24/10/2013

SOBRE PRÓDIGOS E PRODÍGIOS/ CAPÍTULO 24


-Ai... Ai, Otaviano... Otaviano?
-Pai? Pai, por favor fala comigo!- Yuri segura o pai que está caindo da cama e sente sua mão ficar molhada de sangue. Otaviano se vira para o filho e revela a profunda cicatriz causada por Ana Maria.
-Pega o carro, Geraldo. Ele vai morrer!- Sônia fica angustiada, enquanto Igor fica paralisado com o ocorrido. Geraldo vai até Otaviano e levanta sua cabeça, antes que ele desmaie.
Yuri não sabe o que vai fazer e corre. Igor lhe impede, ficando em frente à porta.
-Não vai.
Desesperado, ele empurra o irmão.
-Me deixa- desce às escadas.
-Sônia, o que foi que eu fiz? Eu matei o meu marido, Sônia!
-Calma, minha filha. A gente vai levar o doutor pro hospital. Fica tranquila.
-Sônia, ele está perdendo muito sangue. Eu não posso levar o Seu Otaviano até o carro, chama os seguranças pra abrirem a porta do carro, rápido- o motorista tira a chave do bolso e entrega à governanta.
-Já vou, já vou.
-Otaviano... Fala comigo! Otaviano!
-Ele está perdendo os sentidos, dona Ana!
-Nunca vai me vencer. Você pode me matar, mas não vai tirar o que é meu. Eu não me arrependo de nada do que eu fiz, nem vou me arrepender nunca.
-Por que você fez isso? Por quê?- chora, pondo a cabeça sobre o colchão. Betina chega ao quarto.
-Quem está gritando, Igor?
-Vai pra lá, Betina. Vai. Eles estão conversando, eu vou com você- Igor afasta a irmã do quarto do casal levando-lhe á cama, mas não deixa de pensar no que fez Yuri- Onde será que ele foi? Não deixe ele fazer nenhuma besteira. Protege a vida dele...
Geraldo leva Otaviano, em estado de choque, nos braços e vai ao encontro dos seguranças, acompanhado de Ana Maria.

XXXXX

Yuri volta à casa onde foi levado por Lana. Alguns usuários de drogas se assustam com a forma como ele entra no local.
-Onde ela foi? Cadê ela?- pergunta, aos prantos.
-Que é isso, boy?- uma das crianças se aproxima do herdeiro.
-Chama ela, eu quero ela aqui!
-Ela quem, compadre?
-A La... Porcelana! Cadê o “Porcelana”? Eu quero ele aqui!
-Pode deixar- Lana vai à sala e acalma os presentes- Vamos lá pra dentro, e ninguém me segue. Se a polícia bater aí, é pra me chamar, certo? Vem, Yuri- levanta o garoto do chão e o leva pro quarto- Você ficou maluco? Quase inventou de falar meu nome lá fora! E se a polícia estiver no encalço deles e te escuta?
-Para! Para de gritar comigo! Eu só quero que você me...
-Te venda droga? É isso que você veio fazer aqui? Tudo bem. Me diz quanto você tem aí que eu te dou.
-Eu não trouxe nada, Lana!
-Porcelana! O meu nome aqui é esse! O que foi? Você achou que só porque sabe do meu segredo eu ia te dar droga? Ledo engano, meu querido. Pode tratar de se mandar daqui, anda!
-A minha mãe matou o meu pai!- grita.
-O que foi que você disse?
-Eles estavam se matando... –soluça- Ele começou a apertar o pescoço dela e a minha mãe... Deu uma facada nele. Meu pai caiu na cama junto de mim...
-Ele morreu? Você tem certeza disso? De que ele morreu?
-Eu não sei, eu não fiquei pra ver. Só sei que eu quero um cigarro. Um só não, eu quero muitos. Todos o que você tiver, depois eu dou um jeito de pagar a você, mas não me deixa lembrar daquilo tudo de novo...
- Calma, Yuri! Calma! Você tem que se acalmar! Calma!
-Ele não pode ter morrido. Não pode... Não foi ela, não foi ela, não foi, não foi...
-Quem vai te proteger sou eu, viu? Eu não vou deixar que nada de mal te aconteça, que ninguém te machuque de novo- abraça-lhe.
-Por que você está dizendo isso?
-Porque eu também me sinto muito sozinha, apesar da vida que eu levo. Eu não me sinto amada, como você também não se sente, Yuri. Alguma coisa eu tenho que fazer pra esquecer esse vazio. Me abraça, Yuri. Me abraça.
O garoto atende ao apelo da criminosa.
-Eu não quero voltar pra casa. Deixa eu ficar aqui com você. Só hoje, por favor.
-Pode ficar. Eu também te quero aqui hoje. Quem sabe eu queira alguém pra ficar do meu lado durante toda a vida?- Lana beija o adolescente, e seu pensamento vem logo em seguida- Só assim eu vou conseguir calá-lo. Fingir que gosto dele.
-Por que você fez isso?
-Você não gostou?
-Muito. Gostei muito.
-Vai ser um segredo nosso. Um segredo que eu quero reviver a minha vida toda...

XXXXX

Na delegacia, Ana Maria está acompanhada de Geraldo e Sônia. Novamente, o delegado que cuida do caso de Rosane.
-Eu já tomei o depoimento de sua governanta e de seu motorista. Quem mais presenciou a briga que a senhora teve com seu marido?
-O meu filho Yuri e Igor, um dos garotos que eu trouxe pra minha casa, como o senhor sabe.
-Seria prudente trazê-los até aqui para ouvirmos o que eles têm a declarar sobre o ocorrido.
-Não sei onde meu filho está, doutor. Eu lembro que ele segurou o pai tentando me defender, mas o Otaviano só parou de me sufocar quando eu o esfaqueei.
-Vamos atrás do seu filho, e chamaremos o Igor aqui para esclarecer tudo oi que viu. Sra. Bittencourt, já deu pra entender que o clima entre a senhora e o seu marido não é um dos mais amistosos. Eu percebi quando a senhora o acusou de denunciar o paradeiro dos filhos de Jandir Antunes.
-Eu descobri que só a menininha, a Betina, é filha do Jandir. O garoto é filho do meu marido.
-Como?
-No passado, eles tiveram um caso. E desse caso, nasceu o Igor. Eu o abriguei em minha casa sem saber que ele era meu enteado.
-E ele, transtornado pelo fato de a senhora ter descoberto tudo, tentou lhe calar.
-Até que eu peguei a faca e...
-Mas agiu em legítima defesa.
-Porque pedi o divórcio e o fiz confessar o caso que teve com aquela vagabunda. Disse que ele estava sendo gravado e ele se descontrolou. Mas eu não me arrependo, doutor! Não me arrependo de absolutamente nada! E se aquela mulher estivesse viva, eu mesma a mataria! Uma pena que a vida tratou de levá-la antes, num acidente.
-Não creio que tenha sido acidente. Rosane pode ter sido morta.
-O que está dizendo?
-Eu só queria saber se essa mulher foi capaz de despertar o ódio de alguém para ser assassinada.
-Na época em que a conheci, não. Mas hoje, sim.
-Qual foi a última vez que a viu?
-No dia do meu casamento, há doze anos... Mas por que o senhor está me perguntando isso? Desconfia de mim?
-Eu não sou pago pra desconfiar, e sim para esclarecer questões, senhora. O seu advogado já entrou com um pedido de habeas corpus, e se tudo correr conforme o previsto, ainda hoje a senhora será liberada, embora não deixe de responder o processo.
-E o meu marido?
-Dr. Otaviano continua internado, mas não se preocupe. Está fora de perigo.
-Tinha mais era que morrer. Mas o castigo dele vai chegar. Eu sei que vai.

XXXXX

Frederico recebe uma ligação na ONG.
-Alô?
-Frederico? Sou eu, Lourenço Viana.
-Como vai, doutor? Algum problema?
-Eu liguei para avisar que falei com o laboratório e o resultado dos exames ficarão pronto em, no máximo, uma semana.
-O que o senhor achou? Já dá pra ter alguma ideia?
-Realmente, é muito cedo pra diagnosticar alguma coisa. Eu informarei quando tudo estiver pronto.
-Tudo bem, doutor.
-Lembre-se: trate de convencer sua esposa a fazer os exames dela também. A hora de tirar todas as dúvidas sobre gravidez é agora.
-Está bem. Eu vou trazer a Lana. Darei um jeito de convencê-la. Vamos saber se o problema é comigo... Ou com ela.

XXXXX

Otaviano acorda com um adesivo posto em seu rosto, além de uma faixa amarrada ao seu braço. Uma enfermeira e um médico o acompanham.
-Onde eu estou?
-No hospital, Otaviano. Como se sente?
-Dolorido. Não consigo nem me virar.
-Otaviano, foi muito difícil conseguir salvá-lo. Tivemos que fazer uma transfusão. Houve uma perda muito grande de sangue.
-Maldita desgraçada. Ela vai me pagar pelo que ela me fez. Pode ter certeza de que eu vou fazer pior. Quando eu vou poder tirar isso aqui, doutor?
-Ainda vai demorar um tempo. O corte que você sofreu foi muito profundo.
-É. Eu imagino que tenha ficado uma cicatriz horrível.
-Sim, Otaviano. Ficou.
-Mas assim que eu receber alta, eu posso fazer uma plástica pra ter o rosto de antes, não é?
-Não é tão simples assim.
-Como não? O que quer dizer?
-Se você se operar, isso pode trazer riscos à sua saúde. Entenda: seu caso foi bastante complicado. É um milagre você estar vivo...
-Eu não acredito em milagres. Acredito em fatos. Diga de uma vez o que está tentando me dizer.
-Você não vai poder fazer uma plástica e ter o seu rosto de volta, Otaviano...

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