11/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 11

Na sacristia, Otaviano e Rosane ainda estão tensos quanto à presença um do outro.
-Pelo visto você não vai desistir até acabar comigo, não é, Rosane?
-Olha pra mim, Otaviano. Olha. Faz nove meses que você não pisa mais naquela vila, não olha na minha cara, não procura ao menos saber se eu estou viva ou morta...
-Não é de agora. Nunca fiz isso. O que aconteceu entre nós dois ficou no passado, e como foi um erro, tem que ser esquecido.
-Você esqueceu?
-Já. Falta você.
-É muito fácil falar de esquecer um amor pra você.
-Claro que é. Eu nunca te amei.
-Mas deixou um filho em mim!
-Filho esse que, se dependesse de mim, não existiria. Eu fiz questão de dar dinheiro a você pra que esse bebê morresse. Seria tudo tão simples, mas você fez questão de complicar pra levar essa gravidez até o final.
-Não é possível que você não sinta nada. Um pingo de amor. Se não é por mim, pelo menos por uma criança.
-Sinto. Tem uma criança que, apesar de ainda não ter nascido, eu já amo mais que tudo nesse mundo. Mais até do que o dinheiro dos Bittencourt: o meu filho com a Ana Maria.
-Filho? Que filho? O único que você vai ter é o meu! Eu vou te dar um filho.
-Não. Você vai dar um filho pro mecânico, porque ele vai cuidar e dar o mesmo amor que eu vou dar pro filho da minha futura esposa. Coloca uma coisa na sua cabeça, Rosane: eu nunca vou ficar com você novamente. Se eu não cogitava isso antes, agora é que não vai ser. Eu não amo minha mulher, mas amo o filho que vou ter com ela.
-Otaviano...
-Você e essa criança podiam morrer, não é? Tipo, sei lá, cair da escada, atravessar a rua... Porque é exatamente isso que eu desejo pra todos que tentam me prejudicar. O Dalton descobriu o nosso caso e teve aquele fim que todo mundo sabe. Pelo menos foi natural. Agora, se você cruzar o meu caminho mais uma vez, você e o seu filhinho vai sofrer. E não vai ser pelas mãos do destino, não. Pelas minhas.
-Otaviano, cadê você... Rosane?- Ana Maria surpreende-os- O que vocês dois estão fazendo aqui?
-O padre não falou? Eu estava impaciente e fui tomar um copo d’água. Aí, encontrei a Rosane.
-Mas você não devia estar lá fora, com os outros convidados? Por que vocês estão na sacristia?
-A Rosane não vai assistir ao nosso casamento, meu amor- aproxima-se da noiva.
-Não? Mas você é vizinha dele, eu faço questão de ter você conosco.
-Eu só passei pra...
-Dar um abraço. Ela não vai acompanhar a cerimônia. Ela tem que ir com o marido dela pra maternidade.
-Agora que eu reparei. Gente, mas sua barriga está muito linda. É menino ou menina?
-Não sei, não quis saber pra ter a surpresa. Mas torço pra que seja um menino como o pai. Como o pai mesmo não, mas que seja um menino.
-Tomara.
-Eu vim pra desejar boa sorte. E que vocês sejam muito felizes- ironiza sem que Ana Maria perceba.
-Tenho certeza de que você vai ter um bebê saudável. Ele ainda vai dar muitas alegrias pra você e pra todos os que estiverem perto dele.
-Tomara. Bom, eu tenho que ir. Com licença.
-Adeus, Rosane.- fala Otaviano.
-Adeus- sai emocionada da sacristia.
-Bom, eu desejo, do fundo do meu coração, que ela seja feliz. Mas agora está na hora da gente ser feliz, não é, meu amor?
-Com certeza. Vamos pro altar começar a melhor parte da nossa vida a dois.
-Quebrei uma tradição: não era pra você me ver antes do casamento vestida de noiva. Dá azar.
-Eu também tinha quebrado uma tradição antes de me envolver com você: não seguir o desejo do meu coração.
-Cada dia eu te amo mais, sabia?
Otaviano responde com um sorriso e dá um abraço em sua noiva.

XXXXX

Rosane está andando cabisbaixa, chorando bastante com o ocorrido na Basílica Central. Perto de um beco, é abordada violentamente por um adolescente que segura uma lâmina de barbear.
-Passa a grana. Passa tudo o que tiver, moça. Anda logo!
-Não tenho nada. Não tenho!
-Passa logo!- aproxima o objeto do pescoço de Rosane- Quer que eu acabe com a tua raça?- põe a lâmina sobre o ventre da gestante- Corte sua barriga? Quer? Me dá o dinheiro, vagabunda!
-Minha carteira não tem nada, eu juro!
Ouvem-se diversos passos apressados e uma sirene policial. Diversos menores de idade viciados em entorpecentes correm até o delinquente.
-Vaza daí, “Porcelana”! O pessoal da polícia vem aí!- avisa um deles. Rosane é jogada no chão pelo bandido.
-Deu sorte, vadia! Deu sorte!- corre junto com os outros dependentes químicos.
Dois carros da polícia correm atrás do criminoso e dos adolescentes. Rosane fica desesperada porque percebe que sua bolsa estourou.
-Socorro! Alguém salva o meu filho! Por favor! Alguém me escuta! Meu filho vai nascer!
Enquanto isso, as viaturas e os menores de idade estão acelerados. O bandido que tentou assaltar Rosane, conhecido como “Porcelana”, consegue entrar em outro beco e se desviar dos policiais. Ao sair dele, atravessa a rua que está com o semáforo permitindo a passagem de carros. Um deles o atinge, jogando-lhe na calçada, completamente desacordado.

XXXXX

Ainda na Basílica Central, Otaviano está menos tenso porque sabe que Rosane nada mais tentará contra seu casamento. Sônia está emocionada com a união do rapaz com sua protegida. O padre segue com a cerimônia.
-Otaviano, você aceita Ana Maria como sua legítima esposa e promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe?
-Sim.
-Ana Maria, você aceita Otaviano como seu legítimo esposo e promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, até que a morte os separe?
-Aceito.
-Troquem as alianças, por favor- os noivos não escondem a felicidade, ainda que por motivos diferentes- Eu vos declaro marido e mulher. Já pode beijar a noiva.
Antes que pense nisso, Otaviano percebe que a bolsa de Ana Maria estourou. Ela não nota, até sentir uma contração muito forte que a faz cair no altar. O padre se desespera.
-Ela dará a luz!
-Ana Maria, nosso filho vai nascer!
-Chama uma ambulância, Otaviano! Por favor!

XXXXX

Rosane continua caída no beco, sozinha.
-Socorro! Calma, meu filho. Você vai nascer, mesmo que o seu pai não queira, você vai nascer. Deus, se o Senhor existe mesmo, salva o meu filho! Salva, Senhor!
Por um momento, ela sente que uma luz invade aquele beco, mirando num dos bolsos da roupa que está usando. Sem entender aquilo, as contrações param e ela põe a mão no bolso: tira dele o amassado folheto distribuído por uma evangelizadora que desprezou. E dela se lembra bem...
-Vai chegar o momento mais difícil da sua vida.
-Não acho que ela possa ficar pior do que está.
-Se depender de você, pode ficar melhor do que está.
Lê o folheto, com uma mensagem simples.
-Você tem tempo pra Deus hoje? Se tiver, saiba que N’Ele você poderá confiar na hora da sua atribulação, e que se a sua fé for N’Ele depositada, sua vitória estará garantida.
-Cuida dele pra mim se eu não sobreviver, Senhor. Abençoa o meu filho. Livra o meu menino da morte. Se for da tua vontade, me leva!

XXXXX

Ana Maria sente fortes dores. O padre pede para o motorista, que está perto dos noivos.
-Traga uma tesoura, rápido- Geraldo se apressa e corre até a sacristia.
-O que o senhor vai fazer?- pergunta Otaviano.
-Não vai dar tempo para a ambulância chegar, Otaviano. O parto vai ser feito aqui!

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