Diversos presos começam a
gritar, chamado por qualquer carcereiro que possa ajudá-los. Um homem está
passando mal na cela que fica em frente à que está trancando Murilo e Irandir.
-O que é que esse homem tem?
-Problema de coração. Vez ou
outra, ele tem esses ataques.
-Alguém tem que fazer alguma
coisa. Esse homem vai acabar morrendo! Carcereiro!- começa a gritar- Alguém
traz ajuda aqui!
-Não adianta, Murilo. Esse
velho já passou mal não sei quantas vezes. Nunca ninguém faz nada.
-Como não faz? Tem que chamar
um médico! E se esse homem morre?
-Sem médico. Faz mais de três
meses que nenhum atende aqui. Acorda pra vida, rapaz. A gente “tá” num
presídio! O Estado tem que proteger a gente, mas parece que a gente “tá” é
solto por aí. Sem médico, droga rolando, o pessoal falando ao celular
negociando droga, dinheiro e a vida dos outros. Não é o primeiro.
-Já foi, já foi... – fala um
dos presos, sinalizando que o detento acaba de falecer. Os outros presos da
cela se afastam.
-Ninguém... – Murilo lamenta,
olhando para a cela- Ninguém foi até a direção pedir um médico?
-Pra quê?
-Alguém tem que interceder. E
se isso acontece com outro?
-Já aconteceu, Murilo. Eu
acabei de dizer. Com essas perdas a gente se acostuma. Só não aconteceu mais
porque no mês passado, muita gente conseguiu fugir na rebelião.
-Só espero que, apesar disso,
ele tenha encontrado a paz.
-Nesse inferno?
-A gente não sabe o que se
passava no coração dele. Não posso julgar, você também não.
-Vai dizer que dentro de
você, não culpa seu filho por toda essa desgraça?
-Culpo, mas não deixo de
amar.
-Nunca mais você teve notícia
do... Como é que vocês chamavam ele?
-Gigante. Apelido caiu como
uma luva. Na igreja, a gente diz que gigante é uma adversidade, mas que ela é
menor do que o nosso Deus. Talvez o meu filho seja a minha adversidade...
–chora- Meu próprio filho, minha adversidade.
O caminhão com as revistas
chega à loja de conveniência de um posto de gasolina, alvo de Paulo, Rebeca e
Alexandre. O terceiro entra no local, um pouco tenso, mas se dirige à
balconista.
-Onde é que fica batata
frita?
-No último corredor à
direita, lá no fim.
-Valeu- pega uma cesta e vai
ao local indicado. Assim que os entregadores da editora chegam, cumprimentam a
moça. Alexandre começa a colher diversos itens e os coloca na cesta. Não
observa, portanto, que os dois rapazes conversam com a balconista.
Do lado de fora, Rebeca e
Paulo colocam seus capuzes e arrancam as placas do caminhão. Paulo faz um sinal
de que está pronto a entrar com a cúmplice, e o terceiro jovem vê pela vitrine
da loja. Alexandre se abaixa, quando...
-Todo mundo abaixado! Todo
mundo pro chão, agora! Anda, anda logo! Fica no chão- assustados, obedecem a
Paulo. Alexandre tira a camisa azul, desviado da única câmera de segurança que
há no local. Rebeca pula até o caixa, também munida de um revólver.
-Abre a caixa registradora
logo. Ninguém vai machucar você!- a jovem ameaça.
-Por favor, não faz nada
comigo! Eu tenho filho pequeno...
-Vou fazer se você não tirar
o dinheiro todo! Vai! Rápido!
Alexandre tira outra camisa
que está vestindo, de cor preta e, sem ser percebido pelo circuito interno,
joga-lhe sobre a lente. Após isso, pega a camisa azul e a cesta, correndo para
o lado de fora. Os dois entregadores estão sob a mira de Paulo, e não veem o
rapaz saindo. A moça, assustada, coloca tudo num saco preto entregue por
Rebeca.
Alexandre volta a vestir a
camisa azul que estampava dentro do posto. Logo tira de seu bolso duas luvas e
uma chave, abrindo com esta a porta do caminhão.
-Pronto?- Paulo pergunta à
Rebeca.
-Tudo limpo.
-Agora você se abaixa! Se
abaixa, pô! Eu”tô” mandando!- começa a gritar com a balconista- Olha só, essa é
pros três, hein? Vocês vão contar até cinquenta e com a cabeça abaixada. Quem
levantar antes disso leva um teco, “tão” entendendo? Começa a contar, vai!-
aproxima a arma da moça que, chorando, continua a lhe obedecer. Os outros fazem
a mesma coisa até que Paulo e Rebeca saiam da loja e encontrem Alexandre, que
passa a dirigir o veículo.
Ao final de um culto
vespertino na Igreja Lar Celestial, Célio Rebello canta um louvor enquanto
recolhe os dízimos de alguns fieis. Todos os irmãos saem cantando o hino. O
pastor é o mais entusiasmado, sempre dando um jeito de olhar para a cesta,
repleta de dinheiro. Sobe até o púlpito, sem perceber que Natália, que o
observava desde o final do culto na porta da igreja, o segue com um olhar de
seriedade.
-A paz do Senhor, irmã.
-Amém- responde sem saber se
é assim que se responde tal cumprimento.
-Desculpe, irmã, mas eu não
me lembro da senhora aqui. É recém-convertida?
-Nem convertida sou- isso faz
Célio ficar mais sério- Na verdade, eu entrei porque precisava de uma
informação.
-Devia ter chegado mais cedo.
Tenho certeza de que ia achar o nosso culto uma maravilha- Natália olha para o
pastor, ainda segurando a cesta.
-Pro senhor deve ter sido
mais, sem sombra de dúvida. Acompanhei o final do culto e esperei para falar
com o senhor. Como é pastor daqui, vai saber me informar com precisão.
-Vejo que é urgente... Diga,
o que quer saber?
-Onde está o pastor Murilo
Nobre?
-O irmão Murilo não
compareceu hoje à igreja. É muito estranho, ele nunca falta.
-Tem ideia de onde posso
encontrá-lo?
-Ele mora nessa mesma rua. No
final mesmo, a última casa do lado direito, de primeiro andar. Será que eu não
posso ajudar? Também sou pastor daqui.
-Meu assunto é pessoal.
-Bom, se é assim... Só seguir
o que eu falei.
-Obrigada- recoloca a bolsa
em seu ombro e segue até a casa de Murilo.
Na residência de Murilo,
Verônica está insone, com a mesma roupa da noite passada, na qual esperou
Gigante chegar.
-Meu amor, vem almoçar. Você
não comeu nada o dia todo.
-Não sinto fome, e eu não sei
como você pode sentir com o seu filho desaparecido.
-Tudo o que eu fiz estava ao
meu alcance, Verônica. Eu não posso jogar a toalha porque acho que o nosso
filho tem jeito. Mas foi uma escolha dele.
-Que escolha é essa? Um filho
escolhe abandonar os pais e sumir no mundo sem dar notícias? De onde está, se
está bem, com quem está, o que anda fazendo?
-Sabemos o que ele fazia e
faz.
-Por favor, não!
-O que a gente ganha fingindo
que as coisas estão normais, Verônica? Ele começou... Começou roubando coisas
dentro de casa, pegando nossos objetos pessoais pra comprar coisas que ele
dizia ter direito, já que nunca tirei um centavo da igreja... Depois, entrou na
casa dos vizinhos. Eles chamaram a polícia, mas só a gente sabia do que ele era
capaz. Foi um milagre ninguém saber de nada
-Meu filho não é nenhum bandido,
Murilo!
-Mas o meu é. Você sempre foi
uma mãe carinhosa, protetora ao extremo, mas passou a se cegar. Fechou os olhos
pra tudo que o Gigante vinha fazendo, mesmo com todos os exemplos que a gente
sempre deu.
-O Gigante vai voltar! Eu
tenho certeza disso, como eu tenho de morrer!
-Eu creio nisso. Você não
sabe o quanto eu oro pra que ele se volte pro caminho de luz que ele seguia,
Verônica. Mas eu abomino a mentira, e eu não vou mentir pra nós dois. Nosso
filho é bandido, sim.
A campainha toca e Murilo vai
atender.
-Eu estou procurando... – olha
para o pastor- O senhor é Murilo Nobre?
-Sou. A senhora “tá” me
procurando?
-Não. Procuro o seu filho.
Tenho que falar com ele uma coisa urgente.
-Urgente? A senhora sabe onde
ele está?
-Como “onde está”? Essa é a
casa dele, não é?
-Eu sou o pai dele.
-E eu sou a mãe- Verônica se
aproxima, curiosa.
-Ah, a mãe dele...
-O que é que a senhora quer
dizer pro meu filho?- Murilo fica apreensivo, pensando que Natália pode saber
de algo sobre o paradeiro de Gigante.
Célio vai até a urna que, há
pouco tempo atrás, foi verificada por Murilo quando recebeu a oferta de Ivone
para obras na Igreja Lar Celestial.
-Onde é que Murilo colocou a
chave da urna? Não “tô” achando... Olha para o chão, nas proximidades da porta do
recinto, onde o molho está caído. Apanha-o e se surpreende ao ver apenas a
quantia entregue pela frequentadora.
-Não é possível... Sumiu... O
dinheiro sumiu! Mas quem foi que roubou o dinheiro que... – começa a vasculhar
em algumas gavetas, até que um único nome lhe vem à cabeça.
-Murilo... Ele sabe de alguma
coisa. Ele deve saber do paradeiro desse dinheiro. Tem que saber!- coloca o
montante que recebeu no culto vespertino na urna, para depois fechá-la e sair
correndo.
Alexandre dirige o caminhão
em alta velocidade. Rebeca se assusta.
-A gente não tá indo rápido
demais? Não vai dar tempo nem dos dois entregadores prestarem queixa.
-Não, ele “tá” certo. A gente
não pode bobear.
-Por favor, Paulo! Nós dois tiramos
as placas do caminhão, não tem como eles acharem a gente. Pra completar, essa
avenida não tem uma blitz sequer.
-Tô dentro do limite, Rebeca.
-Olha pra frente, Alexandre!-
Paulo o repreende por se distrair.
-A gente vai pra onde agora,
Paulo?
-Pra casa, não. Se alguém
reconheceu a gente, vai ser o primeiro lugar onde vão procurar. Alexandre vai
deixar o caminhão num lugar qualquer e a gente vai se hospedar numa pensão.
Como a gente é novo no apartamento, ninguém vai dar pela nossa falta em dois
dias. Só até a poeira abaixar.
-Paulo, “tão” seguindo a
gente- o condutor olha o retrovisor.
-Quem?
-A polícia! Já “tá” bem
atrás. Agora foi pro seu lado!
-Droga!- tira a arma do
bolso.
-Paulo, não!- Rebeca implora.
-Não “tô” disposto a perder a
minha liberdade, nem qualquer centavo desse dinheiro- coloca a arma para fora
do caminhão, atirando contra a viatura duas vezes.
-Atira no pneu deles-
Alexandre grita ao volante.
-Eu vou é matar quem “tiver”
lá dentro. Só eles sabem da gente!
-Pra onde eles vão?- Rebeca
vê a viatura se afastando e aumentando a velocidade cada vez mais.
-Desvia pra esquerda,
Alexandre- o rapaz fica nervoso e acaba passando da curva que lhe é
recomendada. Não vai dar pra recuar!
-Para o caminhão, ele vai
bater!- Rebeca grita, ao perceber que a viatura se atravessa em plena avenida,
o que impede a passagem dos outros veículos.
-O que é que a gente faz
agora?
-Passa por cima!- sugere
Paulo.
-Você ficou maluco?
-Ou isso ou a gente vai pra
cadeia, Alexandre! É isso que você quer?
Dois policiais descem da
viatura apontando armas e um delegado grita para os bandidos.
-Vocês não têm mais saída!
Saiam do veículo imediatamente! Estão presos!
-Avança com o caminhão! Passa
por cima!
-Eu não posso fazer isso!
-Melhor se entregar, Paulo!
-Avança com esse caminhão
agora, Alexandre! Vai!
O garoto pisa no acelerador
enquanto chora. Os policiais se aproximam.
-Vão matar a gente!- grita um
deles.
-Atira! Atira pra ele parar!-
o delegado ordena.
O segundo, sem recear, atira
uma única vez em Alexandre, que cai desmaiado ao lado de Rebeca. O veículo avança
e atropela os dois oficiais, batendo na viatura policial, jogando o delegado
para o lado oposto da via.
Mas Paulo e Rebeca não saem
ilesos quando Alexandre, ao não conduzir o veículo, bate numa árvore próxima
aos destroços da viatura. A moça fica com um ferimento nos lábios e se apavora
com Alexandre ao lado, baleado pela polícia. Ela coloca a mão no pulso dele.
-O Alexandre...
-Dançou, Rebeca. Já era.
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