-Entra,
por favor.
-Com
licença.
-Senta,
Ana Maria. Deixa eu desocupar o sofá- busca tirar a maleta da empresa e arrumar
algumas almofadas.
-Não
vou demorar com você, Otaviano. Tenho que ser direta, e espero que não haja
mais desavenças entre nós.
-Se
existe algum motivo que nos faça brigar, eu o deixei naquela empresa. Por isso,
eu não quero me estender quanto a isso.
-Será
que você não se deu conta do que fez? Você comprou uma briga com o meu pai,
jogou o seu futuro no lixo!
-O
que é diferente daquilo que você faz com ele todos os dias naquela sala de
reunião? A única diferença é que eu fiz isso pra não que me indispor, mais uma
vez, com outra pessoa daquela empresa.
-Você...
Está sendo ameaçado? Está se sentindo acuado por alguém, é isso?- Otaviano
responde com uma negativa- Olha, se alguém estiver tentando te coagir, eu falo
com o meu pai e ele descobre quem é, pondo pra fora da empresa logo em seguida.
-Às
vezes, eu penso que você gosta de brincar comigo. Não é possível que você não
perceba, ou não tenha se dado conta nesse tempo todo em que estive trabalhando
lá.
-Fala
de quem se trata.
-Se
trata... Por favor, eu não quero mais remoer essas lembranças. Me deixa
esquecer dessa história toda, eu ainda não me sinto no direito de revelar o que
eu sinto.
-Otaviano,
diz de uma vez.
-Eu
me sinto acuado por você.
-Por
mim? Mas... O que eu seria capaz de fazer contra você na empresa?
-Não
é o que você poderia fazer comigo lá. Eu não acredito que você seja capaz de
usar o título de filha do presidente da empresa para me prejudicar.
-Então
me diz. Diz de uma vez por que você não vai mais voltar à gravadora. Por que
pediu demissão?
-Porque
eu não quero mais ter que bater de frente com você.
-Se
você sabe que eu não seria capaz de te prejudicar...
-A
questão, Ana Maria, é que eu tenho medo de você me odiar por eu estar sempre
discordando das tuas opiniões e dando crédito ao que o Dr. Dalton diz.
-Por
favor, Otaviano- afasta-se dele- Eu não seria imbecil a ponto de confundir os
assuntos de trabalho com as minhas opiniões pessoais.
-Seria,
sim. Quantas vezes você não declarou ter raiva de mim após ver uma vitória do
seu pai? Quantas vezes você não chegou no seu carro, ao mesmo tempo em que eu
vinha de táxi, e sequer me deu um “bom dia” por conta do seu rancor por mim?
-Otaviano...
-Eu
não suportaria saber que você me odeia mais do que eu sei. Até porque eu... Eu
não te respeito só com uma acionista da gravadora. Sempre que eu te vejo, eu consigo
ir mais além.
-Você
não está tentando dizer o que eu estou pensando, está?
-Talvez
eu me reprimisse por nunca conseguir chegar tão perto de você e ter postergado
a minha iniciativa de falar. A verdade é que eu amo você.
XXXXX
Dalton
chega irritado ao quarto de Ana Maria.
-Satisfeita?
Você conseguiu o que queria, não foi? Apareça agora, vamos ter uma conversa
definitiva- a empregada se aproxima- Onde está ela?
-Onde
está quem, senhor?
-Onde
está a Ana Maria? Quem você acha que eu estou procurando?
-Eu
pensei que ela tinha voltado com o senhor agora.
-Claro.
Como sempre os empregados dessa casa acham que o salário deles é mantido para
que eles pensem. Mas deixa eu te avisar uma coisa: não é pra isso, não.
Localize a Ana Maria imediatamente.
-Mas
como eu vou fazer isso? Eu nem sei onde ela está!
-Procure
alguém que saiba! Ela saiu da empresa antes de mim e não voltou pra casa ainda?
-O
senhor quer que eu vá buscar alguma coisa? Uma água? Um café?
-Depois
de velha, está ficando com crise de memória também? Eu mandei você procurar a
minha filha. E é melhor achá-la ainda hoje, se quiser manter seu emprego nessa
casa. Agora, saia daqui!
-Com
licença- diz, quase aos prantos.
-Que
ela não invente de fazer mais nenhuma besteira. Nenhuma.
XXXXX
-Como
é que você pode descer tão baixo?
-O
quê?
-Você
realmente pensou que essa estória de ser apaixonado por mim iria me comover?
Não bastou aquele “show” que você deu há horas atrás e ainda está tentando me
fazer de palhaça?
-Eu
não acredito que você duvide dos sentimentos que eu tenho.
-Cara
de pau a sua, não é, não? Olha, eu poderia fazer com que você, apesar de todos
os atritos com meu pai, voltasse à empresa. Mas não sou capaz de me sujeitar a
isso depois do que você fez- vai até a porta, mas ele corre e segura a maçaneta-
O que é isso?
-Eu
não vou deixar você sair enquanto eu não tiver terminado de dizer tudo.
-Pode
me poupar das suas mentiras. Agora sai.
-Não!
-Cárcere
privado agora?
-Se
você não dá o menor crédito pro que eu penso ou sinto, o problema é seu. Agora,
daí a você negar o que sente por mim, já é completamente inadmissível.
-Você
está tentando me coagir a falar o que você quer, não é?
-Pensa
por que você está aqui.
-Eu
teria vindo por qualquer um. Qualquer um que me despertasse pena se tivesse
passado pelo mesmo.
-Ana
Maria, você sabe muito bem que eu me demiti porque eu disse que iria provar que
estava falando sério naquele bar. Você não vai ter mais nenhum impedimento. Ou,
pelo menos, o seu pai não vai ter a minha ajuda.
-Golpista.
-Não.
Nem golpista, e muito menos hipócrita quanto você.
-Ordinário-
tenta estapeá-lo, mas ele a beija. Ela
morde seus lábios.
-Faça
o que você quiser. Não vai apagar o que você sente, de uma hora pra outra.
-Nenhum
homem fez isso comigo.
-Nenhum
homem se atreveu a dizer o que pensa de você. Quando eu estou naquela mesa, eu
falo o que penso, e digo que suas opiniões são equivocadas. E eu não quero
chegar ao ponto de mentir pra te satisfazer. Você não vê que eu tento
conquistar seu coração pela sinceridade, como todo mundo tem que fazer?
-Mais
um passo e eu chamo a polícia- ao ver que ele se aproxima.
-Chama
a polícia. Alega pra quem te perguntar que eu não sou qualquer um na sua vida.
Alega que eu estou te fazendo mal porque sou louco por você. Conta que é em mim
como homem, e não como empregado do seu pai, que você pensa. Depõe contra mim-
segura-lhe.
-Sai
de perto de mim- sente-se desconcertada.
-Tenta
lutar. Só não esqueça que você vai sair mais prejudicada. Você perde um
empregado do seu pai e o homem que te ama.
-Eu...
Tenho que ir embora.
Novamente,
ela a beija.
-Você
não sabe o quanto esperei pra ver esse dia chegar- passa a falar em tom baixo.
-Por
que eu penso que vou me arrepender tanto de me envolver com você?
-Se
arrependa, então. Só não deixe de sentir o mesmo que eu.
Ele
desabotoa a blusa de Ana Maria e coloca a mão em suas costas, puxando-a para
junto de seu corpo. Vendo que não havia como fugir, ela toma, desta vez, a
iniciativa do terceiro beijo. Otaviano abre os olhos e olha para um dos sofás,
onde está a maleta que usava. E pensa que essa noite é um novo negócio que lhe
renderá muito.
XXXXX
Seis
da manhã do dia seguinte. Rosane volta da padaria e encontra Jandir pela rua.
-Bom
dia.
-E
então, Jandir?
-Sua
mãe está melhor?
-Ainda
na mesma. Sem poder fazer esforço, eu cuidando da casa...
-Sei.
Eu também naquela correria de sempre, indo pra oficina.
Rosane
vê o carro de Ana Maria em frente à casa de Otaviano.
-De
quem é aquele carro, Jandir?
-Aquele
carro?
-É.
O dono da casa que comprou?
-Deve
ser. Ele não trabalha numa empresa de vender disco? Mão de vaca que só ele,
esconde a vida dos vizinhos. Eu vou lá.
-Tchau-
olha para Jandir se afastando e vai até a casa do rapaz. Observa bem o carro e
vê que ele tem uma bolsa feminina dentro. Otaviano abre a janela, sem camisa, e
leva um susto ao ver Rosane.
-Rosane?
-Bonito
carro. O emprego é bom mesmo. Ninguém daqui da vila tem um carro desses.
-Obrigado-
sorri sem achar graça.
-Teu
chefe pode até te pagar bem, mas você não comprou isso.
-Como
assim?
-De
quem é esse carro, Otaviano? Eu sei que não é seu, tem uma bolsa de mulher lá
dentro. Quem é a mulher que está com você?
-Otaviano...
– chega Ana Maria, com uma voz de sono, aproximando-se de Otaviano e olhando
para Rosane, que não acredita no que vê- Bom dia...
-Bom
dia...
-Não
vai apresentar a gente?
Otaviano
procura manter a tranquilidade, e Rosane espera para saber o que ele dirá.
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