-Caso, eles dois não estão tendo.
Mas o Dr. Coelho está tentando comprá-la. Um milhão de cruzeiros por uma noite
selvagem. E quando eu falo selvagem, não estou me referindo a um safári na
África.
-Eu avisei! Eu disse pra aquele
safado que se eu descobrisse mais uma escapada dele, eu ia me vingar!
-Dona Thaynara, por favor...
-Quando foi que você depositou o
dinheiro na conta dela? Responde!
-Há três horas.
-E aquela miserável não se dignou
nem a devolver o dinheiro? Na certa, vai ceder ao capricho dele.
-São sete horas da noite, ninguém
vai a banco uma hora dessas!
-Não interessa! Eu quero que você
me dê o endereço dessa biscate de toga agora mesmo.
-Vai cair uma chuva forte, deixe
pra amanhã...
-Agora!
Acuado, o advogado anota o
endereço de Dara.
-Pense bem no que vai fazer, Dona
Thaynara!
-Barbarizar, meu bem! Eu vou
barbarizar! Pensa que eu não sei que você tem até o endereço da pilantra porque
Felipe pretende dar uma passada lá?
-Ouça o que eu estou lhe dizendo!
A senhora vai enfrentar um temporal a troco de nada! E depois, o que garante
que a juíza vai realmente aceitar a quantia de seu marido?
-Claro que não vai aceitar! E não
vai porque se ela cogitar a possibilidade, eu dou na cara dela!
-Senhora!- mesmo com os apelos de
Wilson e o céu nublado, Thaynara corre para o carro- A senhora não vai fazer
nenhuma besteira, vai?
-Não!
-Se a senhora não vai fazer, por
que está correndo?
-Sai, desgraça!
-Não quer conversar comigo?
Fora da casinha... Digo, fora de
si, Thaynara fecha a porta do veículo e enfrenta o temporal que acaba de
começar.
/////
Por uma dessas
coincidências novelísticas, Dara chega a sua casa naquele momento, e enfrenta
uma chuva torrencial. Ao tentar abrir a porta, o molho de chaves cai de sua mão
e ela o procura. Subitamente, Antonio abre a porta com uma cópia e diz:
-Entra, Dara.
-Ai, obrigada...
Mas como você sabia que eu tinha chegado?
-Pelo cheiro. Senti
daqui de dentro.
-Cheiro de quê,
homem?
-Não sei, mas
mulheres normais não têm essa essência.
-Ainda bem que eu
deixei a cópia contigo. Senão, eu ia ficar mais molhada do que... Atchim!
Pronto, só faltava essa!
-Relaxa, eu vou
fazer um chá pra você.
-Não, nem chegue
perto dessa cozinha! Deixa que eu mesma faço.
-Nesse caso, eu vou
forrar sua cama.
-Antonio, você
precisa repousar. Não é pra ficar fazendo tanto esforço... Atchim!
-Por você, eu faço
qualquer coisa.
-Mas eu quero que
você fique à vontade, não é pra me servir.
-Dara, me deixa
cuidar de você como você tem feito comigo esses dias. Isso não é nada.
-Tudo bem... Se
você insiste... Só cuidado com a escada. Não tem quase cenário nenhum lá em
cima, acho que ela só existe pra derrubar algum personagem... Atchim!
-Que não será o
meu, porque eu sou muito perspicaz.
-Aham, Antonio,
senta lá!
/////
O carro de Thaynara
está a toda velocidade quando um urubu desgovernado bate no para-brisa e a
coitada atola numa poça gigante ao lado do lixão da Muribeca. Muita viagem, não
é? Tudo é pra não interromper o andamento da próxima cena, a mais esperada
pelos espectadores dessa chanchada pueril (na verdade, só por Antonio).
Por diversas vezes,
a jovem senhora tenta arrancar com o carro dali, mas tudo sai inútil. Nervosa,
desce do automóvel e se atreve a ficar molhada apenas para dizer:
-Ai, que raiva! Ai,
que ódio!
Calma, Thay.
Prometemos que até o fim desse capítulo sua personagem terá alguma razão de
existir.
/////
Enrolada num
cobertor e de pijama, Dara está em sua cama, quando Antonio chega com o chá.
-E não é que eu fiz
e esqueci que era pra tomar? Atchim! Mas também, eu tava doida pra tirar a
roupa!
-Eu imagino!- diz
Antonio, com um sorriso discretamente maroto. Dara pega a xícara.
-Obrigada.
-Sabe que eu fiquei
com saudade de você?
-De mim?
-É. Eu sei que você
trabalha, mas esse lugar é muito estranho sem você- o engenheiro se aproxima da
cama e senta ao lado da juíza.
-Bom, amanhã é
final de semana, a gente podia aproveitar pra passear, não é?
-Quem sabe a gente
pega um cinema? Vamos assistir ao "Total Recall"!- empolga-se.
-Antonio, não dá
pra te levar ao cinema assim.
-Ah, é.
-Mas a gente pode
ir pro parque dar uma volta.
-Duvido muito que
essa chuva não se estenda até amanhã... Dara, eu posso confessar uma coisa?
-Claro, Antonio,
fala- responde a juíza, concentrada no chá.
-Sabe, eu nunca
senti isso por ninguém, mas com você, eu... Eu fico até suando frio!
-Antonio, demente!
Tem uma goteira em cima da sua cabeça!- a loura levanta e tenta enxugá-lo com
um lençol- Caramba, você tá todo molhado!
-Você também.
Um raio atinge os
fios elétricos do poste que fica situado em frente à janela do quarto de Dara,
acabando com a energia... Que as hidrelétricas enviam para a vizinhança, porque
se depender de certas pessoas... Digo isso porque Dara grita com o estrondo e
abraça Antonio, ofegante.
-O que foi isso?
-Eu não sei, mas
acabou a luz!
-Dara...
-O que é, Antonio?
-Sua respiração...
-Que é que tem?
-Tá diferente, não
sei.
-É que... Foi o
susto.
-Só isso? Foi só o
susto mesmo?
-Nunca tinha
chegado tão perto de você como agora.
-Pode chegar mais
vezes, se quiser. Aliás, é tudo que eu mais quero na vida.
-Lady, I'm your knight in shining armor and
I love you.
-Quem está aí?
-Relaxa, Dara. É só
Lionel Richie cantando pra dar o clima romântico da cena.
-You have made me what I am, and I am yours.
-Nunca ouvi essa música.
-Já esqueceu que estamos em 90?
Ninguém nunca ouviu.
-My love, there's so many ways I want to say, I love you.
-O autor dessa novela poderia ter
colocado uma música propícia pro momento.
-Só tinha "A Roda" da
Sarajane no toca-fitas.
-Let me hold you in my arms forever more.
-A gente tá perdendo tempo,
Antonio.
-Com você, não existe tempo
perdido.
-Que diálogo clichê, menino!
-Você tem a chance de calar minha
boca. Aproveita!
Enquanto Lionel Richie está se
esgoelando ao fundo do quarto cantando uma música que nasceria em 1998 (na
verdade, um cover que contratei e assistiu a tudo por causa do cachê), Dara e
Antonio estão debaixo da goteira aos beijos. Em dada hora, a musa do judiciário
asfixia o rapaz com sua juba maravilhosa e beija o pescoço do engenheiro.
-Lady, your love's the only love I need and beside me is where I want
you to be. 'Cause my love, my love, there's something I want you to know!
You're the love of my life, of my life; you're my lady. You're my lady...
E a única coisa que a gente
enxerga naquele mar de cabelo são os olhos de Antonio se revirando.
/////
Lavada a alma dos espectadores,
vamos para o drama do dia seguinte. Com os fios ainda armados como uma medusa,
Dara volta ao quarto carregando uma bandeja de café da manhã. Coloca-a ao lado
de Antonio, que ainda está dormindo.
-Ah, esqueci de pegar o jornal-
calça um par de pantufas e, envolvida num belo pijama azul de seda azul, com
detalhes que cobrem o tecido azul... Eu já disse "azul"? Desculpem,
não raciocino com essa moça na minha frente. Enfim, ela vai apanhar o jornal.
Abre a porta e encontra Thaynara suja de lama, com o carro quase desabando.
-Quero falar com Dara Lira. Cadê
ela?
-Sou eu mesma. Quem é você?
-Você é a juíza? Definitivamente,
não sou páreo!
-Pronto, agora até elogio
de mulher... Você é a entregadora de jornal?
-Sabe o que eu vim te
entregar? Isso, desgraçada!- Thaynara agride Dara com uma bofetada que, em
câmera lenta, fez voar vinte e seis dos cento e quarenta mil duzentos e oitenta
e nove fios da juba!
/////
Brigas aumentam a
audiência, mas vamos para uma cena paralela. Antonio se espreguiça e derruba a
bandeja no lençol. O susto foi tamanho que o jovem acordou.
-Caramba! Derrubei o
leite... Leite?- esfrega os olhos e percebe a sujeira que causou- Eu tô vendo!
Eu tô enxergando! Não acredito!
Antonio fica em pé (sobre
a cama) e desce um globo do teto. Sem pensar duas vezes, ele tira óculos da
cueca (VOCÊ ACHOU MESMO QUE NOVELAS DE CLASSIFICAÇÃO LIVRE VÃO COLOCAR GENTE
PELADA SÓ PORQUE ESTAVAM FAZENDO INADEQUAÇÕES?), põe na cara e começa a
dançar...
- Once I had
a love and it was a gas; soon turned out, I had a heart of glass. Seemed like
the real thing, only to find mucho mistrust, love's gone behind.
-Preciso contar pra Dara!
Sim, precisa contar que dançou uma música nada
condizente com a época de ambientação da novela. Pelo menos a cena não foi em
2007, onde dançaria "Heart of glass" de sunga branca e brigaria
bêbado em cadeia nacional!
/////
-Como é que você tem coragem de vir até a minha
casa e bater na minha cara, sua desequilibrada?
-Coragem não me falta! Pelo visto pra você também
não, já que soube se atirar pra cima do meu Felipe!
-Tem a nota fiscal? Pagou imposto por ele? E de que
Felipe está falando?
-Felipe Almeida Coelho, o dono da revista Play Pause,
e que por acaso é meu marido.
-Por acaso, e não por bom gosto! O que aquele calhorda
falou de mim, posso saber?
-Não seja cínica! Eu já descobri
que você já virou a cabeça dele, e agora ele não para de pensar em você!
-Escuta, o seu marido fez estágio
com a menina do "Exorcista", vira a cabeça pra qualquer mulher!
Porque é um safado!
-Mas nunca fez por outra o que
fez por você!
-Vai me dizer que aquelas
cantadas de botequim que ele me deu foram elaboradas por um congressista?
-Para de se fazer de sonsa!
-Meça suas palavras, parceira!
-Eu não sou nada sua!
-Do seu marido, eu sou menos
ainda! E eu não sei do que estou sendo acusada, pra começar!
-Dara, não se faz de besta, que
eu parto sua cara!
-Querida, quem tem medo de mulher
é homem sem-vergonha! Se você me ameaçar de novo, eu não só vou desviar teu
septo nasal, como também quebrar esses óculos de professora de primário!
-Deixa meus óculos e meu marido
em paz!
-Querida, seu marido não me serve
nem pra pano de chão, tá legal?
-Mas o dinheiro dele cala muito
bem esse nojo que você diz sentir por ele, não é?
-Do que é que você está falando,
sua débil mental?- enquanto grita pausadamente, Dara não vê Antonio descendo às
escadas para ouvir parte da conversa.
-Da quantia de um milhão de
cruzeiros que você aceitou pra dormir com o meu homem! Agora nega na minha
cara, Dara! Nega que o Felipe te deu esse dinheiro, que ele está na sua conta!
Nega agora!