com o teu filho, não é?-
aponta a arma para Ana Maria- Só que eu não vou perder meu tempo com aquele
moleque.
-Abaixa essa
arma, Lana!- Frederico se desespera.
-Sua vida
acabou, Ana Maria. Acabou!- atira.
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