12/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 12

-Como vai ser feito aqui? Não tem condições! A minha esposa e o meu filho vão morrer aqui, padre. Será que o senhor não entende isso?
-O que eu entendo, rapaz, é que o bebê pode morrer dentro do ventre da sua mulher. Se os médicos não chegarem, alguém vai ter que fazer o parto.
-Pelo amor de Deus, alguém salva o meu filho! Por favor!
-Eu vou fazer o parto, minha menina!
-Fazer o parto aqui, Sônia? Eu não estou acreditando nisso, só pode ser um pesadelo!
-Para de reclamar e tenta acalmar sua mulher, vai!- Otaviano vai até a esposa e segura sua mão, conforme o pedido do padre.
-Aqui a tesoura- traz Geraldo.
-O que você vai fazer?
-Tenho que cortar o vestido. Não tem como tirar a criança nesse monte de pano- corta o máximo que consegue- Agora você vai segurar na mão do Otaviano e respirar fundo. Faz força pra empurrar o nenê, Ana Maria. Você vai conseguir.
A moça começa a gritar e o padre se ajoelha e começa a rezar pela vida de Ana Maria e do bebê.
-Você vai conseguir, meu amor. O nosso filho vai nascer. Confia em mim- beija-lhe a testa.
-Se eu não sobreviver, cuida dele pra mim?
-Não fala isso! Você vai conseguir, sim! Eu te prometo.
-Faz força, Ana Maria. O seu bebê já está vindo!- grita Sônia.

XXXXX

Jandir e o seu amigo mecânico vão voltando para casa quando ouvem os gritos de Rosane.
-Eu não posso sair daqui! Me leva pro hospital alguém!
-É a voz da Rosane!
-Por ali, Jandir... – ambos correm até o beco onde a moça está caída.
-Rosane? Rosane, meu amor, o que foi? Como é que você veio parar aqui?
-Meu filho vai nascer, Jandir! Me ajuda, chama alguém! Eu não quero que ele morra!
-Tudo bem, eu vou... Eu vou... Cara, vai no orelhão e liga pra policlínica. Mas vai logo!- o rapaz corre até o telefone- Calma, Rosane. O nosso filho vai nascer com saúde, eu sei.
-Eu não sei se eu vou aguentar! Está doendo muito.
-Levanta o vestido, Rosane.
-Eu não consigo, Jandir. É muita dor que eu estou sentindo. Você tem que me levar no médico.
-Calma, meu amor. Eu estou com você. Você sabe que eu te amo e amo o nosso filho, que eu não vou te deixar nunca, aconteça o que acontecer.
-Não!
-Confia em mim! O menino da gente vai chegar já, já...
-Ai!
-Isso, meu amor! Faz força, eu sei que você vai ter. Empurra que eu vou segurar o nosso filho pra você... Nosso filho... Nosso filho... Nosso filho... Nosso filho... Nosso filho... – enquanto grita de dor, Rosane não consegue ouvir a si mesma porque só pensa no erro a que deixou Jandir se induzir. Fecha os olhos com muita força e, rapidamente, abre-os mirando numa calçada banhada em sangue. Vira-se e encontra Igor, cujos movimentos nos braços de Jandir e o primeiro choro emocionam o mecânico.
-Meu filho... Meu menininho... – levanta os braços para tomá-lo. Entregue por Jandir, Igor é beijado pela mãe.
-Eu não disse que o filho da gente ia nascer? Agora eu te amo mais que antes, Rosane. Muito mais- beija a esposa, que chora de emoção e de remorso.

XXXXX

-Vai, minha filha! Faz mais força que eu estou vendo seu bebê!
-Sônia, salva o meu filho, por favor!- Ana Maria implora à sua empregada.
-Nasceu!- brada o padre- É um menino!- avisa enquanto Sônia corta o cordão umbilical de Yuri.
-Ele sobreviveu. É forte, meu amor! Forte como você- afirma Ana Maria.
-Deixa eu segurar meu filho antes, Sônia?
-Aqui, doutor- entrega-lhe o bebê- O seu filho.
-O meu filho. Nosso filho- emociona-se e dá um beijo na esposa.
Diversos carros de repórteres estão tentando entrar na igreja para saber informações sobre o inusitado parto. O rapaz que acompanhou a morte de Dalton observa tudo de muito longe, encostado a uma árvore.
-Se você soubesse quanto desgosto esse pirralho vai te trazer, Otaviano... Eu tenho pena de você. Ou melhor, é exatamente isso que eu quero: que você sofra. Mas não se preocupe... Eu vou saber esperar.

2006

-É pique, é pique, é pique, é pique, é pique! É hora, é hora, é hora, é hora, é hora! Rá! Tim! Bum! Betina, Betina, Betina!- a garota de seis anos assopra as velas de seu bolo, sendo amparada por Rosane e por Igor. Enquanto a mãe da menina parte o bolo, as crianças ficam correndo pela casa, fazendo toda aquela balbúrdia que nem precisaria da ocasião para tal. O mecânico que tentou socorrê-la aparece na comemoração.
-Cadê o beijo do tio?
-Aqui?- Betina retribui o carinho.
-Toma seu prato, Homero.
-Obrigado, Rosane.
-Vem cá, eu quero falar um negócio com você- afasta-o das demais pessoas- Onde o Jandir passou o dia?
-Onde, não é, Rosane? Enchendo a cara. O que mais ele sabe fazer?
-Tanto assim pra não vir nem na festa de seis anos da filha dele? Na casa dele?
-Ele está com muito desgosto. E você sabe o porquê.
-Não, o que eu sei é que eu trabalho na casa dos outros pra sustentar dois filhos e um homem que não vai pra oficina que é dele, porque vive bebendo.
-Sabe, sim. Você dorme com ele e fica falando o nome de outro... Daquele outro que morava aqui na rua e você quebrou o carro que estava na porta da casa dele. Você vive com Jandir já tem doze anos, tem dois filhos com ele, viu ele cuidando da sua mãe antes dela morrer e ainda pensa no outro que  sumiu daqui da vila pra se casar?
-Se o Jandir não está satisfeito, procure outra mulher. E ele que não venha com graça pro meu lado, porque quem vai dizer que está insatisfeita sou eu. Ele pode fazer o que quiser comigo, mas com a filha dele? No dia do aniversário dela?
-Que jeito de falar é esse, Rosane? Parece até que Betina é filha dele e Igor não é...
-Mãe, pega a garrafa de guaraná. Tem um pessoal que ainda não pegou- avisa Igor, interrompendo a conversa.
-Eu vou cuidar do meu filho agora. É o melhor que eu faço- faz o que o filho pede e circula pela festa, deixando o homem intrigado.

XXXXX

Sônia e Ana Maria saem da cozinha conversando animadamente quando Otaviano chega da empresa.
-Boa noite.
-Oi, meu amor. Como foi- dá um beijo- lá na gravadora hoje.
-Meu dia ainda não acabou. Sônia, mande pôr mais um lugar à mesa.
-Por quê? Quem vai visitar a gente a essa hora?
-Humberto Meirelles. Marquei uma reunião com ele, mas ele não pôde vir. Era o único horário que ele tinha disponível...
-Calma, Otaviano. Primeiro me explica: quem é esse Humberto?
-Como “quem é esse Humberto?”, Ana Maria? É o presidente da “TimBRe” Internacional.
-Você nunca me apresentou esse homem.
-Porque não achei necessário. Você não vai à empresa.
-Bom, porque eu sei que estou sendo muito bem representada lá, mas quero conhecer os funcionários da empresa que meus pais criaram.
-E que eu eternizei no mercado. Arrume a mesa, Sônia. Ponha mais um lugar para o Humberto.
-Sim, senhor.
-Melhor ele ocupar o meu lugar- diz Yuri.
-Por que você chegou agora?
-Relaxa, eu estava andando de skate. Passei numa lanchonete e comi um X tudo. Não estou com fome, não precisa arrumar a mesa.
-Claro que precisa, Yuri. Suba e vá tomar um banho. Eu quero você pronto pra receber o Humberto.
-Olha, eu não sei quem é esse cara, mas eu não vou receber ele, não. Amanhã eu tenho aula e eu estou cansado pra caramba...
-Pensasse nisso antes de andar de skate a tarde toda.
-Otaviano...
-Quer deixar eu falar com o meu filho, por favor? Olha aqui, Yuri, Humberto Meirelles é uma pessoa importante e eu quero que você esteja presente com a sua mãe.
-Só se o senhor aumentasse minha mesada pra bancar o ator e fazer de conta que a gente é uma família feliz.
-Yuri...
-Deixa eu falar, mãe? Eu fico sempre todo arrumado, pronto na frente dos outros, como se eu vivesse tirando foto pra álbum. Mas você nem olha pra cara da minha mãe quando acorda, já dá um jeito de se enfurnar naquele prédio.
-Cobrança agora, garoto? Já se esqueceu de que é porque eu vivo enfurnado naquele prédio que você pode andar de skate por aí?
-Quer que eu devolva?
-Melhor essa conversa parar por aqui, Yuri.

-Pro senhor, é bom parar. Só que eu estou começando a falar agora.

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