08/06/2014

OS INATACÁVEIS/ CAPÍTULO 9: EM DELITO



-Calma... – Rebeca tenta argumentar com o ex-namorado.
-Cala a boca! Não quero ouvir sua voz, desgraçada! Depois de tudo que eu fiz pra te acompanhar, ter largado minha família, comprado aquele carro pra gente fugir junto... E você dorme com esse nojento? Eu desconfiava disso faz tempo. Desde que ele ficou ferido, eu via seu cuidado com ele.
-Não é verdade. Não tinha acontecido nada entre a gente.
-Mas aconteceu. E você não podia ter deixado rolar nada.
-Por quê não, Paulo? Ela descobriu o que eu já sabia há muito tempo: que gosta de mim.
-Claro... Agora vocês vão me pedir o quê? A bênção pro romance?
-E você, Paulo? Vai matar a gente? Você vai se complicar mais ainda com a polícia.
-Mais do que você, Alexandre, que matou três policiais? Acho que não. Não tem ninguém no prédio. Poucas pessoas viram a gente desde que a gente veio pra cá. Acabar com vocês é muito fácil, só vocês não viram isso ainda.
-Paulo, por favor! Pensa em tudo que a gente viveu junto, no quanto a gente batalhou pra conseguir essa grana. Você não pode botar tudo a perder. Foi só uma aventura, eu juro!
-Não tira o corpo fora, não, Rebeca. Você gostou, tanto quanto eu ou até mais.
-Bela conversa entre o casal. Pena que vai ser a última. Além do mais, já não me agradava tanto a ideia de ter que dividir o dinheiro com mais duas pessoas. Por isso, é até melhor mesmo que eu acabe com vocês. Só não sei com qual dos dois eu começo.
-Que tal começar por você?- Alexandre tira um revólver de baixo do travesseiro e aponta para o cúmplice.
-Olha só pra isso! Quer dizer que você já tinha tudo esquematizado, não é? “Tá” me saindo melhor do que a encomenda!
-Não foi você que me mandou matar aquele pessoal da polícia, Paulo? Não foi você que queria me ver com sangue frio? Pois então... Chegou a sua hora de me conhecer de verdade. De conhecer aquilo que você criou, “meu amigo”.
-Virou homem, de uma hora pra outra. Melhor assim. A gente briga de igual pra igual. Só queria entender se essa raiva toda é por causa do dinheiro ou por causa dessa vadia.
-Claro que eu não vou sair dessa estória de mãos abanando. Mas principalmente é por causa dela. Na Rebeca, você não toca! Nunca mais! “Tá” pensando o quê? Que eu tenho medo de uma arma?
-De arma, não. Do disparo, sim!- atira no peito de Alexandre, que cai da cama.
-Não!- Rebeca grita ao vê-lo caído.
-Quero só ver pra quem você vai pedir ajuda- pega o celular do rapaz, que está na mesa de cabeceira, e o joga pela janela- Você pode até viver, Alexandre, mas não vai ser por muito tempo, não.
-Chega, Paulo! Olha a loucura que você “tá” fazendo! Para com isso!
-Agora é a sua vez, meu amor. Pega o lençol e se enrola.
-O que você vai fazer?
-Te levar pra um passeio. Sei que você vai adorar... Ah, já ia me esquecendo... – chuta o rosto do ex-cúmplice- Vamos!- segura Rebeca e a arrasta pelos cabelos.
-Não, Paulo! Me solta! Você vai se arrepender! Você não pode fazer isso comigo!
-Se eu escutar sua voz de novo, eu acabo com você aqui mesmo, vagabunda! Anda logo!


Murilo está realizando o culto do meio-dia na Igreja Lar Celestial ao lado de Célio. O encerramento se aproxima.
-Meditem, irmãos, na palavra que nos foi reservada nessa tarde. E que essa tarde seja de muitos milagres e de objetivos alcançados. Que o amor de nosso Pai celestial, assim como a sua infinita misericórdia, nos acompanhe agora e para todo o sempre...
-Amém- a igreja responde em coro.
-Sigam em paz, meus irmãos- a maioria dos fieis saem do recinto. Célio se aproxima.
-O que houve que a irmã Verônica não tem vindo pros nossos cultos?
-Problemas com o “Gigante”.
-Você não me contou nada. Mas diga: o que foi que aconteceu com eles?
-Os irmãos ainda estão saindo, Célio. Eu preferia falar sobre o assunto lá dentro, se você não se importar.
-Mas é tão grave assim?
-Só a misericórdia nessa causa, Célio. Mas não é nada que eu não possa vencer depois. E Verônica não está em casa. Foi a uma clínica.
-Doente?
-Não. Tentando resolver os problemas do nosso filho, mais uma vez.
-Com licença, irmãos- a irmã Ivone chega para falar com os pastores.
-A paz, irmã- cumprimentam ambos.
-Eu vim com cinquenta reais pra ajudar nos bancos da igreja. Tem como vocês fazerem o recibo?
-É que... – Célio começa a gaguejar.
-Claro, irmã. Claro que nós podemos fazer- responde Murilo.
-Mas, Murilo...
-Vou colocar na urna agora mesmo.
-O que foi, pastor Célio? Parece que está pálido. ”Tá” sentindo alguma coisa?
-Eu? Não, irmã, é que eu queria dar uma palavrinha com o Murilo antes de ele atender a senhora.
-Comigo?
-É! Com você! Nos dê licença, irmã.
-À vontade, irmão. Eu aguardo aqui.
-Obrigado- Célio leva Murilo até a sala onde costuma receber e guardar o dinheiro das ofertas e lhe repreende- Não deixe essa mulher entrar aqui de jeito nenhum.
-Qual é o problema, Célio?
-Irmã Ivone é a que mais contribui para as obras da igreja, mas tem uma língua que ninguém consegue frear.
-Ainda não entendi o motivo de seu nervosismo.
-Murilo, a irmã Ivone não pode entrar aqui e ver que a urna está vazia.
-Como está vazia?
-Pelo roubo, eu falei pra você. Tem que impedi-la de entrar aqui.
-Pra não ver a urna vazia? Mas ela não está vazia, a Natália pagou o produto do roubo.
-O quê?
-Natália me disse que deu um cheque a você. Ela sabia da estória do roubo há muito tempo e decidiu ajudar a igreja, pra que ninguém ficasse sabendo de nada.
-Eu não acredito que ela te contou!
-Célio, por que todo esse mistério? Por que eu não deveria saber que a Natália ressarciu o dinheiro da urna?
-Como é que é?- Ivone os surpreende tocando no assunto- O dinheiro das ofertas foi roubado? Que estória é essa?
-Irmã Ivone... - Célio tenta apaziguar a situação.
-Venho contribuindo não sei quantos meses pra ver se compram os bancos e quando o dinheiro é roubado da igreja, vocês dois não querem me contar? Eu vi a irmã, a tal de Natália dando um cheque de sete mil pro senhor. Só não sabia que era pra cobrir o roubo. Quem foi que roubou? Me digam agora! Quem roubou o dinheiro?
-Ela não pode saber que foi o “Gigante”. Vai denunciar o meu filho- pensa Murilo.
-Eu estou esperando uma explicação! Quem foi que tirou o dinheiro da igreja?
-Fui eu, irmã. Eu que roubei todo o dinheiro. O que estava na urna, e também ia tirar o cheque de Natália.
Célio e Ivone ficam surpresos com a mentira contada por Murilo.
-O senhor vai se arrepender de ter brincado com a minha fé, de ter tirado daquilo que eu não tinha pra roubar. Isso não vai ficar assim... Pastor- retira-se da igreja.


Paulo leva Rebeca para uma estrada deserta, perto de um penhasco. Freia o carro de maneira brusca.
-Sai do carro- diz o meliante, após sair do veículo e ficar do lado da porta onde Rebeca está.
-Não vou sair... Não vou sair... - Rebeca, com muito medo, fala em baixo tom. Paulo atira contra a janela traseira do carro.
-Sai desse carro agora!
Rebeca o obedece.
-Você não vai me matar. Se fosse, teria atirado em mim quando a gente “tava” em casa.
-Não se lembra disso aqui, Rebeca? A gente passou por essa estrada quando foi ao apartamento com o traste do Alexandre, na primeira noite.
-Por que você me trouxe aqui?
-Olha pro lado. É alto, não é?
-Por que você “tá” fazendo isso comigo, Paulo?- volta a chorar.
-Sabe por que eu mandei você vir até aqui, sem usar nada? Porque essa era a última imagem que eu queria ter de você. Do seu corpo. Só era disso que eu gostava, mais do que o dinheiro. Você me fez deixar tudo pra trás, me fez convencer aquele imbecil de que ele tinha que deixar tudo pra trás também, e dormiu com os dois. Usou o seu corpo pra atrair a gente. Mas eu vou acabar com ele.
-Eu te tirei da vida que você não queria mais ter!
-E me traiu. Agora, chega de conversa- puxa o lençol no qual Rebeca está enrolado- O jogo acabou, Rebeca.
-Só se for pra você, maldito- Rebeca trava uma luta corporal, enquanto tenta segurar o revólver de Paulo.
-Me larga, desgraçada!
-Você não vai ficar com o dinheiro, Paulo! Não vai!
-E você não vai ficar com ele, sua cobra!
-Vamos ver se eu não vou!- Rebeca empurra Paulo para o barranco, e ele rola até a superfície, desacordado. A arma fica caída na estrada- Eu disse que você não ficaria com o dinheiro. Agora, eu só preciso me livrar do Alexandre. Você teve o que procurou. Adeus, Paulo.
Rebeca apanha a arma e passa a dirigir o carro. Ela retorna ao apartamento. Paulo, bastante ferido, começa a chamar pelo seu nome.


Murilo segue de cabeça abaixada, sentado à mesa da sala onde houve a discussão com Ivone e Célio. O segundo pastor se aproxima.
-Por que você fez isso? Por que disse isso pra dona Ivone?
-Célio, eu preciso confessar uma coisa.
-Não, não. Você não pode ser um ladrão. Não pode ter tirado da sua igreja, da igreja que você ajudou a construir, Murilo.
-Não fui eu. Mas eu tenho pra mim que foi o meu filho.
-O “Gigante”? Mas por quê?
-Porque desde o dia em que o dinheiro sumiu, o “Gigante” não está em casa. Ele fugiu com o dinheiro, eu tenho certeza disso.
-Não, Murilo. É seu filho. Sabe que era um dinheiro importante pra obra.
-Mesmo assim, ele roubou. Nunca contei pra ninguém, só pra Verônica. “Gigante” entrava escondido na casa de alguns vizinhos pra roubar.
-Drogas?
-Não. Pior. Não era um vício... Ele gostava de roubar. Via todo o dinheiro que nós dois conseguíamos, que arrecadávamos pra igreja e queria ter aquele dinheiro só pra ele. Ele não aceitava que as pessoas tivessem mais do que eu e a mãe dele, que a gente não pudesse comprar tudo o que ele queria, bancar uma vida de luxo. Um dia, eu vi que ele veio pra cá só pra me observar guardando o dinheiro das ofertas na urna. No outro dia, o dinheiro sumiu e ele também. “Tá” na cara, Célio. Meu filho desapareceu com o dinheiro da igreja. Ainda bem que Natália decidiu ajudar pra que ninguém suspeitasse de nada.
-Você não sabe no que se meteu, Murilo.
-Não posso deixar que a polícia procure meu filho, Célio. Eu não vou aguentar se ele for preso. Eu já fico com o coração na boca imaginando nos crimes que ele “tá” cometendo sem eu saber.
-Só que esse roubo, você não podia ter assumido.
-Por que não? Eu faço de tudo pra proteger o “Gigante”.
-Às vezes eu acho que você protege demais o seu filho.
-E você? Não protege o seu?
-Aqui, meu filho- Ivone chega com o filho dela, que é policial.
-Por que a senhora trouxe ele pra cá?- pergunta Célio.
-Minha mãe me procurou na delegacia e veio fazer uma queixa formal. Os senhores vão ter que me acompanhar até lá.
-Mas por quê?
-Como “por quê”, pastor Célio? Este homem diz que passa a mão no dinheiro de toda a igreja e eu não posso fazer nada? Eu quero ver a cor do dinheiro que eu ofertei agora. Conta, seu Murilo. Conta onde foi que você colocou o dinheiro.
-Eu... Não vou falar mais nada.
-Vai falar, sim. Porque eu estou com um mandado de busca e apreensão para a Igreja Lar Celestial e para a sua casa, e os dois vão ter de me acompanhar até a delegacia para prestar esclarecimentos sobre o sumiço do dinheiro das ofertas. Não adianta se recusar ou tentar obstruir a justiça, pastor Murilo. Vai ter que vir com a polícia.
-Se é assim, eu vou. Contar a verdade.
-Murilo, por favor, pense bem no que vai dizer.
-Não influencie ele, pastor Célio. É a verdade que ele vai ter que contar.
-Vamos logo de uma vez. Já não basta o constrangimento de todo mundo me ver numa viatura da polícia?
-Então, vamos- decreta o policial.
Murilo, Célio e Ivone são acompanhados até a viatura, onde uma pequena multidão se aproxima, incrédula com o escândalo dos pastores.


Rebeca volta para o apartamento e encontra a porta aberta, como Paulo deixou. Corre para o quarto onde dormia com o ex-amante e encontra a gaveta onde deixou o dinheiro vazia.
-Cadê a grana?  Cadê o dinheiro que “tava” aqui? Alexandre, seu desgraçado! Onde é que você “tá”?
A moça encontra manchas de sangue do rapaz onde ele estava caído, e outra gaveta, onde ele guardava os remédios, revirada. Um pacote com faixas e gazes estava aberto.
-Ele deve ter fugido pra onde a gente tinha combinado ontem. Calma, Rebeca. Calma! Você não pode levantar suspeitas. Tenho que me vestir. O ônibus deve de estar embarcando da rodoviária a qualquer momento.


Na rodoviária, um motorista avisa.
-Pessoal que vai pra Maceió: o ônibus sai em cinco minutos.
Alexandre está na fila, com o tórax enfaixado, ainda sangrando um pouco do disparo provocado por Paulo.
-Tem que dar tempo. Se o Paulo volta pra casa, é capaz de ele me caçar- põe a mão.
Rebeca o surpreende apontando um revólver para as suas costas, de maneira que as pessoas no local não percebam.
-Rebeca? Você “tá” viva?
-Dei um jeito de me livrar do Paulo- começam a andar em direção à saída da rodoviária.
-Então, compra a passagem, ainda dá tempo de a gente sair daqui.
-Não mais, Alexandre. Mudança de planos. No fim das contas, todo mundo teve a mesma ideia: de não dividir o dinheiro.
-Quer dizer que...
-Eu só dormi com você pra que o Paulo te matasse, e depois, eu me livrava dele. Semeei a discórdia, como sempre. Agora, eu vou ficar com esse dinheiro. A ideia do assalto foi minha, e eu não vou perder nenhum só centavo pra você. Acabei com a raça do Paulo. Só falta você.
-Rebeca, não me mata. Você sabe que eu te amo.
-Seu amor não me interessa, não interessou nunca. Me entrega o dinheiro e você sai vivo dessa estória toda, ou eu vou ter de tomar.
-Se é assim, Rebeca... Eu sinto muito, mas você vai ter que dar um fim em mim.
-Não seja por isso- Rebeca muda de lado e encosta a arma no ventre de Alexandre. Ouve-se um disparo. A bolsa de Alexandre cai aberta, no chão. Uma ventania começa a tomar conta do lugar. Diversas pessoas começam a correr por conta do barulho. Alexandre e Rebeca se olham com lágrimas nos olhos vermelhos.

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