09/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 7


APRESENTADOR: O curta foi barrado para exibição, como os outros em que você esteve?
THIAGO: Foi ao ar. E eu acho o filme maravilhoso, apesar de só ter visto uma vez.
APRESENTADOR: Mas a minha produção informou que o dia de exibição teve pra você um significado especial.
THIAGO: Sim. Depois de seis meses, eu revi Miss Rivotril.
APRESENTADOR: Quem é essa?
THIAGO: A aluna mais notável do Colégio Farofa. Nos reencontramos na universidade, onde o curta foi exibido.
APRESENTADOR: Falando nisso, o filme exibiu esse momento clássico do cinema nacional que foi a coreografia da roda?
THIAGO: Infelizmente, o filme era um suspense. Ou felizmente, dependendo da perspectiva que se tenha.
APRESENTADOR: Se não for impressão minha, você está desviando do assunto: a sua participação.
THIAGO: Ah, sim. Eu assisti à cena do olhar que tive que fazer e entendi que definitivamente eu não tenho talento para participações icônicas na filmografia brasileira.
APRESENTADOR: Tenta o exterior.
THIAGO: Tô falando sério. Quando olhei pra cara que eu fiz, me senti como a música da Banda Magníficos e fiz o possível pra não olhar pra mim mesmo.
(fundo musical: “Tentando me evitar”- “só tá tentando me evitar/ me evitar, me evitar/ só tá tentando me evitar/ só tá tentando me evitar”)
O público conhece a feição assustadora e caricata que Thiago fez ao atuar em seu último filme.
APRESENTADOR: Isso te gerou algum tipo de receio?
THIAGO: Claro. Imagina se acontece de novo em outro filme?
(fundo musical: “Só pra o vento”)
A imaginação do protagonista o leva para outra produção cinematográfica.
Joga Fora No Lixo Produções presents
NARRADOR: Distribuição: Two Brothers Pictures.
“PINA’S FELINE”
NARRADOR: “Felina do Pina”. Versão brasileira: CDU- Rio... Doce.
Carolina caminha pela praia do Pina e avista Thiago, que está distante e de costas para ela. Sugerindo um momento romântico, ela grita:
CAROLINA: Thiago!
(fundo musical: “Eu te darei o céu”- “eu te darei o céu, meu bem/ e o meu amor também/ eu te darei o céu, meu bem/ e o meu amor também”)
Ele vira para Carolina, olhando a moça de maneira apaixonada.
Novamente, a protagonista do filme fictício chama pelo rapaz.
CAROLINA: Thiago!
(fundo musical: “Cigana”- “te amo como louco”)
O mocinho olha para Carolina com a mesma feição constrangedora do filme real.
(fundo musical: “Nem pensar”- “eu, hein?/ nem pensar”)
Em silêncio, Thiago encara o apresentador do “Como nascem os ator(doados)”.
APRESENTADOR: Bom, acho que não temos mais nada a dizer depois de tantos projetos nos quais você esteve envolvido.
THIAGO: Sinto muito que o programa termine de maneira tão melancólica.
APRESENTADOR: Fique tranquilo, a culpa não é sua... Eu acho. Mas você tem novos projetos?
THIAGO: No momento, só um: largar o meu emprego.
APRESENTADOR: No que você trabalha?
THIAGO: Atualmente, atuo como dublê de Michael Phelps.
APRESENTADOR: Desculpe, eu não entendi.
THIAGO: O que é que o Michael Phelps faz?
APRESENTADOR: Nada.
THIAGO: Exatamente!
(fundo musical: Ator principal”- “toda novela tem seu final/ fiz o papel de um homem fatal/ a minha vida ficou complicada/ porque eu tenho duas namoradas/ a minha vida ficou complicada/ porque eu tenho duas namoradas/ eu tenho dois amores/ não sei como explicar/ quando elas descobrirem/ que eu as amo iguais/ sou o ator principal, principal da minha novela...”)

voices edition/ dubbing
Audacity

cenography
Paint 3D

costumes designer
Paint

edition
Animotica Video Maker

3D effects
Windows Story Remix

subtitles
Paint

music
“A roda”- Sarajane
“Achados e perdidos”- Sylvinho Blau Blau
“Assobiar ou chupar cana”- Benito Di Paula
“Ator principal”- Roberto Villar
“Bobos da corte”- Rita Lee e Roberto de Carvalho
“Brincar de viver”- Maria Bethânia
 “Cigana”- Raça Negra

“Coisas do Brasil (DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e Julinho Mazzei remix)”- Guilherme Arantes
“Eu te darei o céu”- Roberta Miranda
“Evidências”- José Augusto e Roberta Miranda
“Fera ferida (DJ Memê club mix)”- Roberto Carlos
“Mil vezes mil”- Xuxa Meneghel
“Nem pensar”- Kleiton & Kledir
“O beijo”- Chiquititas Brasil

“O homem ideal”- Banda Magníficos
“O portão (Felipe Venâncio house mix)”- Roberto Carlos
“Plantão da Globo”- João Nabuco
“Só pra o vento”- Ritchie
“Telefone toca”- Paquitas New Generation
“Tentando me evitar”- Banda Magníficos
“Tô doidão (Les Dalton)”- Reginaldo Rossi

thanks
Choice High School
Farofa High School
Olympic High School
Paiva’s Beach
Pina’s Beach

(C) 2019. Joga Fora No Lixo Produções- all rights reserved.

08/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 6


APRESENTADOR: Muito bem. Agora você poderia contar tudo sobre o seu último personagem?
THIAGO: Claro que posso. Foi assim...
APRESENTADOR: Só um minutinho. Vamos para um novo intervalo comercial e já, já voltamos com mais...
THIAGO: O filme tá quase no fim. Não estraga o roteiro.
APRESENTADOR: Tudo bem. Você voltou à figuração?
THIAGO: Sim, e dessa vez foi num filme universitário.
APRESENTADOR: Como você entrou no elenco?
THIAGO: De uma maneira bem doida, pra falar a verdade.
APRESENTADOR: Por que não estou surpreso?
THIAGO: Um amigo meu, que era estudante de Arqueologia, participava de um grupo que mostrava vagas para atuações em produções cinematográficas bancadas por alunos da universidade.
APRESENTADOR: O que leva um estudante desse curso a procurar oportunidades no cinema?
THIAGO: Não querendo ser ríspido, mas isso você tem que perguntar pra ele.
APRESENTADOR: Certo... Continue.
THIAGO: Eu entrei na página e vi que tavam procurando atores entre dezessete e vinte anos pra protagonizar um filme.
APRESENTADOR: Quantos anos você tinha na época?
THIAGO: Vinte e dois.
APRESENTADOR: E foi pro teste mesmo assim?
THIAGO: Sim, porque meu professor de Teoria da Literatura disse que a gente tem que aproveitar enquanto é jovem e feliz. A minha cara na época era de jovem.
APRESENTADOR: Vamos fingir que acreditamos nisso.
THIAGO: Pois então... Eu fui ao local do teste e meti a mão na porta, sem saber que tava rolando com outra pessoa. A minha saga de micos começou aí.
APRESENTADOR: “A saga de micos deste filme”, vamos deixar bem claro.
THIAGO: E eu imaginei que seria uma experiência marcante. Tava certo. Claro que existe um nível maior de comprometimento, já que se trata de uma faculdade. E a gente tava bem equilibrado entre iniciantes e atores de verdade. Meu caso claramente não era o segundo.
APRESENTADOR: O resultado demorou pra sair?
THIAGO: Levou uns treze dias. Na tarde de dez de dezembro de 2014, o meu celular tocou de uma maneira bem discreta.
(fundo musical: “Telefone toca”- “telefone toca/ toca nem que seja pra dizer ‘alô’/ ‘alô?’”)
APRESENTADOR: E quem foi que te chamou ao telefone?
THIAGO: Olha... (dubla os primeiros versos de “Brincar de viver”) Quem me chamou foi a pessoa responsável pela direção do curta-metragem.
DIRETOR: Nós analisamos o seu teste e decidimos que o papel do protagonista quem vai fazer é outra pessoa. Mas nós estamos precisando de integrantes pra figuração. Você se interessa?
APRESENTADOR: Até consigo imaginar sua reação quando soube quem estava ligando pra te informar do resultado...
(fundo musical: “Mil vezes mil”- “vai/ vai que o futuro agora é teu/ vem”)
Num rápido momento de divagação do apresentador, Thiago corre em direção ao Troféu Imprensa, mas tropeça em uma pedra e vai ao chão.
THIAGO: Você sabe que Troféu Imprensa não premia envolvidos em filmes, né?
APRESENTADOR: Verdade, eu esqueci. Mas me conta o que te levou a topar ser parte da figuração.
THIAGO: Uma palavra mágica que ouvi quando fui fazer o teste.
APRESENTADOR: “Cachê”?
THIAGO: Pensei nisso também, mas foi “TCC”. Tinha acabado de passar por isso e sei o quanto é difícil arrumar gente que tope te ajudar. Porque TCC é tipo o Mestre dos Magos da “Caverna do Dragão”: quando você precisa de alguém, esse alguém some.
APRESENTADOR: As gravações foram boas?
THIAGO: Ótimas. Minha primeira cena foi a primeira do cenário principal, o Colégio Farofa.
APRESENTADOR: Não quer realmente me convencer de que este era o nome do colégio?
THIAGO: Quero, sim. E foi nessa cena em que eu me deparei com o desgraçado do improviso. Tinha que inventar uma coisa pra falar com o menino que tava na minha frente. Como sou viciado em ver “Sai de baixo”, falei uma frase da Magda pra ter assunto.
APRESENTADOR: Não restam duvidas de que você foi o alívio cômico dos bastidores.
THIAGO: Acreditava nisso antes do primeiro dia de gravação, quando conheci uma atriz que dançava loucamente em frente ao banheiro do Farofa.
(fundo musical: ”A roda”- “vamos abrir a roda/ enlarguecer/ vamos abrir a roda/ enlarguecer”)
Estupefato, Thiago vê a mencionada atriz fazendo uma coreografia incomum enquanto cantava a canção de Sarajane.
APRESENTADOR: Qual foi a principal dificuldade na construção do personagem?
THIAGO: Acostumado ao modus operandi do personagem anterior, que era apresentador de web show, eu olhava pra câmera sempre que tinha oportunidade. E travei quando tive que olhar pra ela de propósito.
APRESENTADOR: Propositalmente?
THIAGO: Houve uma cena em que eu tinha que lançar um olhar de estranhamento e repulsa pro protagonista. Mas nós tínhamos que fingir que estávamos vendo o ator que havia sido escalado, quando estávamos olhando pro diretor com a câmera na mão.
APRESENTADOR: No que você pensou pra fazer esse olhar?
THIAGO: Então...
Thiago passa a lembrar-se das vinhetas do “Plantão da Globo”.

07/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 5


APRESENTADOR: O que aconteceu com todos esses filmes que você fez na adolescência?
THIAGO: Com exceção do primeiro em que fui figurante, foram todos reprovados pela comissão organizadora da feira de artes.
APRESENTADOR: Por sorte nossa.
THIAGO: O do Caíque só teve uma cópia, que foi dada ao professor de artes que presidia a comissão. O DVD ficou com ele em 2008 e nunca mais eu vi o filme.
APRESENTADOR: Acho melhor darmos uma pausa para um breve intervalo. Daqui a pouco, voltaremos. Não saia daí.
(fundo musical: “Tá tirando onda”)
A vinheta que anuncia o intervalo comercial é veiculada:
We are presenting “How stunned are born”
(estamos apresentando “Como nascem os ator(doados)”)
Aparece na tela um vídeo de Thiago apresentando aos telespectadores o Vale Eletrônico Metropolitano, conhecido como “Vem”.
THIAGO: Tá cansado de pagar R$ 3,20 de passagem cada vez que precisa entrar num ônibus? Paga a metade, menino, e deixa de ser besta porque você é estudante.
NARRADOR: Ouça os conselhos do Garoto do Vem e faça já o seu Vem com a carteira de estudante em vigor.
(fundo musical: “Tô doidão (Les Dalton)”)
Thiago posa com o cartão eletrônico para as lentes da câmera.
THIAGO: Vem: com ele, tudo bem.
NARRADOR: Uma campanha do Grande Recife Consórcio de Transporte.
(fundo musical: “Tá tirando onda”)
A vinheta que encerra as propagandas é exibida:
We will introduce you again “How stunned are born”
(voltamos a apresentar “Como nascem os ator(doados)”)
APRESENTADOR: Estamos de volta com Thiago Barros, o nosso entrevistado de hoje, que por algum motivo domina o mercado publicitário desse país.
THIAGO: É porque a realidade é tão louca que tudo aqui parece um universo paralelo.
APRESENTADOR: Agora vamos falar de um personagem que você criou pra si mesmo, o Thiago Gabriel.
THIAGO: Sim, um tipo que me fez conhecer muita gente.
(fundo musical: “Bobos da corte”- “nem rainha, nem rei/ apenas os bobos da corte”)
O ator passa a recordar o seu trabalho num web show, em que comandava um quadro de entrevistas chamado “Encarando Thiago”. Com óculos e uma voz característica, o rapaz atua.
THIAGO: Hoje, nós estamos de frente com uma pessoa irrelevante no cenário político, artístico e circense nacional. Me diga: você resolveu... Ah, ah, ah... Se tornar amante das artes cênicas... Por quê? (puxa propositalmente o “r”) Agora nós vamos fazer... Ah, ah, ah... Um bate-bola, um jogo rápido, um boca-na-boca, um tête-à-tête... Eu vou falar uma palavra ou expressão e você vai me dizer a primeira coisa que vier à sua cabeça. Mas antes eu vou deixar para todos vocês o pensamento do dia, que se encontra em “Xuxa só para baixinhos”, na faixa onze do CD: “Guto bate com um martelo, um martelo, um martelo; Guto bate com um martelo; então, bate com dois” (fala em tom ameaçador) Boa noite.
APRESENTADOR: E esse foi o seu personagem mais duradouro?
THIAGO: Foi. Passei uns três anos interpretando quando visitava os novos alunos do Colégio Escolha. Certamente foi a maneira mais maluca que eu usei pra conhecer gente.
APRESENTADOR: E quais eram as respostas que os entrevistados te davam?
THIAGO: (após um breve silêncio) As piores possíveis.
São exibidas cenas de Thiago entrevistando dois rapazes e uma moça no quadro mencionado.
THIAGO: E quais são as suas expectativas com relação ao Enem?
HEITOR: Conseguir responder tudinho.
THIAGO: É, né?
THIAGO: Uma matéria?
CRISTINA: A da invasão do Complexo do Alemão.
THIAGO: Eu quis dizer “uma matéria do currículo escolar”.
CRISTINA: Ah, tá.
THIAGO: E como anda a sua vida amorosa? Tá namorando, casado, ficando, “tico-tico no fubá”, “de rolo”, “barbante”? Tá fazendo o quê da vida?
JÚNIOR: Nenhuma das alternativas.
THIAGO: Então, não tá vivendo!

06/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 4


APRESENTADOR: Dois dias depois, você foi convidado pra fazer um personagem que não tinha dedo seu no roteiro.
THIAGO: Eu fui acompanhar as gravações de uma versão tupiniquim de “High School Musical”, com paródias, coisa que eu gosto de fazer desde os quatorze anos.
APRESENTADOR: E isso não tem dedo seu?
THIAGO: Pior que não. Essa ideia foi da Ariadne. Eu só compus as paródias. Entendeu o que eu quis dizer com “projeto de maior relevância”?
APRESENTADOR: Sua voz esganiçada teve que cantar no filme?
THIAGO: Não, porque eu não fiz um aluno.
APRESENTADOR: Misericórdia, fizesse o quê?
THIAGO: Um dos personagens, o Maurinho, era um adolescente que ficava imaginando coisas em sala de aula.
APRESENTADOR: Que tipo de coisas?
THIAGO: Que personagens do filme “Shrek” invadiam o cenário.
APRESENTADOR: Fala de uma vez: que espécie de oportunidade você agarrou?
THIAGO: O meu personagem era simplesmente...
(fundo musical: “Fera ferida (DJ Memê club mix)”- “animal”)
É exibida uma cena na qual Thiago está vestido de burro.
APRESENTADOR: Tem coisa pior do que isso?
THIAGO: Tem: Maurinho errar o nome do meu personagem.
MAURINHO: “Olha o Shrek (aponta para Thiago)”!
THIAGO: E eu nem te contei o que o filme me rendeu.
APRESENTADOR: Além da vontade de imitar um tamanduá e enfiar a cara na terra de tanta vergonha?
THIAGO: Sim. Uma sequência.
APRESENTADOR: Você não está falando sério.
THIAGO: Queria não estar, mas eu terminei o ensino médio e fiz um pré-vestibular no mesmo colégio. Contei a história a Tom, um aluno da sexta série, e ele se interessou em produzir uma continuação.
APRESENTADOR: Não me diga que você reprisou o papel do burro.
THIAGO: Não tive um papel pra mim. Acontece que Zé, o menino que ia fazer o porteiro, teve um problema no pé e não pôde aparecer nas cenas que foram escritas pra ele.
APRESENTADOR: Que raio de sequência é essa que traz você num papel diferente do primeiro filme e não reprisa nenhum ator além de você?
THIAGO: Você se acostumou com “Homem-Aranha” e “O espetacular Homem-Aranha” e tá
cobrando coerência de mim por que mesmo?
APRESENTADOR: Tudo bem, vamos para questões mais amenas. O que você fazia no filme?
THIAGO: Cantava umas paródias e varria o cenário.
APRESENTADOR: Só isso?
THIAGO: Também exerci uma carga dramática gigantesca numa cena em que eu refletia sobre a qualidade precária da manutenção do ensino público, quando o porteiro reclamava por não ter detergente pra lavar a portaria, devidamente defecada por pombos após uma dedetização profunda.
APRESENTADOR: Verdade?
THIAGO: Não, mas...
(fundo musical: “Assobiar ou chupar cana”- “seria muito bom/ seria muito legal”)
Caracterizado com uma calça coronha, Thiago canta na portaria ao lado de uma vassoura.

05/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 3


APRESENTADOR: Ainda no Colégio Escolha, você atuou em outra obra sua. Seria uma estratégia se colocar no elenco dos próprios filmes?
THIAGO: Pagar mico não é e nunca vai ser estratégia, é acidente de percurso mesmo.
APRESENTADOR: Soube que seu personagem se chamava Caíque.
THIAGO: Tá certo. Ele se chamava. Porque o resto do elenco nunca citou o nome dele.
APRESENTADOR: O que ele fazia na história?
THIAGO: No roteiro, o Caíque aparecia numa das festas e tentava conquistar a protagonista, e depois levava um toco. Mas não tínhamos verba pra providenciar duas festas. Inclusive, a que fizemos foi regada a muito pagode dos anos 2000, sendo que a trama se passava em 1988. E ele não estava.
APRESENTADOR: Então, como é que ele entrou no curta?
THIAGO: A história era sobre uma garota tímida que mudava o visual pra tentar fisgar o maior pegador da escola.
APRESENTADOR: Já vi isso em algum lugar...
THIAGO: Em todos. Mas ela fica grávida e não recebe o apoio de ninguém. Quando questionava o que deveria fazer, as pessoas aconselhavam que ela deveria abortar.
APRESENTADOR: Você é a favor dessa questão?
THIAGO: Só se for do mau humor. Gente eu gosto de deixar viva. Mas enfim... A melhor amiga da protagonista deveria, numa cena séria, argumentar que tirar o bebê era o melhor a se fazer. Mas aí...
KARINE: “Amiga, eu fiquei sabendo do que aconteceu. Tu ‘tá’ grávida, né? Tu ‘vai’ abortar, não vai?”.
TICIANE: “Eu não sei, eu tenho que pensar bem no que é que eu vou fazer ainda”...
KARINE: (com um tom de animação) “Aborta, mulher! Tu ‘vai’ perder as festas, ‘vai’ perder os gatinhos?”.
TICIANE: “É... É mesmo, né?”.
KARINE: “É!”.
JÚLIA: Gente, o que é que foi isso?
THIAGO: Assim... Eu acho que a cena não era pra ser desse jeito, não. Eu vou explicar como é. “Marina, eu fiquei sabendo do que aconteceu. É verdade que você tá grávida?”.
TICIANE: “É”.
THIAGO: “E agora? O que é que você vai fazer?”.
TICIANE: “Não sei. Meu pai disse que vai me tirar de casa se eu não abortar. E o canalha do meu ex disse que não quer esse bebê”.
THIAGO: “Você quer que eu diga o que eu penso?”.
TICIANE: “Fala”.
THIAGO: “Sinceramente, eu acho que não vale a pena seguir com essa gravidez. Pensa comigo: como é que você vai cuidar de uma criança que você não quer, ainda mais sem a ajuda de ninguém?”.
TICIANE: “Eu não sei. Juro pra você que eu não sei”.
THIAGO: “Seu pai não quer esse bebê, o Max também não... Será que vale a pena lutar contra o mundo todo pra ter uma criança que você nunca quis? Pensa no que eu tô te falando. Tenho certeza de que você vai tomar a melhor decisão”.
APRESENTADOR: O Caíque, então, apareceu por improviso?
THIAGO: Eu disse que meus textos da adolescência eram cultos demais, todo mundo lia o roteiro e inventava alguma cena baseada nele. Mas o “pai” do Caíque foi o Téo, que filmou meu ensaio sem que eu visse.
APRESENTADOR: Téo não era o protagonista do filme anterior?
THIAGO: Sim, e eu tentei repetir o par romântico colocando pitadas de sensualidade dessa vez. Mas Ariadne tava comprometida com o vestibular da Covest e com outro projeto de maior relevância, que explicarei logo mais.
APRESENTADOR: Bom, pelo menos sabemos que você não deu um vexame cênico, uma vez que você escreveu o roteiro.
THIAGO: Como a cena do conselho se passava na casa da mocinha e nós gravamos no Colégio Escolha por falta de verba, eu não poderia aparecer de farda. Isso explica o fato de eu ter exibido meus músculos braçais em cena, sem o menor constrangimento.
(fundo musical: “O homem ideal”- “não precisa ser o Alain Delon/ não, não precisa ser tão lindo assim”)
Thiago relembra a gravação da cena, em que estava de regata, revelando parte de seu corpo raquítico.

04/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 2


(fundo musical: “Coisas do Brasil (DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e Julinho Mazzei remix)”)
A ação é transferida para o Colégio Escolha, no qual o personagem principal estudou durante a sua adolescência.
THIAGO: Eu elaborei um roteiro de um curta-metragem chamado “Diário de um dependente” e mostrei a algumas meninas. Uma delas, em especial, me deu uma ideia inusitada.
ARIADNE: Você vai chamar Téo, da turma B, pra participar do filme?
THIAGO: Olha, eu não pensei nele, não. Pra ser sincero, eu ainda nem sei quem vai fazer o papel principal, se o filme rolar.
ARIADNE: Eu tô interessada em participar, mas com uma condição.
THIAGO: Sério? Qual?
ARIADNE: Que você escale esse menino pra fazer qualquer papel no filme, e que eu seja a namorada dele.
APRESENTADOR: Ela deu essa condição?
THIAGO: Deu.
APRESENTADOR: É claro que o cara não topou fazer...
THIAGO: Muito pelo contrário: aceitou na hora, e eu perguntei se tinha problema de ele fazer um coadjuvante que apareceria em uma cena só beijando a menina da minha turma. Ele quis saber quem era e soltou um:
TÉO: Tá de boa.
APRESENTADOR: Quando vamos chegar à parte em que você atuou no seu próprio filme?
THIAGO: Deixa da tua agonia!
APRESENTADOR: Desculpe.
THIAGO: Vendo a empolgação dela em fazer o curta, escrevi uma cena de festa onde o protagonista conhece um menino que lhe oferece um cigarro suspeito. Ela estaria nessa festa com o cara, que seria o namorado dela.
APRESENTADOR: “Estaria”?
THIAGO: Teve um detalhe que quase a fez desistir de contracenar com ele: o nome que eu inventei.
ARIADNE: Vitório? O que te faz achar que eu vou beijar um cara chamado Vitório?
THIAGO: Desculpa, foi o primeiro nome que eu pensei.
ARIADNE: Pois eu me recuso a beijar um homem que tenha esse nome! Se ainda fosse Lucas, Rafael, William, tudo bem... Mas Vitório? Nem que me pague!
THIAGO: O pagamento era um ponto na média, mas tudo bem.
APRESENTADOR: E você mudou o nome do personagem?
THIAGO: Nem precisei. Como não havia aquela fila enorme de atores, a diretora do filme escalou Téo pra fazer o protagonista. Isso não impediu que meu roteiro fosse visto pelo próprio elenco como algo que precisava ser popularizado. Uma vez, Ariadne e Tavinho, outro menino da turma que participaria do curta, começaram a achar que meu roteiro era culto demais.
APRESENTADOR: Por que essa impressão?
THIAGO: Bem, é que... Eu escrevi uma cena em que os dois descobrem que o mocinho tá usando coisas ilícitas.
APRESENTADOR: E o que tem de culto nisso?
Thiago lembra quando estava entre Tavinho e Ariadne em plena sala de aula, com os dois lendo o roteiro.
ARIADNE: Olha só essa cena, Tavinho, pra gente ensaiar.
TAVINHO: Cadê?
ARIADNE: “Eduardo, você já percebeu que o Fábio está diferente comigo?”.
TAVINHO: “Diferente, Gabriela? Diferente como?”.
ARIADNE: “Diferente, não; indiferente. O comportamento dele está muito estranho. Ele não quer mais conversar comigo e agora deu para andar com aquela turma esquisita da outra sala”.
TAVINHO: ”É verdade, eu também percebi isso. Eu já procurei o Fábio na casa dele e ele nunca está, já liguei várias vezes pro celular dele e ele não atende... Eu não sei o que está acontecendo com ele. E quando ele soube daquele cara que morreu, então?”.
ARIADNE: “Mas por quê isso?”.
TAVINHO: “Sei lá, mas nós temos que arrumar uma maneira de ajudar o Fábio”.
ARIADNE: Gabriela e Eduardo encontram Fábio tentando se jogar de uma ponte e correm para impedi-lo. “Não, Fábio! Não faz isso”... Faz a voz do Fábio também, Tavinho.
TAVINHO: “Me deixem em paz, eu quero me atirar!”.
ARIADNE: “Não, Fábio! Não faz isso, por favor! Fábio, me explica o que está acontecendo com você!”.
TAVINHO: “Eu estou usando drogas!”.
ARIADNE: “O que foi que você disse?”.
TAVINHO: “Que eu estou usando drogas, me larga”. E Fábio saiu correndo.
ARIADNE: “Eu não acredito que nós o deixamos escapar!”.
TAVINHO: “E agora, Gabriela? O que nós vamos fazer?”.
ARIADNE: “Droga”...
TAVINHO: Tem que mudar isso aí, velho...
ARIADNE: Vamos mudar o texto?
TAVINHO: Agora!
ARIADNE: “Edu, você sacou que o Fábio tá diferente comigo?”.
TAVINHO: (dá um safanão no braço de Ariadne e grita) “Diferente como, (CENSURADO!)?”.
ARIADNE: “Diferente, não; indiferente (muda o tom de voz). Ele tá muito esquisito”.
TAVINHO: “Verdade, ele tá um (CENSURADO!) mesmo!”.
ARIADNE: Gabriela e Eduardo encontram Fábio tentando se jogar de uma ponte e correm para impedi-lo.
TAVINHO: “Tu tá doido, é, miséria? Faz isso, não”! Agora você faz a voz do Fábio.
ARIADNE: “Me deixa, cara, eu quero morrer...”.
TAVINHO: “Então, se mata logo, desgraça!”.
ARIADNE: “Fábio, o que é que tá rolando com você, doido?”. “Eu tô me drogando, velho!”. “É o quê?”. “Eu tô me drogando, me solta!”. “Volta aqui, filho da (CENSURADO!)”!
TAVINHO: “E agora, Gabi? O que a gente vai fazer?”.
ARIADNE: “Nessas horas, eu só consigo dizer uma frase: ‘que (CENSURADO!)’!”.
THIAGO: Fui acusado, inclusive, de ter escrito uma cena de assalto tão cult que o ladrão praticamente implorava pra que a vítima lhe concedesse o fruto do roubo.
APRESENTADOR: Pare de enrolar e me conte como você se tornou figurante.
THIAGO: A diretora do filme resolveu chamar todo mundo que tava do lado de fora da sala 04 pra gravar uma cena em que o Fábio tava tão aéreo que pediu pra sair. Eu tava do lado de fora.
APRESENTADOR: Alguém te notou?
THIAGO: Fiquei tão concentrado em abaixar a cabeça e fingir que tava estudando que não vi nada da gravação dessa sequência.
APRESENTADOR: Que salto maravilhoso esse de sua carreira, hein? Certamente sua terceira passagem como alguém que não fala é o momento mais lembrado por todos os profissionais envolvidos na produção.
THIAGO: Na verdade, o que eu queria mesmo era ver o beijo.
APRESENTADOR: De quem?
THIAGO: Dos protagonistas. Foi a cena final do curta, e eu vi esse momento sendo gravado.
Na Praia do Paiva, é mostrado Thiago segurando um rojão enquanto observa a cena do beijo.
ARIADNE: "Agora você tá pronto pra começar uma nova história".
TÉO: "E sabe o melhor de tudo? É que você vai estar comigo pra sempre".
(fundo musical: “O beijo”- “um beijo/ teus beijos/ me fazem voar para o céu”)
Thiago solta fogos assim que o beijo técnico se concretiza.
APRESENTADOR: Deixa eu ver se eu entendi: você encerrou um curta-metragem sobre drogas com essa música?
THIAGO: Não. Terminei com essa:
(fundo musical: “Evidências”- “e nessa loucura/ de dizer que não te quero/ vou negando as aparências/ disfarçando as evidências”)
Thiago solta fogos novamente.
THIAGO: Mas minha eterna vocação pro flop fez com que essa cena do beijo simplesmente se perdesse na ilha de edição.

03/02/2019

COMO NASCEM OS ATOR(DOADOS)/ CENA 1


Based on a true story
(baseado em uma história real)

CENA 1

Um apresentador coberto por uma penumbra está de frente para Thiago, comandando o programa.
APRESENTADOR: Nascido na pacata província de Drowneds, o nosso entrevistado de hoje vai contar para o público como administra sua carreira de altos e baixos, com muito mais baixos do que altos.
THIAGO: Que Drowneds o quê? Eu sou natural de Jaboatão!
(fundo musical: “Achados e perdidos”- “vou procurar/ vou encontrar/ por tudo que procuro, com certeza vou achar/ vou procurar/ vou encontrar/ alguém no meu caminho, minha vida, meu lugar/ mil vezes eu vaguei pela cidade/ mil vezes eu perdi a identidade/ mil vezes eu perdi a condução/ da estrada que vai dar no coração/ mil vezes procurei pelos amigos/ mil vezes fui achado, fui perdido/ mil vezes tantas portas fui bater/ minha vida inteira procurando por você/ minha vida inteira procurando por você”)
É iniciada a abertura do média-metragem, servindo também como a abertura do programa homônimo, com os seguintes créditos.

Joga Fora No Lixo Produções presents
a Felipe Lipstein film
HOW STUNNED ARE BORN
(Como nascem os ator(doados))
with Thiago Barros
screenplay by Gabriel Arenas
directed by Felipe Lipstein

Há o retorno da atração, na qual Thiago aceita responder às perguntas do entrevistador.
APRESENTADOR: Quando se iniciou essa sua carreira nada vitoriosa?
THIAGO: Quando eu tinha dez anos. Minha professora de educação artística resolveu fazer uma peça para explicar qual é o sentido de se comemorar a páscoa, e escalou um aluno novato pra fazer o papel principal da “Paixão de Cristo”.
Rapidamente, o protagonista é transportado para o ano de 2002, até a escola na qual estudava da infância até os primeiros anos da sua adolescência, o Colégio Olímpico. Em sala, o garoto ouve as instruções.
PROFESSORA: Nós vamos fazer a encenação na quarta que vem, depois do intervalo. Quem eu escolhi pro elenco tem que trazer um lençol de casa, porque ele vai servir pra compor o figurino da peça.
APRESENTADOR: Você estava no elenco?
THIAGO: Não, mas levei o lençol. Não me pergunte por quê, mas acreditei que eu ia precisar dele na semana seguinte.
APRESENTADOR: E precisou?
THIAGO: Aham. Júlio César simplesmente sumiu do mapa e a professora me viu passando pelo corredor na hora do recreio...
PROFESSORA: Sabe qual é o papel que você vai fazer na “Paixão”?
THIAGO: Qual?
PROFESSORA: O papel de Jesus.
THIAGO: A primeira providência que tomei foi me enrolar no lençol branco que eu trouxe.
APRESENTADOR: Imagino que deva ter sido muito difícil arcar com toda a carga dramática que a interpretação pedia... Ainda mais com todo o texto próprio da encenação.
THIAGO: Que texto?
APRESENTADOR: Como assim? Você não falou nada a peça inteira?
PROFESSORA: Já que vocês foram escalados hoje e não vai dar tempo de decorar, eu vou ler todo o texto da peça e vocês vão ter de interpretar. A única coisa que vocês vão ter que dizer é “aleluia” quando ele sair do sepulcro.
APRESENTADOR: Foi bom pra vocês, então?
THIAGO: Foi ótimo. Mas considerando a face séria que vejo nos quadros, fiquei o tempo todo enrolado no lençol e sério.
APRESENTADOR: Mais nada?
THIAGO: Abri os braços na hora da ressurreição... Com a cara mais séria do mundo. A experiência foi muito boa.
APRESENTADOR: Sei... No entanto, não é nada que te fez enveredar pelas artes cênicas.
THIAGO: Pelo contrário, fui chamado pra participar de novo no outro ano.
APRESENTADOR: Como Jesus?
PROFESSORA: Eu decidi que nós vamos fazer a “Paixão de Cristo” nesse ano também. E já escolhi quem vai fazer o papel principal.
APRESENTADOR: Você ficou mudo pelo segundo ano seguido?
THIAGO: Não, dessa vez ela me escalou pra ser João, e deu o papel de Jesus a Daniel, um dos mais inteligentes da sala. Mas eu ganhei uma fala, pra marcar meu regresso em grande estilo.
APRESENTADOR: E que frase você tinha de dizer?
THIAGO: “Mulher, por que choras?”.
APRESENTADOR: Essa frase não é de João.
THIAGO: Pois é. Minha professora deve ter notado isso quando eu tava comemorando minha fala pro segundo papel. Terceiro, né? Porque o primeiro sempre será de trouxa.
(fundo musical: “O portão (Felipe Venâncio house mix”- “eu voltei/ agora pra ficar”)
Novamente, a fachada do Colégio Olímpico é mostrada ao público.
PROFESSORA: Tivemos uma mudança no roteiro. Esqueçam tudo que vocês decoraram.
THIAGO: Mas eu passei quase quinze dias com “mulher, por que choras?” na cabeça!
PROFESSORA: Finjam vocês dois que estão conversando.
APRESENTADOR: E quem você e o outro aluno estavam representando na passagem bíblica?
THIAGO: No começo, eu pensei que Hernando e eu estávamos fazendo os guardas do sepulcro, mas eles não estavam conversando naquela hora.
APRESENTADOR: Sua experiência com dramaturgia bíblica, na qual você entrou mudo e saiu calado, não te impediu de ser figurante num roteiro de sua autoria anos depois.
THIAGO: Bom, aí vamos ser obrigados a trocar de cenário...