-Que conversa é essa,
cretino?
-Eu fui pra sua casa no dia
em que teve o arrastão. Ouvi tudo, Paulo. O doutor que inseminou a dona
Verônica mentiu e colocou outro óvulo nela.
-E o meu pai?
-Ele é seu pai mesmo. O
médico fez ele ir parar na clínica também, e ele deu o sêmen pra engravidar,
mas... Dona Verônica só serviu de barriga de aluguel. Enganou os dois. O pastor
vacilou, foi burro, confiou num médico. E adivinha o que foi que ele fez...
Colocou um óvulo de outra mulher. Da filha dele, que é montada na grana.
-Você “tá” mentindo!
-Paga pra ver. Sai do
hospital, vai investigar se você não acha a verdade. Você sabe que eu tinha
curiosidade. A gente era vizinho, mas eu sabia pouco da sua vida. Descobri por
conta própria.
-‘Tá” tentando acabar comigo,
mas não vai, Alexandre. Antes, eu te mato.
-Mata nada. Não mata porque
quer saber o que eu sei. Quer que te diga que é a tal ricaça, não é?
-Deixa de mentir, que eu já
perdi a paciência contigo, meu irmão!
-“Irmão”... Do mesmo jeito
que o teu pai chama quem passa na frente dele... Eu pensava que todo pastor
fazia os outros de burro, mas seu pai é mesmo um imbecil! Tua mãe verdadeira, a
tal de Natália, queria fazer um exame de DNA. Ela não queria ter filho, mas o
pai dela deu um jeito de conseguir um neto. Não foi bom? O velho investigou tua
vida toda, sabia dos passos que você dava, Paulo. E ela mentiu pro pastor e pra
tua mãe... Digo, pra aquela que você pensava que era tua mãe. Se fez de crente,
foi pra igreja dar testemunho e tudo. Queria ter visto isso...
-Desde quando você sabe essa
estória de Natália? Vai ver é uma armação pra tentar me pegar...
-Que nada, Paulo. O único que
sabe quem você é de verdade é o Murilo. Esse não vai abrir a boca porque pensa
que você vale alguma coisa. Deu pra ver que essa coroa não tinha motivo pra
mentir.
-Eu não acredito... Eu não
acredito, não pode ser o que “tá” acontecendo... Por quê? Por que comigo? Por
que você tinha que “tá” lá? Eu não queria saber mais nada deles, do meu pai, da
minha... De ninguém da minha família! Deixei tudo pra trás por sua culpa e da
Rebeca!
-Deixa de onda, Paulo. Você e
a Rebeca namoravam faz tempo, só queriam um cúmplice pra ideia do assalto. Ela
pensou em tudo, armou tudo. Até combinou o dia que a gente ia fugir de casa.
Você sumiu da vida de todo mundo porque quis... – Paulo vai se afastando, com a
mão na cabeça e ainda incrédulo com o que ouve de Alexandre- Que é, hein? Vai
chorar? Chorou nem quando roubou a grana da igreja do pai pra comprar o carro
velho e pagar a mensalidade do aluguel do apartamento, agora vai fazer o bom
moço?
-Por que você “tá” me
contando tudo isso? Se você não me contou na mesma hora, por que falou agora?
-Porque eu só queria
dinheiro, Paulo. Nunca quis matar ninguém. Só que você me fez matar quatro pessoas.
Matei gente da polícia, matei a Rebeca. E você não sujou sua mão de sangue
nenhuma vez. Mas foi você que me mandou matar. Fui eu que joguei aquele
caminhão pra cima da viatura, mas foi você que queria matar. Eu não sei se a
polícia já descobriu tudo, mas eu sei que você vai perder.
-Bateu o quê em você,
Alexandre? Peso na consciência, agora?
-Em mim mesmo, não. Não mudo
nada do que eu fiz. Só me arrependo de não ter acabado com você quando eu
podia.
-Quando eu atirei em você, eu
devia ter acabado contigo lá no quarto. Eu ia preso, mas eu não ia deixar
passar, como deixei antes. Sabe que eu “tô” aqui pra corrigir isso, não sabe?
-Então, me mata! Sabe por que
naquele dia você não me matou de vez? Porque é um covarde! Não passa de um
metido a machão que se esconde atrás da calça do pai sempre que faz alguma
mer...
-Não fala do meu pai!- Paulo
começa a sufocá-lo com o travesseiro- Não fala! Nunca mais você abre sua boca
pra falar dele! Você vai me pagar, seu desgraçado!
Dois policiais tentam conter
Paulo ao entrar na enfermaria e apontarem armas para o bandido.
-Parou! Acabou pra você,
garoto!
-Me deixa matar esse infeliz!
Me deixa!- grita, ao ser algemado. Alexandre volta a tossir.
-Vão te descobrir,
“Gigante”...
-Cala a boca! Me larga! Eu
não fiz nada!
-Coloca ele na viatura,
rápido!- ordena um dos policiais.
-Mas o que é que está
acontecendo aqui?- o médico fica surpreso com a polícia na enfermaria.
-Já sabemos de onde vocês dois
se conhecem. Eles assaltaram uma loja de conveniência e mataram dois policiais.
-Eu não fiz nada! Quem matou
foi ele! Eu não fiz nada! Vocês têm que me soltar!
-A gente ouviu tudo do corredor,
seu vagabundo. O dono da loja marcou as notas roubadas e vocês nem se deram
conta. Anda, vamos pra delegacia.
-Mas e ele?- pergunta o
médico, se referindo a Alexandre.
-Já avisamos aos outros
colegas. Eles já estão chegando e vão ficar aqui no hospital. Alexandre, se é
que esse é o nome dele mesmo, não vai ter como fugir. E o delegado vai tomar o
depoimento. Vamos embora.
-Me larga, eu não tenho culpa
de nada! Me solta, moço, me solta!
No restaurante do hotel onde
Natália está hospedada, o advogado está com as últimas informações referentes
ao caso de Murilo.
-Por favor, Giancarlo. Quais
são as notícias?
-Infelizmente, não trago boas
notícias a respeito do caso, Sra. Veronese.
-Ah, não. Fala, pode falar
que eu estou preparada pra ouvir.
-O juiz negou o habeas corpus que solicitei. Murilo
Nobre vai ter que aguardar o julgamento em cárcere.
-Mas isso é um absurdo! Não podem
acreditar que ele tenha roubado a própria igreja, o Murilo não é disso!
-Pesou o fato de que Murilo
assume a culpa, Sra. Veronese.
-Que raio de depoimento é
esse que ele deu? Como ele pode ter dito que... As coisas estão se complicando,
eu não tenho mais como ajudá-lo.
-Nunca vi um cliente tão
irredutível quanto esse pastor. Mas estou fazendo o que eu posso.
-Eu sei disso, Giancarlo. Eu
sei...
-Claro que o sumiço do seu
cheque pesou mais ainda, porque é outro crime do qual estão lhe acusando.
-Não é possível que Murilo
tenha dito que deu fim no meu cheque...
-Em absoluto, minha senhora.
Murilo fez questão de dizer que não chegou a obter o dinheiro do cheque.
-Se é assim, por que estamos
falando dele, então?
-Acontece que para o Murilo,
o cheque que a senhora deu para cobrir as despesas das ofertas estava dentro da
Igreja Lar Celestial, e quando a polícia foi vasculhar o templo, não encontraram
cheque algum.
-O quê? Mas eu entreguei o
dinheiro ao Célio... Não acredito que aquele cachorro deu fim no meu dinheiro!
Será, então, que foi ele o responsável pelo roubo de antes, e não o Paulo?
-Não sei. Mas seria mais
fácil para o Murilo se ele relatasse as suspeitas que tem. Faria a polícia
investigar mais um pouco. Mantém-se irredutível.
-Pior é que eu o entendo...
Doutor, o senhor esteve na delegacia... Contou a estória do habeas corpus para o Murilo?
-Ainda falei de outra notícia
não muito boa para ele.
-Do que está falando?
-Amanhã ele será transferido
para o presídio.
-Presídio? Não, não! O senhor
tem que impedir isso.
-Não há como, dona Natália.
-Eu sequer cheguei a depor,
Giancarlo, como podem mandá-lo pro presídio? Tudo está se complicando, não é
possível... Eu tenho que ir.
-Aonde vai?
-Falar com o Célio. Se o
“Gigante” não aparece, ele vai ter que tirar o Murilo da cadeia, e não vai
fugir com o meu dinheiro.
-Eu vou com a senhora...
-Não, vá até a delegacia e
veja se Murilo precisa de alguma coisa. Eu vou colocar aquele pastor contra a
parede. Vamos ver se ele devolve ou não.
Uma chuva torrencial começa a
cair sobre Olinda. A viatura passa bem próxima à casa de Murilo, Verônica e
Paulo. O rapaz olha e se lembra de uma vez que, quando criança, também estava
chovendo e ele insistiu em jogar bola na rua. Chutou o brinquedo para longe,
mas ao recolhê-lo, acaba escorregando e batendo o joelho no chão. Entra em
casa, vai ao banheiro e abre o chuveiro, molhando o joelho ferido.
Murilo sai da cozinha e
percebe que a sala está molhada.
-Paulo? Filho, você chegou?
Onde é que você está?- ouve o som do chuveiro ligado e vai até o banheiro- Meu
filho, o que houve?
-Nada, pai, nada...
-Brincou na chuva e caiu, não
foi? Meu filho, eu já disse tanto pra não sair na rua num tempo desses... –
pega uma pomada e fecha o chuveiro- Vem.
-O que é isso? Vai doer?
-Não, “Gigante”, não vai
doer, não. Isso é pra você ficar curado- começa e esfregar sobre o ferimento,
com cuidado- “Tá” passando?
-“Tô” melhor, já.
-Pronto, agora você vai pro
quarto e vai tirar essa roupa pra não gripar.
-Valeu, pai.
-Por que você não me obedece
sempre, hein? A gente conversa tanto, fala sobre tudo. Sou até mais próximo de
você do que a sua mãe.
-Relaxa, pai. Prometo que não
faço mais.
-Tem certeza?
-Juro.
-Eu sei que às vezes eu fico
dando atenção pra igreja, pras coisas que eu tenho que resolver lá, mas... Sempre
que eu posso, eu digo que amo você e sua mãe. Como agora, meu filho.
-Eu também gosto do senhor,
pai. Amo o senhor.
Os dois se abraçam e Murilo
leva Paulo para o quarto. A lembrança do jovem acaba.
-Será que ele vai me perdoar
pelo que eu fiz?
Natália começa a bater
insistentemente na porta da casa de Célio, que vaio atender.
-Já vai, já vai! Que é isso
na porta dos outros?- abre a porta- Irmã Natália, o que a senhora...
-Irmã, uma ova! Nasci numa
família que me ensinou princípios. Imagina se eu vou ser irmã de uma pessoa de
péssima índole como você?
-Irmã pode até não ser, mas
mãe...
-O que o senhor está querendo
insinuar com isso?
-Que a senhora está se
aproximando demais do Murilo, se sente dona da vida dele, se mete com
frequência em seus assuntos, mais do que a própria mulher. Se a senhora se
sente no direito de meter o bedelho na vida dele lá, problema seu, mas não
admito que venha até a minha casa pra...
-Reaver o meu cheque. Foi
isso que eu vim fazer aqui.
-Mas o que é que a senhora
está querendo? Seu advogado deve ter lhe dito que a polícia bateu a igreja e
não encontrou nem o dinheiro nem o cheque.
-O que prova teoricamente que
Murilo é o responsável pelo sumiço das duas quantias. Só que ele é um homem de
moral ilibada, eu sei muito bem disso.
-Você conheceu o Murilo há
poucos meses, não pode estar tão convencida da sua inocência. A não ser que ele
tenha lhe iludido, algo muito fácil pra uma mulher que demonstra estar
apaixonada...
-Sim, sim, estou apaixonada
pelo Murilo, sim! Por isso mesmo, eu estou tão empenhada em tirá-lo da cadeia!
Mas eu não vim aqui pra discutir esse assunto, porque não é da sua conta. Eu
vim exigir que você me devolva o cheque.
-Guardei o cheque na igreja.
Se não encontraram, é porque o Murilo...
-Não abre a boca pra falar do
Murilo, seu ladrão. Boto a minha mão no fogo por ele!
-Então, vai se queimar,
porque eu não tenho dinheiro nenhum comigo aqui.
-O senhor pode até ter
convencido o delegado de não ter culpa nenhuma nessa estória toda. Mas não me
admira o fato de não ter movido uma palha sequer pra tirar o pastor da sua
igreja na cadeia. Você sabia que ele vai ser transferido?
-Murilo tem que pagar pelos erros
que cometeu, não posso privá-lo da justiça dos homens.
-Ora, pode ter certeza que é
o senhor que não vai ser privado. Nem da justiça humana nem da divina, que
vocês fazem tanta questão de afirmar por aí.
-Escute aqui: se a senhora
quer bancar a salvadora da pátria, faça o que achar conveniente, mas eu não vou
devolver o dinheiro porque comigo não está, eu sinto muito.
-Hipócrita! É capaz de deixar
um homem que conhece há tantos anos e que tem a maior consideração pelo senhor
atrás das grades! Mas isso não vai ficar assim, porque eu vou mover céus e
terra pra colocar você na cadeia.
-Exijo que a senhora se
retire da minha casa agora mesmo!
-Exige nada! O que pode me
exigir um ladrão, um marginal que engana um bando de trouxa que se acha porque
anda com uma bíblia debaixo do braço? Não passam de uma corja!
-Cala essa boca!- Célio
agride Natália com uma bofetada.
-Cala você!- ela devolve a
agressão- Olha aqui, se eu fosse você, iria à delegacia confessar tudo por
vontade própria. Porque quando a polícia descobrir o seu erro, pode ter certeza
de que eles não vão te poupar de nada, assim como tem sido feito com o Murilo.
-Não sendo eu quem vai parar
atrás das grades, minha filha, a mim pouco importa se o Murilo está sofrendo ou
não. Não vou devolver o cheque. Agora, suma da minha vista!
-Fique despreocupado, pastor,
eu vou sair da sua casa. Mas é o primeiro e último aviso: vou colocar o senhor
no lugar onde merece estar. Na cadeia!- abre a porta e sai da casa.
-Ela não vai me tirar um só
centavo. Esse dinheiro é meu!
O delegado começa a ouvir
Paulo assim que o primeiro volta à delegacia.
-Do que é que os meus
policiais te acusam? Como é que você veio parar aqui?
-Por favor, moço, eu caí no
meio da estrada. Fui socorrido, levado pro hospital e eles me prenderam. Eu não
fiz nada, delegado. Eles “tão” enganados!
-Calma, calma. Sei que os
meus oficiais têm algo a dizer também, não é verdade, rapazes?
-Vimos ele tentando sufocar
um outro que estava na mesma enfermaria que ele, delegado. Os dois armaram
aquele roubo da loja de conveniência, e parece que tinha uma terceira pessoa
envolvida nisso- esclarece um dos policiais.
-Terceira pessoa?
-Uma tal de Rebeca, que o
outro cara disse ter matado. Aquele crime da rodoviária.
-E ainda tem os nossos
colegas que foram mortos por atropelamento, delegado. O cúmplice desse daí admitiu
que matou, a mando dele.
-Vocês não podem acreditar em
tudo o que o Alexandre disse. Ele roubou a minha namorada, depois tirou a vida
dela. Me odeia!
-A quem você tenta enganar
com essa cara de bom moço, garoto?
-Delegado, eu não posso...
-Fica quieto! Colhi o
depoimento do Alexandre no hospital. Para sua surpresa, ele não morreu.
Confessou que matou os dois policiais, o delegado e a tal de Rebeca, sendo que
no caso dela foi em legítima defesa. E ainda por cima deu os mínimos detalhes sobre
o caráter de cada integrante da quadrilha. Rebeca trabalhava como enfermeira
num hospital particular da zona sul, mas foi demitida após vender diversas
peças cirúrgicas, que eram frutos de seu próprio roubo. Você roubava na própria
vizinhança, mas nunca chegaram a desconfiar de você. Só não quis contar como
foi que vocês três se conheceram. Mas como eu prevejo que a pena não vai ser
branda pra nenhum dos dois, vamos ter tempo de sobra pra isso.
-Eu nego! Tudo o que aquele
cara “tá” dizendo de mim é mentira, é armação! Se o senhor quer ouvir a verdade
de mim, vai ter que se acostumar com o que eu falei agora! Sou inocente disso
tudo!
-Está bem, Paulo. Vou
respeitar o seu direito de ficar calado e só falar quando um advogado estiver
disponível pra você. Vou entrar em contato com um pra tirar você daqui.
-Como assim? Eu não vou sair
daqui? Vou ser preso por conta dos crimes do...
-Não terminei de falar!- o
delegado levanta a voz, assustando o bandido- Você ficará numa cela, sim,
senhor, como todos os que vêm parar aqui. Mas não se preocupe: a cela está com
uma infiltração terrível, e nesses tempos de inverno, já viu, não é? Eu vou ter
que transferir você para o presídio, porque aqui não poderá ficar por muito
tempo.
-Mas isso é um absurdo! Você
não pode fazer isso comigo!
-E o que você acha que eu
posso ou não fazer, seu moleque? Atirar no peito do próprio cúmplice? Tentar
matar a amante? Roubar uma loja de conveniência? Sem contar os outros podres que
eu aposto que você ainda esconde? E baixa o seu tom pra falar comigo, porque eu
sou uma autoridade, entendeu bem? Levem esse rapaz pra cela.
Inconformado, Paulo é
colocado atrás das grades com mais cinco detentos e seu olhar fica cada vez
mais revoltado por estar recebendo o castigo merecido.
Em caráter definitivo,
voltamos à atualidade. Murilo está sozinho em sua cela, lendo uma bíblia. As
grades são destrancadas, mas ele não ouve o barulho. Novamente, a cela voltada
a ser trancada. O pastor está concentrado ao ler o capítulo 91 do livro de
Salmos.
-“Responde-me quando eu
clamo, ó Deus da minha justiça. Na angústia, me Tens aliviado, Tens
misericórdia de mim e Ouve a minha oração”...
-“Ó, homens, até quando,
tornareis a minha glória em vexame, e amareis a vaidade e buscareis a mentira?”.
-Irandir!- sorri, ao rever o
companheiro de cela.
-Já lesse tanto isso quando
eu “tava” internado que até já decorei. Só falta agora você terminar de contar
a tua vida toda.
-Dei uma adiantada boa quando
você “teve” doente. Mas eu não tenho mais o que contar, não, irmão. Contei até
onde eu sei. Nesses últimos dez dias, é só o que eu tenho pra contar. Que bom
ter você de volta, Irandir.
O carcereiro volta para a
cela e a reabre.
-Pediram pra avisar: visita
pra você, pastor.
-Pra mim? É o advogado de
novo, só pode.
-É uma dona, que eu vi.
-Vai ver é a Natália, Murilo.
Não disse que ela era quem “tava” pagando o advogado?
-Natália? Mas veio assim do
nada?
-Do nada, não. Você quase não
“tava” recebendo visita nenhuma, só dela... Vai ver é até sua mulher.
-Verônica? Pra ela me ver, só
mesmo Je... Ele está na minha causa!
-Vocês vão ficar de papo aí?
Vem logo!- dito isso, Murilo sai da cela e vai até a sala de visita.
Ao chegar à sala, Murilo se
surpreende ao rever sua esposa, que não foi visitá-lo desde que foi preso.
-Eu vou ficar aqui fora.
Vocês só têm cinco minutos- o carcereiro fecha a porta e fica do lado de fora.
-Até que enfim veio me ver.
-Não devia. Você não merece
nem que eu fale com você.
-É pra isso que você veio?
-Fica, por favor. Eu preciso
conversar com você.
-Conversar o quê, Verônica? O
quê, me diz? Eu estou aqui há dez dias e você não foi me visitar, sem contar o
tempo que eu fiquei na delegacia! O que de tão importante você veio me falar
agora?
-Vim te trazer isso- entrega
o resultado do exame de DNA.
-O que é isso?
-O resultado. “Gigante” é
filho daquela... Daquela mulher.
-Por isso, ela te procurou
tantas vezes e não te encontrava.
-Me tranquei em casa e não
queria mais sair. Como sabe que ela veio atrás de mim?
-Natália me contou. É a única
que veio me visitar.
-Ah, eu tinha me esquecido do
quanto vocês eram próximos. Será que teve visita íntima pra ela?
-Pra uma evangélica, você
está me saindo pior do que a encomenda! Não admito insinuações a meu respeito,
nem mesmo a respeito dela!
-Quem não admite mais as
coisas sou eu! Você ainda tem a capacidade de defender essa mulherzinha, depois
dela ter tomado o meu filho e acabado com o meu casamento?
-Nosso casamento não acabou!
Nunca acabou! Porque de você, eu só me separo por morte! E enquanto eu enxergar
nos seus olhos que você ainda me ama, esse casamento vai continuar existindo,
sim. Pode bater as pernas, pestanejar, esbravejar, que o divórcio eu não dou!
-Você não está esperando que
eu fique aguardando você sair daqui pra retomar nossa vida? Será que você não vê
que tudo desmoronou pra gente?
-Desmorona pra você, que é
fraca!
-E você é o quê?
-Falho. Falho como todos os
seres humanos. Mas fraco, não. Não honro meu casamento, minha igreja e minha
família pra que ninguém venha me dizer quando termina meu casamento ou não.
-Pode ficar com os seus
conceitos. Eu não tenho mais nada pra fazer aqui.
-Tem!- começa a gritar- Tem
pra me escutar!- Verônica chora com a agressividade inesperada do marido- E
enxuga as lágrimas! Eu não bati em você, eu não desrespeitei você, eu não
manchei de lama aquilo que construí junto com você durante duas décadas da
minha vida! Nunca te destratei na frente de quem quer que seja, nunca botei
outra mulher na nossa cama! Então, já que eu posso ouvir todos os impropérios
que você tem a me dizer, chegou a sua hora de fechar essa boca!
-Vai me dizer o quê? Que
Natália não te ama? Que essa mulher não sonha em ver você ao lado dela, e não
do meu?
O carcereiro ouve um grande barulho
no refeitório, que fica próximo à sala. Alguns detentos pretendem fugir e
começam uma pequena rebelião. Alguns oficiais correm para tentar conter o
tumulto, e ele deixa Murilo e Verônica a sós na sala em direção ao local.
-Quer saber a verdade? Eu
tenho notado os olhares dela pra mim, sim.
-Ah, é?
-Sabe o que falta realmente
pra Natália ser a verdadeira Messalina que vai conseguir destruir o nosso
casamento?
-O quê? Fala!
-Ela descobrir que você é
muito burra!
-Como é?
-Porque se a Natália fosse
esperta, ela teria me tirado de você sem respeitar. Mas não! Ela me quer e só
vai me ter quando você abrir mão de mim por ser burra! Isso é o que você é!
-Eu não vou aceitar ser ofendida
por você, um homem sem moral, sem palavra!
-E a sua palavra, quando prometeu
que por nada desse mundo ia se separar de mim?
-Minha palavra não vale pra
pessoas cafajestes como você!
-Talvez você seja pior do que
todos esses perdidos que dividem comigo a cadeia. Eles podem até fugir daqui,
mas do que sentem, nunca!
-Me poupe do sentimentalismo
barato! Você não passa de um hipócrita, que agora está mancomunado com uma
mulher que veio pra tirar o meu filho, pra me lembrar de que eu nunca vou ter
filhos!
-E o seu marido!
-Ah, estou pouco me lixando
pra você!- está prestes a abrir a porta, pela qual passam diversos detentos
tentando fugir.
-Já que é assim, por que nós
não terminamos o nosso casamento quando você contar a verdade?
-Mas de que verdade você está
falando, Murilo? Você ficou louco?
-“Murilo”? Nossa, finalmente
voltou a mencionar o meu nome! Pensei que você sentia nojo só de falar! Por que
você não diz, na minha cara, que eu fui insuportável durante os anos que fomos
casados? Por que você não enche a boca pra dizer que o nosso casamento vai
acabar porque você não me ama?
-Porque a coisa que eu mais
fiz na vida foi amar você, como eu amo até hoje! Pronto! Eu amo você! E sinto ódio
toda vez que você chaga perto daquela nojenta! Acabou a tortura agora?
-Se é assim, Verônica, eu
acho que o nosso casamento pode se dar por encerrado- desta vez, é ele que está
prestes a abrir a porta.
-Pode?- pergunta a esposa,
desacreditada da rejeição do pastor.
-Não, não pode!- Murilo a
encosta na parede e a beija como só mesmo tinha feito quando se conheceram, na
juventude. Verônica segura o marido pelos braços, mas não o repele. Agarra-o,
mas desta vez com muita força, com medo de que ele possa escapar. De olhos
fechados, ainda com seus lábios encostados no dela, Murilo desabotoa a blusa
usada pela esposa e a joga sobre a cadeira na qual ela estava sentada. Ela, por
sua vez, levanta os braços do marido e tira a camisa que ele veste. Em questão
de segundos, eles, que se descobriram juntos, relembram um dos motivos pelos
quais permaneceram tantos anos juntos.
Verônica e Murilo não escutam
nada da correria dos policiais, que conseguem capturar os fugitivos e os
recolocam nas celas. O carcereiro volta à porta, e percebe que o tempo
estipulado para a visita já havia sido estendido. Abre a porta. A esposa do
presidiário sai. Para ele, só resta a certeza de que sua mulher ainda o ama.
TRÊS SEMANAS DEPOIS...
O noticiário local avisa:
-Um dos bandidos que
confessou participação no assalto a uma loja de conveniência que resultou na
morte de três policiais sairá do hospital ainda nesta manhã diretamente para a
delegacia. Alexandre Rebelo, de vinte e três anos, assumiu sua participação nos
crimes, além de ter matado uma cúmplice, a ex-enfermeira Rebeca Camargo, de
vinte e seis anos, no terminal Rodoviário de Passageiros. A polícia fez uma acareação
entre Alexandre e o terceiro elemento, considerado o líder do grupo, e não tem
dúvida que os dois são responsáveis pelo roubo. O nome do suspeito, que será
transferido dentro de minutos, acaba de ser divulgado pela Delegacia de Roubos
e Furtos: Paulo Nobre, de vinte anos. E veja ainda nesta edição: preço do
milho, presença constante nas mesas das festas juninas, cai quinze por cento
neste ano. Voltamos daqui a pouco.
Célio, que está conferindo o
cheque de Natália no bolso, se assusta com a notícia. Levanta-se do sofá,
atordoado.
-Alexandre Rebelo? Não, não
pode ser ele...
Natália está num táxi com
Giancarlo e viu a reportagem pelo celular.
-O que foi, Natália? De repente,
você ficou pálida!
-Giancarlo, você viu o nome
do rapaz que falaram no jornal? Paulo Nobre! Não é possível... Só pode ser um pesadelo...
É um pesadelo! Vamos pra delegacia, eu quero conferir isso de perto.
-Por favor, pra Delegacia de
Roubos e Furtos.
-O trânsito “tá” terrível,
meu senhor. Não tem como passar- alerta o motorista.
-Aquela dali não é a esposa do
Murilo, a Verônica?
-Onde?- Natália tenta vê-la
caminhando pela calçada, uma vez que está próxima de casa, e sai do carro ao
ver que a esposa de Murilo desmaia. Algumas pessoas se aproximam.
-Chamem um médico- grita uma
idosa.
-Já estou ligando pra
ambulância- grita Giancarlo, também saindo do táxi.
-Verônica?- Natália se abaixa
para conferir o que houve com ela- O que é que você tem? Fala comigo, Verônica!
Paulo veste o fardamento do
presídio e vai para o pátio, já que é a hora em que todos tomam banho de sol.
Acompanhados do carcereiro, Murilo, Irandir e o médico conversam.
-Muita gente que adoeceu
melhorou bem rápido com o seu tratamento, doutor. De longe, a gente vê que o
senhor é um homem usado!
-É... Você “tá” falando no
bom sentido, não é?
-“Tá”, doutor. É vocabulário
de crente- Irandir esclarece.
-Que você vai usar um dia, se
for a vontade do Pai. E é, que eu sei!
Há um grupo de homens jogando
futebol. Um deles, próximo a Murilo, chuta a bola para perto de Paulo.
-Ô, cara, manda aí!
Com raiva e medo por estar
naquele lugar, Paulo chuta a bola com força, que bate nas costas do pai. A
pancada assusta Murilo, que se vira pra saber quem a provocou. O rapaz que
falou com Paulo apanha a bola, mas estranha a velocidade pela qual o pastor
passa. Percebendo que há alguma coisa de errado, Irandir chama.
-Murilo? Murilo, o que foi?
O pastor fica frente a frente
com Paulo, o causador de todo o seu sofrimento.
-Pai? O que você “tá” fazendo
aqui?
-“Gigante”... O meu
gigante... Posso fazer a mesma pergunta?
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