29/09/2018

VALENTE VALENÇA/ CAPÍTULO 17


-Viste bem, Valente. Eu fui agredida por este...
-Nem ouses terminar o insulto, senão sou capaz de fazer coisa pior!
-Já chega! Os dois!
-Ainda vais defender este tipo depois de ele ter cuspido na minha cara?
-Ou depois de tu o teres agredido com uma bofetada?
-Tu estavas aqui?
-Convenhamos que o ser humano sair para comprar pão, e a sua noiva entrar como um foguete no seu prédio é estranho... Lógico que eu cheguei a seguir-te. E ouvi cada palavra que os dois trocaram, Cissa.
-Estás a usar este tom comigo por que, Valente? Acaso pensas que vou arrepender-me do que digo ou disse a este sujeito?
-O que sei é que não vai mais se repetir. Posso garantir, e sabem por quê? Porque agora mesmo terão que se desculpar um com o outro.
-Eu não vou pedir perdão a esta garota. Muito menos depois do que ela fez comigo!
-Queres dano pior do que o que fizeste ontem, atraindo para si as atenções dos convidados do meu noivado, e jogando o nome do meu noivo na lama? Quem faz questão de não pedir desculpas sou eu!
-A Madre sempre me dizia que uma das minhas qualidades era a paciência... – Valente senta no sofá do apartamento e olha para Cissa e Tato- Eu tenho o dia todo, mas nenhum dos dois sairá daqui sem falar o que eu disse. Desculpas mútuas agora!
Após segundos de um silêncio sepulcral, Tato e Cissa decidem conceder o perdão um ao outro, unicamente para evitar desavenças com o saxofonista. O filho de Kleber e Dora é o primeiro a falar, bastante a contragosto.
-Desculpa-me, Cissa.
-Desculpes o meu... Desculpe por ter eu me excedido.
-Muito que bem!- Valente levanta rapidamente- Agora, ouçam-me com atenção: eu não vou permitir que o meu apartamento transforme-se num campo de batalha. E vou deixar bem claro para que não ousem interpretar-me de maneira equivocada: não estou nem um poucochinho preocupado com o que as pessoas pensam a meu respeito. Enquanto estiverem preocupados acerca do modo que eu uso para viver, eu vivo.
-Pareces que não quer entender a situação, Valente. Não bastando o meu irmão, este garoto quer arrastar teu nome para a lama!
-Com o que te afliges, Cissa? Que pensem errado de mim porque abriguei um rapaz sem-teto na minha casa?
-Se isto não é motivo para ti, é para mim! O que queres? Ser vítima de maledicência de todos? Da vizinhança, do teu trabalho, dos nossos amigos, da igreja?
-As pessoas de quem eu me cerco não perdem tempo falando pelas minhas costas. Mudes o teu círculo de amizades, caso estejas ouvindo coisas mentirosas a meu respeito. O meu compromisso, Cissa, é com a verdade.
-E comigo, como é bom frisar!
-Quando me conheceste, sabias como eu era, que gostavas de ajudar as pessoas, porque eu fui alguém que precisava de ajuda. Não inventes agora de tentar me mudar, porque eu não vou me encaixar no padrão de ninguém. Se tu gostas de mim, nem cogites a possibilidade de irritar-se com a minha maneira de ver o mundo.
-Mundo esse bem diferente de ti!
-Não importa! Se não ajudas o Tato com atitudes, ores por ele. E se nem isto queres fazer, deixes que eu faça.
-Pois bem... Se estás disposto a ouvir aquilo que não mereces ouvir, passes a sustentar esta situação infame. Eu não tenho mais nada o que fazer aqui, com licença...
-Eu ainda não terminei de falar contigo, Cissa.
-O que foi agora?
-Ontem, saíste tão estabanada com tua amiga e teu irmão, Michel, que se esqueceste de passar por um rito do noivado- Valente vai até uma das gavetas de seu criado-mudo e traz uma caixa vermelha, entregando-a à noiva- Abres.
-É o que eu estou pensando?
-Talvez. Vejas por si mesma.
Cissa abre a caixa e encontra duas alianças, sendo que uma é posta em seu dedo anelar direito, pelo próprio noivo.
-Não gostas de tudo como manda o figurino?- após a declaração, Cissa retribui repetindo o gesto do noivo. Discretamente, Tato volta para o quarto onde está acomodado.
-Gosto, sim. E é por isto mesmo que eu volto a afirmar: ninguém tem o direito de querer mudar a mim, ainda que diga o quanto me ama.
-Tens razão. Eu prometo que eu vou medir as minhas palavras de agora em diante. Agora, eu só te peço um abraço, Valente. É pedir muito?
Valente atende ao pedido da noiva, que esconde a raiva por conta da discussão com o novo amigo do saxofonista. E diante da correria com o noivado, bem como o turbilhão de emoções que ela e seu noivo têm vivido nos últimos dias, Cissa esquece-se da despedida de sua amiga, Olívia, que parte para uma pós-graduação elogiada, indicada e incentivada pelo seu querido professor. No aeroporto, só ele e a intransigente Beatriz comparecem ao evento. Esta, aliás, mal consegue conter as suas lágrimas no momento em que a evangélica pede um abraço.
-Tens certeza de que vais ficar bem sozinha?
-E quem te disse que estou eu sozinha? Onde estiver a planta dos meus pés, Deus está comigo.
-Lá vem... Confesso que sentirei falta de ti. Voltes logo, por favor.
-Dois anos passarão num instante, Beatriz.
-Não tenhas tanta certeza. Sem ti, pode ser uma eternidade, Olívia. Mas eu entendo que é por conta de teu futuro.
-Prometo que nas férias eu venho, e que nós vamos nos falar todos os dias.
-Prometes realmente?
-Melhor do que isto: eu juro- Olívia dá outro abraço na irmã, bastante emocionada, ao passo que faz uma curiosa observação- Precisa haver mais “eclipses” como este... Eu vou sentir muito a falta do senhor, Professor.
-Não te preocupes com nada, Olívia. Manteremos contato- aperta a mão da moça.
-Fiques com Deus.
-Sigas com Ele, minha filha.
Olívia nunca esteve tão segura como nesta viagem. Mais um sonho que estava prestes a ser realizado, e com o apoio das pessoas que ela mais respeitava. Além disso, a fé que sempre lhe acalentava seguia junto. Era preciso muita coragem para trocar de país... Talvez mais do que tivesse tido Kleber ao procurar o filho na casa do saxofonista do restaurante de seu irmão, pois demonstrava estar reticente com a ideia de uma reaproximação.
Só que não será nada fácil para o agente de viagens depois de tudo o que leu e ouviu sobre o filho e dos lábios do próprio. Tato, tempos depois da discussão agressiva que teve com Cissa, vai para a fachada do Edifício Portuário (o do apartamento de Valente) e observa a movimentação dos automóveis e dos transeuntes. O músico desce de seu cômodo e inicia uma conversa com o jovem.
-Pensando na vida?
-Mais ou menos. Pensando no giro completo que a minha vida deu.
-Tudo se aprumará. Basta crer.
-Sabes o que eu realmente queria neste momento?
-Queria ou quer?- Valente brinca com o emprego do tempo verbal.
-É, eu quero.
-Digas.
-Queria ter esta fé em Deus que tu tens.
-Pensei que tu o tinhas.
-Tanta gente fala em Deus quando, na verdade, está fazendo uso de uma expressão. Estou falando de acreditar mesmo naquilo que se diz.
-Entendo... Mas não é nada inalcançável.
-Ser como tu?
-Não, ser um homem de fé. Um pecador não pode inspirar-se em outro. Tem que se inspirar em quem emana luz.
-Mas todos nós pecamos, ou não?
-Por isto mesmo que o melhor é buscar como inspiração para vida Aquele que não tem máculas.
-Às vezes, penso que tens mais idade do que aparenta. Pareces ser tão sapiente.
-A educação que recebemos não ajuda na construção daquilo que queremos ser, Tato. O que fazemos com ela é o que nos define.
-Tu és um amigo que eu quero levar para o resto da minha vida. Meu lamento é ter te conhecido na pior fase da minha vida.
-Quem sabe não é o começo de uma nova perspectiva para ti? Hoje, estás afastado de teu pai, mas um dos dois pode voltar atrás e ensaiar uma reaproximação.
-Confesso-te que não estou interessado em voltar. Meu pai certamente quer que eu finja ser outra pessoa.
-Dizem que o tempo é um bom remédio... Nem sempre. Muitas vezes, nós só ficamos acostumados à ferida. Prefiro deixar que o Maior Médico resolva o problema.
-Obrigado por tudo, Valente. Eu não sei como agradecer-te. Acho, inclusive, que nunca conseguirei te retribuir à altura.
-Passes na igreja. Aposto que tu vais gostar.
-Será que serei bem recebido lá?
-Antes que chegue o primeiro dos irmãos, o Dono está lá. Depois, se não gostares, Ele te toca de outra forma. Mas isto não é uma ordem, é só um convite.
-Tudo bem. Vou aparecer por lá, sim- Tato abraça o amigo, sem dar-se conta de que Kleber está a se aproximar. O agente de viagens fica furioso com a cena vista por ele e por Nete, que está trafegando pelo bairro. E ambos interpretam a cena de maneira equivocada.
-Não perdes tempo mesmo, Otávio...
-Pai?
-Até pensei que o primeiro lugar para onde tu irias era a casa onde devias encontrar-te com o outro rapaz. Mas vejo o quanto estás próximo do saxofonista... Até fico pasmo diante de tanta desfaçatez de ambos.
-Agora dois amigos não podem mais abraçarem-se?- questiona Valente.
-Não parecem ser só isto.
-Na tua visão deturpada. Mas é o que somos, Sr. Kleber.
-Quanta consideração pela minha pessoa...
-Não sejas irônico, Pai.
-E tu não sejas atrevido. Pelo que vejo, foi um erro ter vindo até aqui procurar-te.
-O que estás a pensar? Que Valente e eu...
-Não estou afirmando nada, Otávio. Estou constatando.
-Constatando o quê? Por que não deixas de meias-palavras e diz o que estás a pensar?
-Não te pareces óbvio o que se passa na minha cabeça, gajo?
-Pai, saias daqui. Não vês que estás provocando um escândalo?
-Tens toda razão, Otávio. É melhor mesmo que eu não fique mais um só minuto aqui.
-Antes, terás que conversar com teu filho, Kleber.
-E por que eu faria isso?
-Porque precisam entender-se. Não vieste aqui para protagonizar uma briga.
-O que alguém no meu lugar pensaria? Até onde me consta, vocês dois não se conheciam, e justamente tu colocas o meu filho para morar debaixo do seu teto. Logo tu, que trabalhas no restaurante do meu irmão, dar guarida ao Otávio? Podem até mesmo acreditar em coincidências, mas eu não sou idiota.
-Melhor não afirmares isto, já que se comportas perfeitamente como sendo um!
-Vou acabar com teu atrevimento agora mesmo, músico de araque- Kleber parte para a agressão contra Valente.
-Não toques nele!
-Deixes, Tato. Deixes que ele venha.
-Defendes este homem porque sabe da importância que ele tem na tua vida, não é, Otávio? O tal de Michel não foi o bastante para você.
-Claro que Valente tem importância na minha vida. Ou se esqueceste de que ele me deu o teto que tu tiraste de mim?
-Tudo o que tu tinhas perdeste por merecimento.
-Seja lá por qual motivo, eu não vou deixar que tu toques num só fio de cabelo seu.
-Agora entendo por que não quiseste ir para a casa do Hélio.
-E depender da minha família? O senhor mesmo disse que tudo o que eu tinha foi dado pelo senhor. Depois de ir para a casa do Tio Hélio, o que farias? Jogarias na minha cara que eu serei eternamente dependente de todos? Se este era o teu único resquício de preocupação, desprendas-te dele. Porque eu vou trabalhar, sustentar-me, arranjar um lugar para morar e fazer o que bem entender da minha vida. Mas a minha meta maior é ser um homem melhor do que tu.
-Antes, Otávio, terás que ser um homem.
-Chega! O senhor já fez o seu espetáculo, já atraiu olhares de quem pretendia. Agora, saias da porta da minha casa!
-Tua casa, Valente? Tomes cuidado, pois nem isto poderás ter.
-É uma ameaça, Sr. Kleber?
-Teu novo amiguinho deveria te contar mais detalhes sobre mim... Pobres daqueles que acreditam que eu sou homem de ameaçar; eu faço! E, dentro em breve, tu estarás no olho da rua! E quando tu te vires sem um tostão no bolso, a lua de mel vai acabar!
-Fora daqui!
-E não fiques preocupado, Otávio. Nunca mais nos veremos de novo.
-A opção não é minha. O senhor escolheu por nós dois.
-Que rapaz é esse, que desrespeita até o próprio pai? Fabiano saberá disso e é já- Nete passa despercebida pela rua onde ocorreu o desentendimento.
-Obrigado por defender-me.
-Se fosse comigo, eu sei que terias feito a mesma cousa. Achas mesmo que teu pai pode fazer algo contra mim?
-Não, ele não se atreveria. Não quer mais ser vinculado a nenhum tipo de escândalo.
Mas ele quer. E irá atrás do irmão, no anseio de prejudicar o músico. Só que, em decorrência da reforma de sua agência de viagens, que demora mais do que o previsto por conta de uma infiltração, Kleber aproveita o tempo que é forçado a ficar em casa para trabalhar e se tornar um homem ainda mais recluso. Quer evitar, a qualquer custo, que os colegas de trabalho e os amigos o questionem sobre sua decisão de manter o filho unigênito afastado de sua residência, e muito menos sobre quais motivos o levaram a expulsar Tato de casa. Prefere dialogar (leia-se: fazer a sua exigência) quando estiver mais calmo.
O período serve também para que Olívia acostume-se à nova ambientação na qual vive. O idioma não era problema para a mestranda, já que era uma nação onde a língua portuguesa também era a oficial. Ao sair da universidade, para a qual havia sido submetida às quatro avaliações do mestrado, encontra uma ambulante que vende joias na porta do prédio. Um pingente, com a inscrição "Jesus" inserida num desenho de um peixe, é um dos produtos que a idosa vende.
-Quanto custa este, senhora?- a estudante chega a apontar o adereço.
-Só dez. Vai querer levar?
-Vou, sim.
Um belo rapaz, de aproximadamente trinta anos de idade, pergunta:
-Tem outro desses?
-Sim, moço. Vai levar também?
-Quero, sim. Adoro colecionar essas coisas.
-Dá para ver. Tens até um cordão com o mesmo nome.
-Esse sotaque... Você não é daqui, é?
-Lisboa. Mas estou adorando este lugar. Quer dizer, o pouco que eu vi.
-Desculpa, eu nem me apresentei: Nicolas Queiroga.
-Olívia Gusmão. A paz do Senhor.
-Mentira... Você também é evangélica?
-Sou, sim.
-Enfim... É bem difícil encontrar evangélicos na faculdade, não sei se deu tempo de você reparar.
-Procuro nem pensar nisto. O que realmente interessa é viver a fé que me faz tão feliz.
-E faz muito bem. Não sei como é lá onde você vive, mas aqui tem muito preconceito contra quem é crente.
-Que estranho... Dizem que o teu estado é laico, mas que na política tem uma influência forte do Cristianismo.
-Mas não aceitam isso. A gente é maioria, mas as pessoas veem isso como uma imposição. E fora da política, somos vistos de um jeito deturpado, como se não soubéssemos no que estamos acreditando ou pregando.
-Pois é, mas basta lembrar-se da passagem que diz que Deus usa as coisas loucas desse mundo para confundir as sábias.  O que ninguém é capaz de entender, Ele sabe muito bem como aconteceu e por que razão.
-Parece até mentira alguém dizer isso aqui.
-Tu és mestrando da universidade também?
-Doutorando na área de geriatria.
-Que ótimo. É, realmente, uma área que desperta interesse.
-Bem, eu vou ter que ir agora. Tomara que a gente se veja de novo, Olívia.
-Igualmente, Nicolas. Também vou esperar pelo nosso próximo encontro nos corredores da universidade.
-Assunto não vai faltar, eu garanto. A gente se vê.
Encantada com o estudante, Olívia não vê a hora de voltar para casa e contar a novidade para a irmã, Beatriz. O entusiasmo, entretanto, não é o mesmo de Kleber, que está prestes a procurar Hélio para falar sobre Valente. Acorda-se cedo, pronto para retomar as atividades na agência de viagens, deixando sua esposa dormindo. O intuito é ir ao Recifeeling antes de chegar ao local de trabalho. Entra no banheiro e levanta a tampa do vaso sanitário. Urina normalmente, até que é acometido de uma violenta dor no ventre, chegando a suar rapidamente e a gritar, o que causa o despertar de Dora.

22/09/2018

VALENTE VALENÇA/ CAPÍTULO 16


-Fales, Michel. De onde tu conheces o Tato?
-Não vais dizer que ele é o gajo que... – Valente, a partir do relato de Tato, descobre o envolvimento do amigo com o seu futuro cunhado.
-Estou a esperar uma resposta tua, Michel.
-Tato é meu amigo, Cissa. Nós nos conhecemos na viagem que eu fiz às Bahamas, há um bom tempo.
-Pelo rosto dele, há um fundo de mentira na tua afirmação- observa Beatriz.
-O que é que tu sabes sobre isto, Valente?
-Cissa, esqueças. Isto é assunto entre o Tato e o teu irmão.
-Por que tanto mistério? Acaso o meu irmão, Michel, está a mentir?
-Está- surpreende Tato, até então calado diante da dúvida dos presentes- Verdade que nos conhecemos nas Bahamas. Mas não somos amigos. Aliás, não somos mais nada e fazemos questão de continuarmos sem ser.
-Tato, desculpa-me. Eu não sei nem o que dizer...
-Não fiques assim, Valente. Ninguém poderia prever esta situação.
-Mas... Que situação?
-Cissa, acordes! Não está nítido que houve um envolvimento entre teu irmão e este moço?- Beatriz esclarece.
-Que horror!- Nete fica embasbacada- Como tu podes receber dois pecadores como eles na tua casa, Valente?
-A senhora não pode falar assim, irmã. O Michel é meu irmão.
-Tens razão, Cissa. Reformularei a frase... Como tu podes receber um pecador como este na tua casa, Valente?
-Parabéns, Otávio. O teu plano acaba de funcionar perfeitamente- Michel provoca o jovem.
-Que plano?
-Conseguiste destruir o noivado da minha irmã. Aposto que deves ter cercado o Valente para conseguires transitar pela festa e estragar a celebração. Tu quiseste vingar-se de mim na Cissa.
-Não desceria tão baixo, isto é uma atitude tipicamente tua.
-Gente, por favor, esta noite nós nos reunimos para comemorar o noivado de Cissa e Valente!
-Estás certa, Madre. Por isto mesmo eu vou embora.
-Tato, não saias assim.
-Vou procurar o meu tio, Valente. Mais uma vez, obrigado pelo que fizeste a mim.
-Agora sairá daqui como vítima... Nunca pensei que tu poderias descer tão baixo, Otávio.
-Ainda que eu quisesse protagonizar uma baixaria aqui, eu teria coragem, pois sou homem suficiente para aguentar qualquer cousa. Ao contrário de tu, que finges ser o que não és.
-Dês o fora desta casa agora. Ninguém quer a tua presença infecta aqui.
-Mas ele vai ficar- declara Valente.
-Valente, estás se colocando abertamente contra o meu irmão?
-Não estou me pondo contra ninguém, Cissa, mas eu não vou deixar ninguém ser maltratado, muito menos na minha casa.
-Filho, os ânimos estão exaltados. Acho melhor irmos para casa.
-Logo agora, Fabiano, que esquenta a “gospeleja”?- Nete usa outro neologismo para definir a discussão.
-Boa noite a todos- Hélio chega ao apartamento do saxofonista e encontra o sobrinho ao lado do músico- Otávio, o que estás tu fazendo aqui?
-Tio, como foi que me encontraste?
-Pronto. O dono do antro de perdição tem laços sanguíneos com o pecador júnior. Não poderia ser pior.
-Sem mais comentários, Ednete!
-Calma, Hélio... O Tato é o teu sobrinho?
-Para mim, já foi mais que suficiente. Boa noite a todos- Michel vai à porta do apartamento, seguido imediatamente por Cissa.
-Michel, não podes sair assim.
-Tenho que tocar esta noite, não posso atrasar-me, Cissa. Tenho que ir.
-Esperes, Michel... Deixes que eu te levo. Esta noite acabou pra mim.
-Pois para mim, está só começando- avisa Valente, tentando pôr panos quentes na situação- Vais me deixar sozinho na noite do nosso noivado?
-Meu irmão não te concedeu a minha mão? Portanto, satisfaça-se com ela, porque eu vou embora! Vamos, Beatriz.
-Viu que teria sido bom servir vodca? Deixaria isto aqui ainda mais animado. Tchau, Valente, e obrigado pela recepção...
-Sem firulas, Beatriz. Rápido!
-Bom, acho que chegou também a hora de voltarmos para casa também- avisa Fabiano, segurando a esposa pelo braço.
-Desculpem pelo desastre desta noite.
-Não precisas desculpar-se, meu querido. Eu só quero dar-te um conselho: o que tiveres para resolver, resolvas rápido- Nete informa subliminarmente que Tato deve ser dispensado do apartamento- Fiques na paz.
-Amém- responde, desanimadamente.
-Boa noite- cumprimenta Nete a Joana, com desprazer.
-Que Deus vos acompanhe.
-Obrigado- responde Fabiano.
-Agora nós vamos ter uma conversa muito séria, rapaz- Hélio demonstra insatisfação para com o sobrinho.
-Bem, Valente, eu também tenho que voltar para o orfanato.
-Deixes que eu desça com a senhora e tome um táxi, enquanto o Otávio e o Hélio conversam...
-Não precisas ficar aflito comigo, meu filho. Eu mesma desço.
-A senhora me dá a sua bênção?
-Sempre: eu te abençoo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo- Joana faz o sinal da cruz e beija a mão do músico- Boa noite a todos.
-Boa noite- responde Hélio.
-Bem, eu vou deixar vocês mais à vontade. Com licença.
-Não saias. Quero saber por que não me disseste que o meu sobrinho estava aqui. Aliás, de onde vocês se conhecem?
-Escutei esta pergunta muitas vezes numa só noite...
-Respondas.
-O Tato foi atropelado perto do meu apartamento, por uma moto.
-E, em vez de levá-lo para o hospital, o trouxe para cá?
-O Valente não sabia que eu era teu sobrinho. Aliás, eu não sei nem como foi que vocês se conheceram.
-Ele trabalha no Recifeeling como músico, mas não mudem de assunto. Quero saber que ideia estapafúrdia foi esta de discutir com teu pai.
-Alguém precisava enfrentar o Kleber, não achas?
-Não chames o teu pai pelo nome. É desrespeito!
-Não é pior do que o que ele fez comigo.
-Eu insisto que devem ter esta conversa a sós.
-Fiques, Valente!
-Não, não precisas mais ficar, podes nos dar licença agora. Esta conversa é de família.
-Este rapaz fez por mim o que ninguém teria coragem de fazer. Deu-me um teto quando eu não tinha para onde ir.
-Convenhamos também que ele fez sem que tu merecesses.
-Do que estás falando, Tio?
-Escondeste de tua família tua opção sexual, passaste anos tendo um caso às escondidas com outro homem e peitaste o meu irmão. O que pensa a nossa família, será que tu sequer supões?
-Foi para me falar isto que vieste procurar a mim?
-Otávio, eu passei a manhã inteira numa delegacia de polícia, pedindo que fizessem buscas, que te procurassem. Como tu pudeste ser tão irresponsável e sair no mundo desta forma?
-Antes fora de casa do que convivendo com ele. Ele me humilhou, além de ter encostado a mão em mim.
-E acha que a reação intempestiva do Kleber foi gratuita? Se tu não tinhas para onde ir, que fosse ao meu encontro. Não fecharia a porta na tua cara, como deves ter julgado.
-E não é julgamento o que estás fazendo agora, Tio Hélio? Sabes, eu pensei em te procurar e ficar na tua casa, sim. Mas ontem eu estava sem cabeça, e sabia que no restaurante eu iria me expor. Por isto, eu tinha falado ao Valente que nesta noite eu te procuraria, por saber que irias para casa. Mas, pelo que vejo, eu devo ter feito muito bem em não sair atrás do senhor, não é?
-Chega de conversa. Eu vou te levar até a minha casa agora mesmo. Valente, a carona terá que ficar para outra ocasião.
-Sem problemas.
-Eu não quero ir contigo.
-Vais passar a morar de favor nesta casa? Esqueceste que tu tens família, irresponsável?
-A família é que esqueceu-se de mim. Duvido muito que ela esteja movendo céus e terra para me encontrar.
-Eu já te disse que passei a manhã inteira numa...
-Não precisas repetir, Tio Hélio. Mas se pensas em levar-me contigo para me devolveres à casa daquele homem...
-Aquele homem é teu pai...
-Que me jogou na rua com a roupa do corpo!
-Tato, não fales assim com o teu tio.
-Sou capaz de apostar o pouco que eu tenho que meu tio deve concordar com tudo que ele fez comigo.
-Não fales bobagem, gajo. Não estaria à tua procura se não estivesse realmente preocupado contigo. O que eu quero é que tu reconsideres...
-Por que só eu que devo reconsiderar?
-Porque teu pai não vai aceitar esta situação nunca.
-Ninguém pensa, não é? Ninguém se pergunta por qual motivo eu tive que me esconder.
-Isto não importa agora, Otávio.
-Importa, sim, e muito!
-Já vi que não dá para conversar contigo mesmo.
-Se for para me levar e tecer críticas ao meu comportamento, ou ao que eu fiz no passado, podes dar meia-volta e...
-Não fales desta forma com o teu tio- Valente faz uma intromissão na discussão, mais uma vez- Não é porque ele não concorda contigo que te odeia. Entendas o lado dele.
-Tudo bem, Tato, eu não pretendo mais discutir contigo. Sei que, com o Valente, tu estás em excelentes mãos, mas eu não serei demovido da ideia de convencer o teu pai a procurar-te.
-Pura perda de tempo. Ele nunca quererá vir, muito menos cogitará pedir-me perdão.
-O tempo dirá. Muito obrigado, Valente, pelo favor que estás me fazendo. Pelo menos, agora eu sei que meu sobrinho não está em perigo.
Valente abre a porta para que o patrão saia, esquecendo-se até de que tinha de ir ao restaurante após a formalização do noivado.
-Sinto muito por ter estragado a tua noite.
-Realmente, eu não imaginei que ela fosse terminar deste modo.
-Eu poderia ter ficado calado, mas quando eu vi aquele...
-Tato, precisamos conversar. Senta-te.
-Estou morrendo de vergonha por ter acabado com o seu noivado.
-Não sinta vergonha por mim ou pela Cissa, e sim por si mesmo. O mundo está contra você, mas não pode tratar assim o seu tio. Ele está realmente preocupado.
-Disto eu sei, mas não significa que ele concorde.
-Penses bem: quantas pessoas no mundo concordarão com as decisões que tomamos?
-Por que estás dizendo isto?
-Meu trabalho é no Recifeeling. Achas mesmo que eu não escuto nada, uma crítica sequer ao fato de eu ser cristão e trabalhar à noite?
-Mas o restaurante do meu tio não é nenhum palco de indecência.
-Para alguns, é. Tato, não fiques o tempo todo se preparando para autodefesa. Precisas cercar-te de quem verdadeiramente te ama.
-O meu pai não é uma destas pessoas.
-Não vamos pensar no que foi que ele te fez e sim por que o fez. Mesmo com toda divergência, não podes colocar em dúvida o amor que o Kleber sente por ti, Tato.
-Só que ele deixou bem claro que me rejeita. E vais ter que desculpar a minha franqueza, mas tu tentas me convencer da ideia de voltar para casa porque não sabes o que é rejeição.
-Convivi com a rejeição durante toda a minha vida, lembras?
-Desculpa-me, eu não deveria ter tocado nesta ferida tua...
-Que vai ficar aberta pelo resto da minha vida. Penses bem naquilo que está jogando fora, Tato. Evites ter que olhar para trás e dizer que poderia ter feito diferente. Se não encontraste o amor em quem tu pensavas, corras para quem possa dar-te sem reserva.
As palavras de Valente soam pesadas para Tato. Magoado, o jovem prefere alimentar a mágoa contra o pai, que também prefere não ensaiar nenhum tipo de aproximação. A manhã seguinte, contudo, reserva uma nova chance para pai e filho quando Hélio vai à casa do irmão, sendo recebido por Dora.
-Alguma novidade sobre o meu filho, Hélio?
-Sim, Dora, eu tenho.
-Kleber, venhas aqui.
O agente de viagens sai do quarto com o seu notebook na mão.
-Que celeuma é esta?
-Descobri onde o Tato está.
-Chamaram-me para dizer o paradeiro daquele atrevido?
-Sabemos que estás tão preocupado quanto nós, Kleber.
-Eis a prova cabal de que tu me conheces pouco, mesmo convivendo comigo a vida inteira, Hélio. Por mim... Posso voltar ao meu trabalho agora ou será que é pedir demais?- Kleber vai à escadaria da mansão.
-Está no apartamento de Valente Valença.
-Como é? Quem é este? O único Valente que eu conheço é aquele teu... Não... O Tato engatou outro caso?
-Não é nada disso, Kleber. O Valente viu que o Tato tinha sido atropelado por uma moto e...
-Atropelado?- Dora fica apavorada- Pelo amor de Deus, fales que o meu filho está bem!
-Dora, eu mesmo o vi e ele está bem. Só que está acomodado na casa do Valente.
-Se ele está bem, ótimo. Se não estiver, estimo melhoras.
-Kleber, tu não podes a vida inteira fingir que Otávio nunca existiu.
-Existiu, sim, mas o risquei da minha lembrança.
-E da casa também.
-Porque pertence a mim, Hélio.
-Ao contrário da vida do teu filho, controlada por ele mesmo.
-O que explica ele morar agora com um desconhecido. Nada disto aconteceria se ele tivesse honrado as calças que veste!
-Por que ele não veio contigo, Hélio? Ou por que não foi para a tua casa?
-Tato está irredutível, Dora. Acredita que eu vou convencê-lo a voltar para cá.
-Sorte a nossa tu não o teres convencido!- declara Kleber.
-Eu não, mas tu o farás.
-O que queres dizer?
-Que tu vais procurar o Tato e trazê-lo de volta!
-Por mim, que se exploda.
-Não sejas intransigente, Kleber!
-Engraçado, Dora, tens a mais absoluta certeza de que eu tenho a obrigação de desculpar-me com o teu filho. Acaso fui eu quem mentiu? Ou desrespeitei o meu pai?
-Sem conversar com o teu filho, coisa que evitas a todo custo, não resolverás este problema nunca, Kleber.
-Melhor mesmo não resolver.
-Se tu não fores, eu vou saber como está o Otávio.
-Não, Dora. O problema do Tato é com o pai. E será o pai o responsável por fazê-lo retornar.
-Vocês não entendem? Aceitar o Otávio de volta é o mesmo que admitir que a imundície que ele pratica passará em brancas nuvens para sempre. Eu não vou voltar atrás!
-Admitir para quem? Para o mundo? Este é o teu medo, meu irmão? De que todos saibam que o Tato não gosta de mulheres, ou não gosta apenas de mulheres?
-Pois bem: já que tu és tão moderno, a ponto de aceitar as imoralidades do teu sobrinho, por que não te enfurnas debaixo dos lençóis com outro homem? Melhor: por que não foste convincente o bastante para abrigar teu querido sobrinho na tua casa? Deixes que eu te responda: porque, no fundo, tu sabes que eu tenho razão. O mundo que se dane! O que me interessa é o que faz a minha família.
-O Valente deu um teto ao teu filho depois do garoto ter sofrido um acidente.
-Provavelmente saiu desnorteado após a discussão que tu tiveste com ele...
-Se duvidares, nem um acidente ele sofreu, Dora. Soa-me como estratégia para pôr os pés aqui novamente. Mas eu não darei o braço a torcer por conta dos erros que por ele foram cometidos...
-Chega, Kleber! Tens até amanhã para trazer o nosso filho de volta a esta casa!
-Não tenho o que pensar...
-Mas eu sim. Quem está determinando o retorno do Otávio sou eu, e não tu. E acho melhor que tu resolvas buscá-lo; caso contrário, eu mesma faço.
-Posso proibir-te de entrar aqui, se eu quiser.
-Proíbes cousa alguma.
-Agora vocês dois também brigarão, não bastando o desentendimento com o Tato?
-Caso coloques-me para fora daqui, o mundo vai saber o porquê, porque eu farei de tudo para contar a verdade sobre a briga que tiveste com o Otávio, ameaçando e agredindo o nosso filho. E quando eu estiver prestes a fazer isto, Kleber, pensarás duas vezes antes de tentar prejudicá-lo ainda mais. Portanto, eu só te direi mais uma vez: até amanhã, ele tem que estar aqui! Ouviste bem? Hélio, desculpa-me, mas eu não tenho condições de ficar. Estou com muita dor de cabeça.
-Claro, eu entendo-te, Dora.
-Com licença- Dora sai da sala e toma um analgésico em seu quarto.
-O que tu achas?
-Se é para evitar um novo escândalo, amanhã mesmo eu trago o ingrato.
-Felizmente...
-Agora, cá entre nós... Tu que conheces melhor o Valente... Achas que ele e o Otávio...
-Kleber, não vais desconfiar de todo homem que se aproximar do Tato de agora em diante.
-O que tu querias? Eu não o via com homens e descobri a sujeira que ele praticava.
-Se serve a ti de consolo, ainda ontem foi o noivado do Valente. E sou capaz de arriscar a minha pele, Kleber, mas te afirmo: o que há entre teu filho e ele não passa de amizade verdadeira, e pobre coitado daquele que pensa o contrário.
Os ânimos parecem estar mais contidos do que na noite anterior. Valente saiu para comprar pão e deixou a chave na porta do apartamento, ficando esta a cargo de Tato. Ouve-se a campainha tocando. Por um momento, o jovem pensa na promessa que Hélio fez de conversar com seu pai para levá-lo de volta à mansão dos Goulart e abre a porta com receio. Era Cissa.
-O Valente não está, foi à padaria.
-Eu sei, esperei que ele saísse. Vim mesmo para falar contigo- entra, deixando a porta aberta.
-Comigo? Sobre o quê queres falar?
-Para começar, sem cinismo de tua parte.
-Eu não estou sendo cínico. E não admito que tu venhas acusar-me desta forma.
-Querias o quê? A noite de ontem foi um completo desastre, eu passei a maior vergonha da minha vida por tua culpa e achas que te sentes no direito de ficar ofendido?
-Olhes, não penses tu que o que ocorreu ontem foi proposital.
-Mas foi o que pareceu.
-Como eu saberia que o Valente é cunhado do Michel?
-Quatro anos não foi tempo suficiente para descobrir tudo acerca da vida do meu irmão?
-Michel pouco queria saber sobre mim, e eu respeitei isto.
-No entanto, tu poderias muito bem sondar de maneira que o meu irmão não desconfiasse. Não achas muita coincidência que tenhas vindo se abrigar justamente na casa do meu noivo?
-O que tanto queres insinuar, Clarissa?
-Na primeira noite, quando estiveste aqui, eu deixei bem claro para o Valente que era perigoso um sujeito da tua natureza circulando pelo apartamento, pensei que fosses um larápio. Bastou que o Michel surgisse em tua frente para te revelares pior do que o imaginado. E eu fui contra, mas o Valente, caridoso como só ele sabe ser, estendeu-te a mão.
-Clarissa, eu não planejei acabar com a festa de noivado que o Valente fez para ti. Até ajudei a arrumar o apartamento e deixei bem claro que não seria de bom tom aparecer, uma vez que tu mostraste, desde o dia em que cheguei, não simpatizar comigo.
-E com toda a razão do mundo, não é?
-Se tua preocupação é o fato de eu ter discutido com o Michel na frente de todos, saibas que não foi nada premeditado...
-Ah, claro...
-A vida do teu irmão não me interessa mais. E mesmo que eu soubesse de alguma cousa a respeito, não usaria para prejudicá-lo. Seria perda de tempo lidar com um sujeito tão vil quanto ele.
-Mas o expôs, sendo a prova cabal de que queres vê-lo pelas costas.
-Expus o Michel a quê, Clarissa? À verdade da qual ele foge todos os dias?
-A vida íntima do meu irmão não me interessa, mas a do meu noivo, sim! E eu não vou deixar que uma serpente venenosa feito você estrague a vida dele. Sabias que tu podes acabar com a reputação do Valente?
-Como acreditas que eu farei isto? E logo com o Valente, que estendeu sua mão para ajudar-me?
-O que será que as pessoas estão comentando sobre a patética cena de ontem?
-Não ligo a mínima...
-Mas deverias, já que dizes prezar tanto o teu novo amigo. O que será que as pessoas pensam de dois homens que moram no mesmo lugar, não sendo parentes, e um declaradamente bissexual? O óbvio: que o Valente tem a mesma opção sexual que a tua. Pode não te parecer nada, mas é terrível para um gajo como ele, temente às regras da igreja.
-A única coisa na qual Valente e eu nos assemelhamos é no caráter.
-Ledo engano. O dele é incomparável ao teu.
-Até concordo. Por isto mesmo que lamento que ele tenha escolhido para dividir a vida alguém como tu.
-Como te atreves a falar comigo assim?
-Não esperaste o Valente sair para abrir o jogo comigo, Clarissa? O que pensas? Que me calarei diante dos despautérios que me falas?
-Tua indignação não me comove, Otávio.
-Não preciso da tua comoção, mas vais ouvir-me atentamente. Eu não conheço o Valente tanto quanto tu o conheces, mas sei muito bem o quão bondoso ele é. E é exatamente por este motivo que lamento profundamente por ele ter escolhido dividir o resto de sua vida com uma mulher feito tu. Não fico admirado, mas nem um pouco, em saber que Michel é teu irmão. Afinal de contas, nenhum dos dois presta...
-Cala-te!- Cissa bate no rosto de Tato assim que Valente volta ao apartamento, chocado e em silêncio pela atitude da noiva.
-Do meu pai eu até aguento uma bofetada sem revidar, por uma questão de respeito... Mas uma provocação tua não fica sem resposta, desgraçada!- Tato reage à agressão cuspindo no rosto da vendedora.
-O que é isto? O que pensam que estão fazendo?- Valente, assustado, se coloca entre os opositores.