29/06/2014

VÁ LER "RELÍQUIA" ("BATEU A QUÍMICA", DA BANDA SEDUTORA)

Revisou o que dei
Porque eu trabalhei
Eça; então, vá ler "Relíquia"

Se faltou, direi
Eu citarei
"Padre Amaro", a "Estrada de Sintra"

Mais: escreveu "Rua das flores"
Daí, a "Casa Ilustre" e "Egipto" criou
Você leu "Fradique Mendes"
E contemplou "Os Maias", do mesmo autor? (do mesmo autor)
"Tesouro" escreveu autor
"Capital" também é de autor
"Abranhos" escreveu autor
Professor não vai dar zero assim
Professor não dá zero assim

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 12: EM LAR CELESTIAL



-Por que a surpresa, Paulo? Eu te disse que se não mudasse, era exatamente aqui que você ia parar.
-O que você fez pra vir parar aqui?
-O que eu fiz não importa. Sempre estive disponível pra quem quer que fosse. Todo mundo me conhece, filho. Sou o homem mais previsível do mundo. Não mudei uma vírgula daquilo que eu sou. Segui a minha vida... Ou melhor, tentei seguir depois que você foi embora, pela fé! Mas parece que as coisas não deram certo pra você.
-Não fala assim comigo.
-Como é que eu estou falando?
-Com essa voz. De superior. De quem vai jogar na minha cara que “tava” certo, que tem razão, que sempre teve razão.
-Por que eu ia fazer isso, Paulo? Eu não acompanhei a sua vida, não sei o que você fez... Não sou ninguém pra dizer se você está coberto de razão ou não, você me tirou esse direito. Paulo, eu só queria ser pai. Mas você... Você me fez acreditar que amar um filho é o pior defeito de um homem. Não posso interferir na sua vida porque você não quis. Só estou respeitando aquilo que você mesmo determinou pra nós dois.
-Viu? É como eu disse: bancando o superior, como sempre.
-Sempre? Então, diz um dia em que eu fiz isso. Eu sei que ninguém é exemplo da perfeição, até porque, pra mim, perfeição está nos céus, mas ficar procurando o que odiar no próprio pai é pior do que um defeito qualquer.
-Foi pra isso que você veio aqui? Pra me punir? Pra jogar na minha cara que tudo deu errado desde que eu saí de casa? Que sumi por vontade própria?
-Não vim te procurar, “Gigante”. Olha a minha roupa. A mesma sua. O que você pensou? Que eu fui revistado pra te visitar? Que eu ia ficar no meio dos outros presos pra dar um abraço emocionado no meu filho? Não, Paulo. Faz um mês que eu estou aqui.
-Mentira sua...
-Não, filho. A gente não mente desde que você disse que ia mudar e ia deixar de roubar os outros. Eu posso ter errado, mas nunca levantei um falso, nunca menti. Só pros outros, quando dizia que você era uma boa pessoa.
-O que você quer que eu te fale?
-Juro que nunca mais toco nesse assunto, nem em assunto nenhum com você. Você quer que eu te deixe em paz, e eu vou te deixar em paz. Mas eu te imploro, até de joelhos se você quiser, que me responda uma coisa só, Paulo.
Com pesar, mas sem conseguir desviar da pergunta que será feita, Paulo decide ouvir o pai.
-Fala.
-Por que você está aqui?
-Por... Descobriram que eu...
-Roubou?
-Roubei. E também porque... Eu tinha um comparsa no plano... O Alexandre, o filho do Pastor Célio... A gente fugiu junto, com uma mulher. Só que a gente se desentendeu e... Eu não quero falar mais...
-Mas eu tenho que ouvir!- o grito de Murilo surpreende a Irandir e ao médico, acostumados ao seu jeito calmo- Você... – solta um pigarro e volta a falar baixo- Fez o quê? Matou? Responde, Paulo, você matou algum deles?
-Não. Não matei. Não matei ninguém. Mas vontade não me faltou, nem oportunidade. Tentei três vezes, e na última, a polícia me pegou.
Murilo olha para cima e deixa que as lágrimas caiam, mas não olha para o rosto do filho até tomar impulso e voltar a conversar.
-Quer saber o que eu fiz, Paulo? Eu roubei.
-Você o quê?
-Assaltei a minha igreja, faz um mês. Roubei cinco mil reais.
-O senhor “tá” aqui por causa do meu...
-Não! Eu estou aqui porque eu roubei. E pensei que nunca ia ser descoberto. Não me arrependo de nada, não me bate nenhum remorso. Sabe por quê? Porque eu sei que no dia que eu sair daqui, a minha mulher e o meu filho vão estar em casa, me esperando. Como todo dia, quando eu volto do culto.
-Assumiu a culpa pelo roubo?
-E o que você queria que eu fizesse? Dissesse de quem eu suspeitava? Contasse de quem era a culpa? Não. Eu queria ser recompensado com a volta do meu filho pra casa. Se ele voltou, eu não posso contemplar, porq.ue estou aqui. Por culpa dele. Eu não tinha arrependimento algum, na vida, até rever você. Você conseguiu fazer o dia do meu milagre ser o pior da minha vida. Obrigado... Filho...
-Pai, me escuta... Eu não queria que você pagasse isso por mim.
-Quem vai pagar? Você? Que você adora me surpreender, eu já sei, mas não a esse ponto. Mas eu vou te dar uma chance. Chama o advogado, o promotor, o defensor público, o escambau, e diz quem roubou a igreja. Diz. Você vai fazer isso?
-Você “tá” louco? Eu nunca vou fazer isso! Não vou assumir crime nenhum, não sou idiota!
-Isso já é o suficiente pra entender, de uma vez por todas, o que você pensa de mim.
-Não, pai. O que eu penso de você eu nunca tive a chance de falar.
-Te dou oportunidade agora.
-A minha vida era uma porcaria, um tédio. E apesar de eu gostar muito de você, o que eu queria mesmo era ser diferente. Conformado, acostumado com a vida, esperando as famosas bênçãos do céu... Pra quê? Pra viver essa vida de miséria, sem ter as roupas que eu gosto, o dinheiro que eu quero e tudo mais? Ser conhecido como o filho do pastor que arrecada dinheiro e não tem dinheiro, como o filho da mulher que vende produto de porta em porta e assim, deve conta de água e de luz? O que o senhor acha que eu ganhava com isso? Você acha que eu era feliz sendo como eu era?
-É feliz agora, sendo o que você procurou ser? Eu não sei o que você pode ter ganhado fora da minha casa, Paulo, mas aqui... Você vai ganhar proteção. Te prometo, meu filho- enxuga as lágrimas diante da maneira ríspida com a que é tratado- Nenhum homem daqui vai encostar num fio de cabelo seu. Mas não é porque é você é inferior aos outros presos. É porque você é igual.
-Eu vou sair daqui. Vou construir minha vida de novo. Do meu jeito, o senhor querendo ou não.
-Tem um ditado, “Gigante”, que diz pra gente bater no filho antes que o mundo bata, porque o mundo vai fazer sofrer mais do que uma mãe ou um pai. Se eu fizer isso, eu não vou fazer como pai, e sim como um do mundo, porque foi nele que você me colocou.
-Duvido que você coloque um dedo em mim.
-Nunca mais duvide- afasta-se de Paulo em silêncio, até que volta correndo e começa a bater no rosto do filho, que o segura.
-Para com isso, pai! Você ficou louco?
-Murilo, não faz isso, é seu filho!- Irandir tenta conter o amigo.
-Eu não sou pai de bandido nenhum!- Murilo derruba o filho no chão- Bandido nenhum!- chuta duas vezes o abdômen do jovem- Nenhum!- abaixa-se, segurando-lhe pelo cabelo e voltando a dar socos em seu rosto- Miserável! Infeliz! Diz que vai roubar! Diz que vai matar agora! Fala! Covarde! “Tô” aqui por sua culpa! Desgraçado! Fala! Fala, nojento! Fala!
-Me larga, pai! Por favor!- muito fraco, Paulo tenta segurá-lo.
-Não põe a mão em mim! Desencosta! Assassino! Ladrão!- empurra o filho e se levanta do chão- os carcereiros tentam conter Murilo, mas Irandir intercede e faz um sinal para que eles o deixem resolver a questão com Paulo- É assim que eu sei me defender, meu filho. Se você quiser brigar agora, faz do jeito que sabe fazer: se esconde atrás de uma arma.
-Me perdoa, pai! Me desculpa, por favor- ajoelha-se, ainda distante do pai.
-Um pastor sabe perdoar, um pai sempre perdoa. Eu também sei, Paulo. Mas eu não te dou o perdão. Você não mereceu essa surra. Não merece nada.
-Vamos sair daqui, Murilo. Vem- Irandir chama o amigo.
-Deixa eu olhar você- apressa-se o médico.
-Não precisa, não. Ele está calejado. A fé faz isso com todo mundo- as palavras de Murilo fazem todos se afastarem de Paulo. Os carcereiros levam Irandir e o pastor para a cela. O médico os acompanha, e Paulo fica recluso num canto, expiando tudo o que fez à família.
Os carcereiros trancam os amigos dentro da cela. O médico da penitenciária oferece apoio  Murilo.
-Qualquer coisa que precisar...
-Já tenho tudo o que eu quero, doutor. O resto se ajeita. Pode ir tranquilo- dito isso, o médico sai com os carcereiros.
-É incrível, Murilo. Depois de tudo o que você fez, o teu filho veio parar aqui.
-Muito casal crente decide colocar nome da Bíblia nos filhos. Verônica escolheu “Paulo”. Depois, ele foi ficando um adolescente muito alto, chamava a atenção das meninas da rua. Virou o “Gigante”. Mas o meu filho virou o meu “Gigante” também. O meu desafio pessoal. E eu não venci, Irandir.
-Murilo...
-O que é?
-Sabe aquela paz que você deseja toda vez que encontra seus crentes? Um dia, você vai ter. Você e a sua família.
Emocionado com o que acaba de ouvir, Murilo senta em sua cama e chora pela prisão de seu filho. Enquanto isso, o banho de sol termina e Paulo é levado para a sua cela, passando antes pelo corredor no qual o pai está e, rapidamente, fica fragilizado ao ver que, por trás do homem violento que o espancou, ainda reside um pai que sofre pelo destino da família.


Verônica desperta após ter desmaiado na rua. Deitada numa maca, vê que Natália está ao seu lado.
-O que é que você veio fazer aqui?
-Eu estava num táxi e vi você caindo. Eu mesma trouxe você pra cá.
-Eu caí? Não me lembro de nada...
-O médico te examinou e fez um exame pra ter certeza do que você tinha sentido. Você... Viu o Murilo nesses últimos dias?
-Isso não é da sua conta.
-Pelo visto, viu. Está explicado o seu mau súbito.
-Foi a preocupação que me fez ficar assim. Não tenho comido quase nada.
-Olha, eu posso garantir que não foi a preocupação que te fez ficar assim, e sim o Murilo. E eu acho melhor você começar a se alimentar melhor, porque agora você vai ter que comer por dois.
-O que você quer dizer com tudo isso? Para de me enrolar, fala logo.
-Você está grávida, Verônica. O próprio médico me contou, e o exame está aqui- entrega o resultado para Verônica, que o abre, incrédula.
-Não pode ser verdade.
-Sendo verdade ou não, o fato é que você tem que comunicar isso ao Murilo.
-Pra ele, eu não vou contar nada. E eu acho que você também não devia contar. Um filho faria nós dois ficarmos mais próximos, e isso não é conveniente pra uma mulher que pretende conquistá-lo.
-Está bem. Eu vou respeitar o seu direito de não dizer nada. Por enquanto. Mas que uma hora ele vai ter que saber, isso vai.


Dias depois, Natália vai visitar Murilo na penitenciária.
-Como é que você está, Murilo?
-Sobrevivendo a esse inferno. Mas não há prova que um servo não resista.
-A Verônica... Deu algum sinal de vida? Veio te ver? Procurou saber de você?
-Veio uma vez, faz uns dias.
-E aí?
-Pensei que a gente tinha se reconciliado. Mas ela ainda guarda raiva de mim, por coisas que eu não fiz. Mas eu não quero falar disso.
-Por que não?
-Porque eu imagino que deva ser muito doloroso falar desse assunto com você.
-Tem razão. Eu já deixei bem claro que eu gosto de você, que eu admiro você como pessoa, mas...
-Mas o quê?
-Mas eu não posso interferir nos seus sentimentos, ainda mais sabendo que sua mulher sente a mesma coisa, que te retribui. Caso contrário, ela não teria vindo aqui. Não vim aqui pra destruir o seu casamento, Murilo. Não sou nenhuma “Messalina”, como já me disseram... Eu saí de São Paulo pra conhecer o meu filho e conquistar o amor dele.
-É sobre o “Gigante” que eu queria falar. Deveria estar contando essa estória pra Verônica, mas como ela se recusa a me ver...
-Alguma novidade?
-Sim, tenho. Você vai poder conhecer o seu filho, e a Verônica vai poder rever o dela.
-Você tem certeza do que esta me dizendo? E onde o “Gigante” está?
-Aqui.
-Aqui? Mas como?
-Paulo foi preso e transferido pra esse presídio. Por roubo e tentativa de homicídio. O nosso filho está aqui.
-Isso quer dizer que...
-Isso quer dizer que eu estou cumprindo pena pra que o Paulo não seja preso. Esforço inútil. Ninguém sabe que ele roubou o dinheiro da igreja, mas ele fez questão de cometer crimes piores.
-A Verônica precisa saber disso.
-Por favor, avise a ela.
-Você e o Paulo se encontraram?
-Sim, eu vi o meu filho.
-O que aconteceu?
-Traga a Verônica e peça pra vê-lo. Ele vai poder contar todos os detalhes do nosso reencontro.


Célio vai até a penitenciária e pede para ver Alexandre. Com o braço enfaixado, o rapaz se senta diante à mesa e ao pai.
-Te vi na televisão; por isso, vim pra cá.
-Não vai me dizer que ficou surpreso?
-Como não vou ficar? Eu jamais poderia imaginar que isso aconteceria com você, logo com você.
-Por causa do meu senso de justiça, que ficava te condenando? Isso mostra que a maçã nunca cai muito longe da árvore.
-O que você quer insinuar, Alexandre? Que a culpa de você estar aqui é minha?
-Não, é minha. Sou maior de idade, posso responder pelo que eu faço. Mas a verdade é que eu tive um ótimo exemplo dentro de casa.
-É isso que você sempre quis: me condenar, não é? Fazer com que eu tivesse culpa?
-Culpa? Por que você ia sentir culpa, pai, se nem eu sinto? O que você acha? Que eu me arrependo de ter fugido de casa, de ter virado um bandido, um ladrão? A única coisa que eu me arrependo é de ter matado a mulher que eu amava, a Rebeca. Do resto... Eu faria tudo de novo.
-Se isso não é me punir, o que é, então, Alexandre?
-Olha aqui, se você quer se sentir culpado por alguma coisa, então que seja pelo dinheiro que você desviou da igreja esses anos todos, enganando o Pastor Murilo!
-Isso é coisa das companhias que você tem.
-Que companhias? O Paulo? O filho do Murilo? Sim, porque ele é quem teve a ideia de assaltar uma loja, de mandar que eu passasse o caminhão em cima de três homens da polícia. Deixa de ser ingênuo. Eu fiz porque eu quis fazer, dar um jeito de ficar longe de você!
-Você não merece que eu te chame de “meu filho”.
-Nem você merece ser pai! Não pense você que tudo o que eu fiz foi pra chamar a sua atenção, não preciso dela pra nada.
-Alexandre, por que você não insiste em começar tudo outra vez? Você sabe que eu vou ficar do seu lado.
-Demorei a minha vida toda pra ouvir isso de você, esperando que pra qualquer besteira que eu fizesse, você chegasse pra mim e dissesse que eu “tava” errado. Mas não. Quis ficar longe de mim, só pensando no dinheiro. “Tô” deixando seu caminho livre, pai, pra você fazer o que bem entender, como sempre fez. Não precisa voltar aqui. Eu vou ficar bem.
-Alexandre... Alexandre, por favor!- toca no rosto do filho quando o vê se levantando.
-Pode contar pra todo mundo o que eu fiz, eu não vou morrer de vergonha. O que eu morro de vergonha é de você- Alexandre vai em direção ao carcereiro e pede para sair da sala- Me leva pra cela.
-Filho!
-Não me chama de “filho”! Eu nunca quis ser e não sou nada seu!- o carcereiro, percebendo que Alexandre avançou contra Célio, o contém, levando para cela e deixando o pastor desolado na sala.


Naquela mesma tarde, Verônica e Natália decidem ver Paulo, ainda com diversos hematomas. O rapaz não é avisado sobre quem veio falar com ele, é trazido algemado, com a cabeça baixa. Os ferimentos causados por Murilo chocam a esposa do pastor. Natália chora em silêncio ao conhecer o filho.
-Paulo?
O rapaz reconhece a voz da mãe e, com vergonha, não se aproxima dela. Verônica, no entanto, não espera por uma atitude do filho e corre para abraçá-lo.
-Me desculpa, mãe. Me perdoa, me perdoa- diz, também com um tom contido e lágrimas nos olhos.
-Filho... O que foi que fizeram com você, meu filho?
-Nada, mãe. Quem fez fui eu.
Natália se aproxima de Verônica e Paulo e o rapaz percebe que a mulher está apreensiva, sem saber o que fazer. Olha para a esposa de Murilo e questiona:
-E ela, não é?
-O quê, “Gigante”?
-A minha mãe? Minha mãe de verdade?
Verônica não sabe o que dizer, ficando surpresa pelo fato de Paulo já ter essa informação. Sem jeito por jamais tê-la visto, o detento segura uma de suas mãos, e estende a outra àquela que cuidou dele durante a vida. Os três, emocionados, se deixam envolver por mais um abraço. Nada mais é dito naquele momento. E Verônica fica tranquila por perceber que o amor que o filho sentia, e que foi esquecido quando havia se desviado dos ensinamentos da família, volta muito mais forte, ainda que marcado pelo arrependimento. Pela primeira vez, as rivais viram seu propósito se cumprir e assim, uniram-se para apreciar a vitória recebida.


Uma chuva forte começa a tomar conta de Olinda. Célio abre a porta da sua casa e sai com o paletó desabotoado, com o rosto coberto de amargura, sem nenhum casaco ou capa. Deixa a porta aberta. Passa em frente a um mercadinho, do qual sai Ivone, armando um guarda-chuva. Ela o reconhece.
-Pastor Célio, vem aqui pra debaixo enquanto estiar... Pastor Célio! Pastor!
Ivone não é respondida. Muitos frequentadores da igreja estão ao lado de Ivone, e estranham o comportamento do pastor. Começa um burburinho pela atitude nada habitual de ignorar os evangélicos. A quadras dali, Célio continua a chamar a atenção dos transeuntes e fica ao fim de uma ponte. Olha para o mar e continua se lamentando pelo que aconteceu a Alexandre. Inclina seu corpo, cada vez mais perto da decisão sem volta. Mas desiste.
-Eu não posso ir assim. Tenho que viver com a minha culpa- pensa, completamente desnorteado.
Muitos, vendo o estado de desespero do pastor, tentam chegar perto dele, mas ele, sem dizer uma palavra sequer, os repele, saindo em rumo ao destino desconhecido.


Giancarlo, Natália e Verônica estão no hotel conversando a respeito de uma novidade que poderia solucionar o caso de Murilo.
-Com base no depoimento de Natália, a polícia expediu um mandado de busca e apreensão na casa do pastor Célio Rebelo, além de exigir que ele novamente desse um depoimento sobre o caso de Murilo.
-Nossa! Até que enfim vão ser mais rudes com aquele homem! Dessa vez, ele vai ter que inocentar o Murilo.
-Infelizmente, as notícias não são tão boas assim.
-Mas por quê, doutor? Qual o problema?- Verônica pergunta.
-Existe uma prova de que Murilo não foi o responsável pelo roubo do cheque.
-E o que seria, Giancarlo?
-O cheque foi encontrado na casa do Célio.
-Bem como eu suspeitava!
-Quer dizer que o Célio roubou e fez a culpa disso recair sobre o Murilo também?
-Pra você ver que ele está sendo acusado de coisas demais, inclusive por você.
-Senhoras, por favor... O seu cheque está na delegacia, Sra. Veronese. Só que o Célio não foi encontrado para prestar esclarecimentos novamente. Diversos moradores da região confirmaram que ele saiu vagando pelas ruas do bairro, só com a roupa do corpo.
-Provavelmente foi o desgosto de ter um filho assassino. Nossa, e pensar que o meu “Gigante” esteve envolvido nisso tudo...
-Mas o Paulo vai se reerguer. Com a ajuda do pai, da mãe e da sua também, Verônica, que não deixa de ser mãe dele.
-Obrigada pelo que tem feito pelo Murilo.
-E não é só isso, Dona Verônica. Também fui convocado pela Sra. Veronese a cuidar do caso de Paulo.
-A minha fé anda abalada nos últimos dias, doutor. Apesar de ter melhorado, vendo as coisas se encaminhando, eu não creio que seja fácil soltar o Paulo. Os crimes deles foram muito graves. E se contar a verdade, que ele roubou a igreja, aí é que ele vai ficar mais tempo preso.
-Não se preocupe. Existem muitas chances da justiça conseguir fazer com que Paulo responda aos crimes em liberdade, ou que pelo menos consiga ficar em regime semiaberto cumprindo a pena.
-E que chances são essas, Giancarlo?
-Bom, é um segredo de justiça. Não posso falar nada, por ora. Mas peço que vocês confiem em mim. O que me preocupa é o caso do Murilo. Consegui marcar o julgamento, e diante da gravidade do caso, tentei adiantar ao máximo o julgamento. Mas não houve maneira. Teremos que esperar mais dois meses. Comuniquei isso ao Murilo. Recebeu a notícia com resignação.
-Porque sabe que o impossível Deus faz por ele- conclui Verônica.


O julgamento de Murilo tem continuidade. Ivone termina de prestar depoimento contra o pastor e volta a se sentar, com olhar de repúdio sobre o réu.
-Acredito que não há mais testemunhas para serem ouvidas, então...
-Perdão, Meritíssimo, mas eu comuniquei aos jurados de que há mais uma testemunha de defesa. Creio eu que o seu depoimento será de importância crucial para o veredicto.
-Se assim diz, Dr. Giancarlo, que a faça entrar.
-Obrigado. Que entre neste momento a testemunha Paulo Nobre.
-Paulo? Mas o que ele... – Murilo estranha a presença do filho, assim como Verônica e Natália. O rapaz é levado ao juiz.
-Jura dizer a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?
Murilo olha para o filho com atenção.
-Eu juro- frase tida como suficiente para que Murilo decida não olhar para Paulo, por acreditar que seu filho mentirá em juízo.
-Paulo Nobre, qual a sua relação com o réu, Murilo Nobre?
-A gente era inimigo. Eu sempre fiz questão de ser diferente dele, de levar uma vida diferente da que ele levava.
-O réu, que também é seu pai, levava que tipo de vida?
-Honesta. E por ser tão honesto, não via dinheiro nenhum entrando em casa. Minha mãe se virava como podia. Ele também... Era o cara que mais contava dinheiro. Mas nada ficava pra ele. Ficava pra igreja. A doação do pessoal ia toda pra rua.
-Seu pai atuava como pastor na Igreja Lar Celestial. Alguma vez ele já havia se queixado por conta de algum furto ocorrido lá?
-Ele dizia que nunca iam roubar nada dali porque aquele lugar era abençoado. Mas como eu falei, nunca tocou num só centavo.
-Paulo, você veio me procurar porque disse que o seu depoimento perante os jurados poderia inocentar seu pai da acusação de furto contra a Igreja Lar Celestial. Por qual motivo queria estar aqui? O que tem realmente a me dizer?
-O dinheiro, os cinco mil reais da igreja... Fui eu quem pegou.
Os presentes ficam escandalizados com a declaração do detento. Murilo chora de cabeça baixa, sem olhar para o filho.
-Protesto, Meritíssimo! O advogado de defesa está tentando coagir a testemunha a dar declarações sem fundamento legal- afirma o promotor.
-Sendo assim, como eu poderia saber que você foi o responsável, Paulo?- o juiz pergunta diante da colocação do promotor.
-Eu “tava” andando com uma turma. Uma namorada que era enfermeira e tinha sido demitida por roubar equipamentos do hospital que trabalhava. O nome dela era Rebeca. Além de nós dois, havia o Alexandre Rebelo, que era meu vizinho e é filho do pastor Célio, da mesma igreja que o meu pai.
-A forma, então, que os três foram responsáveis pelo sumiço do dinheiro?
-Não, seu juiz. Eu roubei porque Rebeca e eu tivemos a ideia de fugir e roubar uma loja de conveniência. Só que, se a gente roubasse, a gente não tinha onde se esconder. Foi aí que eu roubei a igreja. Uma parte do montante eu usei pra comprar um carro velho, e a outra foi pra pagar o aluguel do apartamento onde a gente “tava”.
-Trouxe comigo a minuta do contrato de locação do apartamento e o documento de compra do carro, Meritíssimo- Giancarlo leva os papeis ao juiz- Essas datas coincidem com a chegada de Rebeca Veronese, que não chegou a conhecer o Paulo Nobre quando desembarcou em Pernambuco porque ele já havia fugido de casa.
-Considerando que o relato de Paulo seja realmente comprovável, como saber se ele não roubou mais do que isso? Afinal, um cheque doado por Natália Veronese para cobrir o roubo também sumiu e reapareceu há alguns meses.
-Meu cliente, Sr. Juiz, é de uma personalidade e integridade ímpares. Ele fazia com que Célio emitisse diversas notas fiscais, todas comprovando as ofertas dadas pela Igreja Lar Celestial. Murilo tinha a chave da urna onde o dinheiro era guardado, mas não tinha acesso à quantia todo o tempo. Tanto é que quebramos o sigilo telefônico de Célio e descobrimos que o pastor superfaturou o preço dos bancos que seriam comprados para o templo, uma vez que desejava subtrair mais do que era arrecadado oficialmente. Mesmo o Célio Rebelo ter desaparecido, provavelmente para não prestar contas à justiça, é fato de que a inocência de Murilo Nobre é mais do que comprovável.
-Sr. Giancarlo, o senhor permite que eu faça uma pergunta a mais à testemunha de defesa?
-Perfeitamente, Meritíssimo.
-O que, de fato, o levou a furtar a igreja de seu pai e cometer outros crimes?
-Eu não entendia que ele, mesmo não tendo quase nada, pudesse sorrir. Eu, como filho e como homem, não conseguia olhar o lado dele. Me incomodava ver os outros tendo tudo e eu quase nada. Mas o amor dele não me faltava. Hoje, eu quero aprender a usar, e recebo a indiferença como resultado do que eu fiz. E depois, não tem sentido eu me calar. Já “tô” na cadeia, o que vou fazer? Deixar ele pagar por uma culpa que é minha?
-Sem mais perguntas. Giancarlo?
-Pra mim, foi o suficiente, Sr. Juiz.
-Muito bem. Teremos um recesso de quinze minutos para que os jurados façam suas considerações. Em breve, lerei a sentença. Podem se retirar.
Ivone fica sem reação ao ver que julgou Murilo erroneamente. A polícia leva Paulo à viatura e Murilo aguarda com Giancarlo a leitura numa sala à parte. Incrédulo com a atitude do filho, ele pensa numa maneira de retribuir o “favor recebido”.


Já está próximo o anoitecer. Irandir está sozinho na cela, quando um carcereiro traz Murilo de volta.
-Eu tenho uma coisa pra te contar.
-Eu também. Não falei porque sabia da sua agonia como julgamento.
-O que foi, Irandir?
-Hoje é o último dia da minha pena. Eu só estava esperando você voltar pra me despedir.
-Se despedir? Despedir por quê?
-Como “por quê”? Murilo... Aliás, o que você “tá” fazendo aqui?
-Irandir, eu sempre disse que você devia acreditar em milagre, não disse?
-Quer dizer que... Ai, meu Deus!- Irandir abraça o amigo- A gente “tá” livre disso tudo, desse inferno? É isso mesmo? A gente vai começar uma vida nova?
-Acho que estou um pouco velho pra começar de novo. Digamos que eu vá continuar aquilo de bom que a minha vida tinha. O meu casamento, por exemplo.
-Se acertou com a Verônica?
-Correu pra me abraçar quando o juiz deu o veredicto. Lembra que uma vez eu te contei que a gente, aqui na cadeia...
-Sei. O que tem esse dia?
-Quando você estava internado, eu contei uma história. A de Abraão e Sara. E de novo, eu disse que o impossível podia acontecer.
-Não vai me dizer que...
-Finalmente a gente vai conseguir realizar o sonho de ter um filho nosso. Ela me confessou assim que saiu a sentença.
-Não, Murilo. O “Gigante” vai continuar sendo filho dos dois, querendo você ou não.
-Meu filho nasceu pra me surpreender, em todos os sentidos.
-Quando você vai voltar a se entender com ele?
-Eu não sei. Ainda me dói muito o que ele fez comigo, com a Verônica, com ele mesmo. Mas eu não acho que isso vai demorar. Olha, deixa eu arrumar minhas coisas, porque eu quero cumprimentar de novo sua esposa e sua filha.
-Minha esposa? Filha? Do que você está falando, Murilo?
-Estão lá fora te esperando. O que você precisa pra entender que um Deus vivo trabalha por você? Vem, me ajuda a arrumar as coisas.
Irandir mal pode se conter por saber que a sua família o perdoou e que veio buscá-lo. Enquanto ajuda Murilo, o pastor conta tudo sobre o depoimento de Paulo no julgamento.

POUCOS MESES DEPOIS...

-Eu não tinha emprego nenhum, nenhuma ideia do que ia ser a minha vida quando eu saísse daqui. Mas um irmão me arrumou, para toda honra e glória, um emprego na igreja dele. Agora, meus amigos, eu digo com propriedade que eu creio nas maravilhas de um Deus que nada mais é do que Aquele que me sustenta. Por isso, eu faço um convite: venha para ele enquanto é tempo- brada Irandir, sendo acompanhado por Natália, Giancarlo, Verônica e Murilo (escoltados por policiais), além dos outros detentos. Paulo e Alexandre se mantêm distantes um do outro, em extremos do pátio da penitenciária, onde há o culto.
-Aleluia- alguns presos concordam com as afirmações de Irandir e gritam. Percebendo que ainda há uma forte resistência para que Murilo fale com o filho, Irandir o chama.
-Murilo? Pode vir aqui, por favor?
O pastor vai ao centro do pátio.
-Diga, irmão.
-Eu quero um favor seu.
-Pode falar.
-Quero que você diga pelo que agradece a Deus nesse momento, porque a gente sempre tem algo pra agradecer, não é?
-Eu agradeço pelo meu patrimônio, por aquilo que eu construí. Mas eu não estou falando de bens, e sim de um bem maior: a minha família. Minha mulher, e meus filhos. Afinal, eu realizei um sonho: rever o meu filho mais velho. E eu quero aproveitar a oportunidade pra pedir a ele uma coisa. Eu sei que você vai ter que passar um tempo aqui, mas eu queria que ele entendesse que, ainda que eu não esteja ao lado o tempo todo, o meu amor, o das mães dele e o do Senhor não vão faltar.
Paulo se aproxima do pai.
-Você me desculpou?
-Não, Paulo. Desculpei aquele rapaz que era perigoso, que fez tudo o que fez por querer ser mau. Eu estou feliz porque ele foi embora, e você, o meu menino que tanto me ama, voltou pra mim. Porque o que eu sinto pelos meus filhos ninguém pode destruir, nem atacar. Nada vence aquilo que é determinado pelo nosso Pai.
O abraço da vitória do bem contra o mal é selado. Muitos dos detentos, comovidos com a cena, batem palmas, assim como os carcereiros e os que vieram com Irandir. Alexandre, que começa a sentir culpa dos males que causou, volta para a cela. Verônica se aproxima e cantar entre os dois.
-Lembra da primeira vez que te levaram pra igreja, “Gigante”?
-Lembro, mãe.
-Tocou um hino que você sabia a letra toda quando criança.
-Acho que não lembro mais.
-Não tem problema. Eu te ensino. Não pra você lembrar, meu filho, mas pra não esquecer mais. "Te conhecer foi tão bom pra mim. Eu não pensei que seria assim... Assim”!
-“A Tua verdade é loucura para o homem sem salvação, mas Teu amor é mais que palavras”- Murilo dá continuidade à canção, enquanto Paulo estende a mão para que Natália a segure.
-“É o espinho na cabeça e o sangue da redenção”- completa Paulo, lembrando da letra da melodia, emocionando as mães e o pai.
-“Jesus, elo de amor, príncipe da paz, fonte de água viva... Viva”!- Irandir continua a cantar, dessa vez acompanhando toda a família, fazendo um sinal para os outros detentos, convertidos naquele momento.
-“Jesus- elo de amor, luz da minha vida, paz do meu viver”- e eles também passam a cantar.
-“Agora, eu sei como é bom viver pra Te servir e Te bendizer”- com a voz embargada, Paulo se volta para o cerne de sua criação.
-“A Tua verdade é loucura para o homem sem salvação, mas Teu amor é mais que palavras, é o espinho na cabeça e o sangue da redenção”.
Uma forte chuva cai sobre o pátio. Diversas folhas de árvores sobrevoam o local. Murilo glorifica porque, nem mesmo assim, os detentos deixam de sair do pátio, querendo conhecer mais sobre o elo de amor que os fortalecia e os tornava inatacáveis.

FIM