29/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 29

Sentindo muito nojo da esposa, Frederico chora em silêncio, se afastando de Ana Maria e chorando próximo à pia. A acionista da gravadora continua completamente perplexa com o que acabou de ouvir, continuando junto à porta do banheiro.
-Yuri, eu estava pensando. Acho que seria bom você voltar pra casa.
-Pra lá eu não volto. Meu pai tentou me matar. Eu não vou morar na mesma casa que aquele homem. Daqui a pouco, nem a casa vai ser mais nossa.
-Na rua, você não pode morar. E também podem desconfiar da nossa ligação.
-Certo... Eu vou bolar alguma coisa pra enganar os dois.
-Fred me contou que os dois estão vivendo na mesma casa.
-A Faixa de Gaza agora. Eu não sei se eu vou aguentar mentir o tempo inteiro, não.
-Tem que aguentar. Pro bem de todos, inclusive do meu.
-Vadia desgraçada, eu vou acabar com ela!- Ana Maria tenta abrir a porta, mas é impedida por Frederico.
-Fala baixo! Você quer que eles descubram que estamos aqui?
-Ela está acabando com a vida dele! Além de dar droga, ela ainda dormiu com um menino de doze anos, Frederico? Essa mulher é um monstro! A gente tem que pará-la...
-Eu sei, eu sei... Mas a gente não pode perder o Yuri de vista. Você tem que trazê-lo de volta pra casa- pega o celular.
-Pra quem você vai ligar?
-Vou mandar uma mensagem pro obstetra.
Frederico digita “Já pode vir ao quarto. Frederico” e envia ao celular do médico. Alguns segundos depois, o profissional vem com dois enfermeiros.
-Com licença, nós precisamos levá-la.
-Pra onde?- Lana se assusta.
-Temos que medir a sua pressão, ver como anda a sua recuperação, dona Lana.
-E não dá pra fazer isso aqui?- Yuri fica impaciente.
-Deixa, Yuri. Deixa eles me levarem. Já viu que eu estou me sentindo melhor, não precisa voltar.
-Sabe que eu vou dar um jeito de te ver, não é... Tia?
-Sei, sim. Vai tranquilo- o garoto sai do quarto e Lana é colocada numa maca, de onde é levada.
-Vamos?
-Que jeito, não é?- assim que saem, um dos enfermeiros fecha a porta. Frederico e Ana Maria saem do banheiro. Emocionados e frustrados com a trajetória que cada um de seus entes queridos seguiu, se abraçam como se estivessem aceitando que fracassaram, como mãe e como marido.

XXXXX

Jandir vaga pelas ruas atordoado, e tropeça. Com dificuldades de se levantar, é abordado por um policial, que dirige uma viatura.
-Está tudo bem com o senhor? Quer ajuda?
-Moço... – começa a chorar- Onde tem uma delegacia por aqui?
-Fica bem longe daqui. O que você quer na delegacia?
-Eu... Matei a minha mulher e sequestrei os meus filhos.

XXXXX

Sônia e Geraldo estão aflitos com o desaparecimento dos meninos. Ana Maria chega à sua casa.
-Ah, menina, até que enfim você apareceu. Já liguei não sei quantas vezes pro seu celular e só dá desligado.
-A bateria descarregou, Sônia. Não tive como avisar- joga a bolsa sobre o sofá.
-Dona Ana, a gente quer falar uma coisa com a senhora.
-Olha, Geraldo, se for mais alguma confusão do Otaviano, nem me conta porque eu não estou me sentindo bem.
-É sobre os meninos, Ana.
-O que foi que aconteceu com eles?
-Tia Sônia!- Igor e Betina correm para abraçar a governanta. O garoto aparece de cabelos molhados e outra roupa, encontrada na casa de Jandir.
-Meninos?- a governanta não acredita naquilo.
-Mas como é que... –Geraldo também custa a acreditar.
-E eu não vou ganhar nenhum abraço? Nem um beijinho?- sugere Ana Maria, até ser abraçada pelos meninos.
-É um milagre! Só pode ser um milagre!
-Que milagre, Sônia? Do que você está falando?
-Não, nada, nada! A gente ficou tão preocupado aqui em casa!
-Mas com o quê? Preocupados com quê?
-Esquece, Sônia. Pelo menos eles já estão com a gente, não é?- Geraldo acalma os ânimos.
-Pelo menos eu voltei pra casa e encontrei vocês pra alegrar o meu dia. Eu não sei o que seria de mim sem vocês hoje.
-E a moça que você foi visitar no hospital?- pergunta Igor.
-Você passou o dia todo no hospital, tia?
-Passei, mas eu não quero falar disso, não. Eu sei que as coisas vão acabar melhorando, uma hora ou outra. Agora eu quero que vocês me levem ao quarto e mostrem o que foi que a Sônia comprou pra vocês no shopping.
-Vamos só se for agora- garante Igor, enquanto os três sobem às escadas.
-Você entendeu alguma coisa, Sônia?
-Milagre a gente nunca entende, Geraldo. Vive e é feliz com ele.

DIAS DEPOIS...

Yuri vai até a casa dos pais. Ana Maria está tomando café normalmente.
-E o seu Otaviano?- pergunta Betina.
-Foi à empresa. Acha que sendo assíduo vai conseguir limpar a sujeira em que ele meteu a mulher e o filho dele.
-Igor, o que é “assíduo”?
-Depois a tia Ana te explica, viu, Betina? Termina o café.
-Menina, você não sabe quem está aí fora querendo falar com você- Sônia chega animada à sala de jantar.
-De quem se trata, Sônia?
-Sou eu, mãe- Yuri faz uma expressão humilde.
-Betina, vamos lá pro quarto ver aquela sacola que a Sônia trouxe ontem pra gente? O café da gente já acabou, tia Ana.
-Obrigada, Igor.
-Vem comigo, Betina.
-Tchau, tia.
-Tchau, meu amor- os garotos vão para o quarto.
-Bom, eu também vou me retirar. Se precisar de alguma coisa, me chamem.
-Meu filho...
-Não vai se levantar e me dar um abraço, mãe?
-Claro... Claro que eu vou, eu vou- corre e mantém o filho em seus braços- Eu tive tanto medo de que alguma coisa acontecesse com você.
-Me perdoa! Me desculpa pelo que eu fiz, por ter fugido de você!
-Isso é passado. Eu quero começar uma vida nova, e eu sei que você precisa de uma vida nova.
-Como assim? Do que a senhora está falando?
-Eu sei de tudo. Você não voltou pra casa porque estava arrependido de ter fugido de casa. Voltou porque a Lana te pediu.
-Lana? Quem é Lana?
-A mulher com quem você se envolveu, que te vendeu drogas. A mulher do Frederico, que te seduziu...
-Ela não deu em cima de mim! A gente se ama, mãe! Eu sei que ela me ama, me ama como nunca ninguém gostou de mim nessa casa...
-E eu?- grita- O meu amor de mãe não contou pra você nunca? Que você sentisse repulsa pelo modo como o Otaviano agia por você tudo bem, mas... Você me desconsiderou por completo, meu filho. E se você continuar fazendo tudo o que essa mulher mandar, ela vai te fornecer mais e mais cigarros, papelotes, drogas, o que for!
-Ela não está me usando! Eu sei que não!
-Só me diz uma coisa: você quer largar as drogas?
-Claro que eu quero...
-Responde com sinceridade, Yuri!
-Quero, já falei- é agressivo.
-E a Lana? Você quer se afastar dela também?
-Não, isso não! Isso eu não faço nunca, ouviu bem? Eu não vou deixar a Lana, nem que eu tenha que enfrentar meu pai, enfrentar você ou enfrentar o marido dela! Não vou!
-Aceite as consequências, então... – sai de casa.
-Onde é que você vai? Volta aqui, mãe!
Geraldo está entrando com o carro, e Ana Maria a alcança.
-Geraldo?- bate na janela.
-Senhora, o que foi?
-Você vai me levar pra um lugar agora mesmo- entra no carro- Vai, Geraldo, dá ré.
-Mãe, vem aqui agora! Você não vai pra canto nenhum. Abre a porta desse carro! Eu estou falando com você! Abre a porta do carro!
-Eu não vou deixar essa cachorra se aproximar de você nunca mais. Mais tarde, eu converso com você! Anda com isso, Geraldo!
O carro acelera e o garoto fica cada vez mais histérico, levando as mãos à cabeça e gritando.
-Ela vai atrás da Lana! Eu não posso deixar ela fazer nada com a Lana! Eu vou pegar meu skate!- corre pra dentro de casa e apanha o seu brinquedo.

XXXXX

A campainha da casa de Frederico toca insistentemente. Lana está descansando na sala, tomando um suco e o marido corre pra atender.
-Mas quem é essa pessoa louca que está tocando desse jeito?
Ana Maria entra rapidamente no apartamento e exige ao amigo.
-Me deixa sozinha com a sua mulher!
-Mas o que é que está acontecendo aqui?
-Seu marido sabe muito bem o que eu estou fazendo aqui, e porque eu vim. Sai, Fred, por favor!
Sem dizer uma palavra sequer, Frederico fecha a porta, lamentando muito o que vai acontecer.
-Fred?- levanta-se do sofá- Nossa, quanta influência você está começando a exercer sobre o meu marido, não acha? Ana Maria, eu não sei o que está acontecendo contigo, mas você não pode simplesmente entrar na minha casa e dar ordens ao meu marido como se...
-Cala essa boca, vadia!- desfere uma bofetada no rosto da rival.
-O quê que é isso? Você enlouqueceu de vez? Eu vou chamar a polícia!
-Chamar a polícia pra quem? Pra mim ou pra você? Hein? Responde que eu estou falando, vadia- esbofeteia-lhe novamente.
-Saia da minha casa agora, senão eu não vou responder por mim. Eu sei que você tem enfrentado problemas familiares, mas isso não te dá o direito de...
-Sabe muito bem, não é? Claro que sabe. Fica se refestelando com um garoto de doze anos na cama e vem me dizer que sabe o que está acontecendo comigo? Não, Lana. Você não sabe nada. Nem o Otaviano, nem o Yuri, nem o Fred nem ninguém tem a dimensão do ódio que eu estou sentindo de você! Mas você vai sentir. Cada bofetada que eu dei e que eu der vai ser um pouco do asco, do nojo que eu sinto por você.
-Isso que você falou... Que garoto de doze anos? De onde você tirou essa estória? Que absurdo é esse?
-Frederico e eu ouvimos toda a sua conversa com o Yuri no hospital. O coitado do meu filho não sabe nem disfarçar o que sente. Mas você é perfeita em cada detalhe do seu cinismo. Só que agora acabou, Lana. Eu sei quem você é e o seu marido também sabe a cobra venenosa com quem ele casou!
-Ah, sabe? E o que vocês pretendem fazer? Me mandar pra cadeia? Vocês tiveram, pelo menos, a inteligência de conseguir prova pra me incriminar?
-Logo a polícia vai saber a mulher que você é. Suja, vil, baixa! É isso que você é, e muitas coisas piores.
-Sem ter como provar é mais difícil de me mandar pra cadeia, viu, querida? Eu, se fosse você, já dava um jeito de tirar uma cópia de todo o Código Penal Brasileiro... É, porque se eu vou ser presa, eu tenho que saber, pelo menos, por que eu vou ser encarcerada. Se vai ser pelo tráfico ou pelo abuso sexual do teu querido Yuri.
-Não pronuncia o nome do meu filho...
-Pensando bem...Eu acho que só vou cumprir pena, e se cumprir, por tráfico mesmo. Vão ter que chamar seu filhinho pra depor, e aí vão constatar que ele não foi obrigado a nada. Yuri dormiu comigo porque quis...
-Cala essa boca...
-Olha, e aquele garoto... Vou te contar... A última coisa que ele sabia fazer comigo era dormir...
-Vai continuar falando?- bate em Lana até ela cair no chão- Vai continuar falando o nome dele?- sobe em cima da mulher e continua a bater nela.
-Não seja imbecil! Isso não vai tirar seu filho desse mundo pantanoso que ele fez questão de se enfiar. Ele vai morrer e não vai conseguir se livrar de droga nenhuma. Ai, eu só fico me lembrando da gente sozinho, numa casa, ele feliz, fumando do meu lado. Você acha mesmo que vai conseguir livrá-lo, sua anta?
-Eu não me importo com isso. O que eu quero agora... É acabar com você, maldita!- bate no rosto de Lana, que se levanta para revidar, mas acaba levando outro tapa- O que é? Pensou que pode me vencer?- bate novamente- Hein?- estapeia a vilã diversas vezes até fazê-la sangrar- Hein? Você não é a brava? A que vai se defender? A que vai me matar se ele falar alguma coisa? A que me ameaçou? Mata, piranha! Mata! Acaba comigo! Eu quero ver se você me mata mesmo!
-Socorro! Fred, me ajuda!
-Não toca no nome dele!- chuta o rosto e o ventre de Lana diversas vezes.
-Você vai me pagar caro! Eu vou tirar seu sangue pouco a pouco!
-Vai fazer nada!- chuta o rosto novamente- Nada!- Ah, já ia me esquecendo: se você souber rezar, pede pra todos os santos pro meu filho se salvar, porque senão eu termino o que eu comecei aqui. E aí, meu bem, você vai ter motivos de sobra pra não esquecer meu nome. Uma letra sequer!- cospe e dá novamente um chute violento- Quando você for à delegacia, manda tirar minhas impressões digitais da sua cara! Não é prova que você quer? Vou presa como uma mãe defendendo um filho, vaca! Vou com gosto! Bendita a hora em que o seu morreu. Sabia o ventre diabólico em que morava.
Ela trata de se retirar do apartamento e, com dificuldade, Lana se levanta para ir até o seu quarto e se vê ao espelho. Com ódio, corre para o cofre que está atrás de um grande retrato seu e de seu marido instalado na mesma parede. Ela põe a combinação certa e dele tira um revólver.

XXXXX

Já na rua do prédio onde o casal mora, conversam Ana Maria e Frederico, do outro lado da calçada, em frente a uma loja de noivas. Yuri, trêmulo e suando frio, chega ao prédio, mas vê os dois se falando e fica perto de um poste, avistando-lhes de longe.
-O que você fez?- diz, de forma fria.
-Espanquei aquela vagabunda. Eu nunca pensei que seria capaz disso. E você, Fred? O que você vai fazer a partir de agora?
-Como é que eu posso continuar com esse monstro, Ana Maria? Eu não tenho nem coragem de entrar em casa e dizer o que eu penso dela agora.
-Não se preocupe. Eu acho que já falei por nós.
-Vou ligar pro meu advogado e exigir o divórcio. Ela não vai querer continuar comigo depois que eu descobri que ela... Ana, onde foi que eu falhei no meu casamento? Onde?
-Não, eu não quero ver você chorando. Você... É um homem maravilhoso. Maravilhoso... Eu daria tudo pra voltar no tempo doze anos atrás e ter procurado você pra ser o homem da minha vida.
-Por que você está dizendo essas coisas pra mim?
-Porque a nossa dor é diferente, mas... Eu consigo ver um coração bater de raiva, de rancor, de ódio porque nada vai voltar a ser como era antes. Mas você me ensinou, e a esses meninos da sua ONG que é possível recomeçar. E quando tudo isso passar, eu quero fazer isso. Do seu lado- o beija, quando Lana sai do apartamento e os encontra.
-Vagabunda! Quer roubar o meu marido e diz que eu quero acabar com o teu filho, não é?- aponta a arma para Ana Maria- Só que eu não vou perder meu tempo com aquele moleque.
-Abaixa essa arma, Lana!- Frederico se desespera.
-Sua vida acabou, Ana Maria. Acabou!- atira.

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