-Como assim? Acho que eu não ouvi direito.
-Aproveita, porque ouvir é só o que você vai fazer
nos próximos capítulos. Você não pode ficar sozinho em casa. A solução vai ser
morar com alguém que você conheça.
-Mas eu sou de outra cidade, minha família nem sabe
que eu me acidentei.
-Percebi quando não vi ninguém chegando pra te ver.
-Onde você sugere que eu fique?
-Na minha casa, por que não?
-Não, eu não quero abusar. Você já salvou a minha
vida, isso é muito. E eu não quero incomodar, não quero que você falte o
trabalho, nem...
-Calma. Eu já disse que você não pode ficar
sozinho. Pelo menos, não o tempo todo. Dá muito bem pra eu ir trabalhar e ficar
o resto do tempo com você.
-Sinceramente, eu não entendo por que tanta atenção
comigo.
-Olha, Antonio, não me pergunta porque eu não sei.
Por algum motivo, eu simpatizei com você. Assim, do nada. De graça.
-Talvez porque esteja no roteiro.
-Hum, é bem provável. Mas por alguma razão bem
estranha, eu não consigo me distanciar de você.
Dara passa a mão no rosto do engenheiro.
-Como é que eu faço pra te agradecer?
-Você pode nem ter notado, mas esse sorriso que
você acabou de dar, sobre essa barba mal feita, já me fez ganhar o dia.
DIAS
DEPOIS...
O advogado de Coelho o acompanha
à audiência que será comandada por Dara. Ambos chegam ao fórum, onde já estão
presentes Michele e o defensor público. Todos aguardam a permissão do guarda
para entrarem no recinto.
-A juíza Dara Lira está à espera
de vocês. Por favor, me acompanhem.
Dara está de costas para todos,
amarrando a cobiçadíssima juba. Eis que a Gata do Campeonato Brasileiro de 1990
(conhecida entre os mais chegados como "A Felina da OAB") coloca os
óculos e exibe o rosto quase sem maquiagem alguma...
-Claro! É uma audiência, não uma
gravação de "Rainha da Sucata"! Bom dia a todos.
-Bom dia- respondem os quatro.
-Hum, vejamos os autos do
processo. Felipe Almeida Coelho: diretor presidente da revista Play Pause,
voltada para o público masculino e adjacências, é acusado formalmente de
assédio contra a modelo sem passagem em agência Michele Bezerra. A reclamante
alega que, em troca da assinatura de um contrato que visava à realização de um
ensaio, Coelho tentou agarrá-la, vou rebolar só porque você não gosta; se não
quiser me olhar, fica de costas e todo aquele blá blá blá! Pois muito bem. O
que o réu tem a dizer em sua defesa?
-Meritíssima, o meu cliente foi
vítima de uma armação planejada por essa emergente, que só pensa em
extorquir...
-Fui pouco clara, Dr. Wilson? Eu
fiz uma pergunta ao réu, não ao senhor. Limite-se a falar quando por mim for
questionado.
-Desculpe, Meritíssima.
-Me desculpe o tom adotado
também, mas é que eu adoro ser mandona. Dr. Coelho, espero sua resposta.
-Que calor é esse, Doutora? Tem
como abrir a janela?
-Não. Todas do Fórum estão
emperradas. Aconselho a se abanar com um leque ou abrir a camisa. Mas não se
empolgue pra ficar nu. Isso não é um capítulo de "Pantanal"! Mas
concordo. Essa quintura é horrível! Meus fios loiros pedem pra respirar...
Ao som de "Careless Whisper",
a juíza solta o cabelo e hipnotiza os homens presentes.
-Confio mais no meu silicone no
que no cabelo dela- pensa Michele, em voz alta. A gente ouviu.
-Falou alguma coisa, recalcada?
-A senhora me chamou de
recalcada? Por favor, Dona Juíza, eu não tenho inveja da senhora, nem um pouco.
-Recalque nada mais é do que a
frustração em não ter seus anseios realizados. Difere da inveja, que é o desejo
de obter para si o que pertence ao outro. Da próxima vez que quiser ser mais
esperta do que eu, vou atirar o dicionário na sua cara!
-Meritíssima, infelizmente a
defesa da reclamante impediu que eu trouxesse a testemunha do fato.
-Thaynara, a esposa dele?
Querido, ela seria barrada. Está na cara que defenderia o marido. Bem, eu já
tenho um veredicto: darei ganho de causa à modelo Michele Bezerra, marcando para
qualquer dia desses uma audiência para discutir o preço da indenização que o
Sr. Coelho pagará, porque é claro que essa mocinha pretende cobrar, não é?
-Certamente, Meritíssima!- o
defensor público finalmente abre a boca!
-A senhora não pode fazer isso
com meu cliente!
-Claro que posso, ele tem cara de
safado! Seu cliente é 99% cafajeste, mas com aquele 1% de vergonha alheia! Caso
encerrado!- bate o martelo.
-Isso é um absurdo! Saiba que eu
vou recorrer da sentença!
-Recorra mesmo, Dr. Wilson.
Afinal, vou ter mais chances de rever essa belezinha... – Coelho observa Dara
indo embora.
-Belezinha? Você deveria pegar
pena máxima por esse adjetivo idiota! Essa mulher é apoteoticamente fantástica!
/////
Passeando por uma unidade das
lojas Mesbla, Thaynara anda com um carrinho repleto de fitas VHS, com clássicos
como "O beijo da mulher-aranha" e "O exterminador do futuro"-
ninguém se importa com os títulos, a preocupação mesmo é a atividade que hoje
nem existe mais.
Sem titubear, a coitada (que não
deu as caras no capítulo anterior) começa a sentir uma coceira na testa.
-Felipe vai aprontar alguma. Se
não tiver aprontado já...
/////
Fechando apressadamente a maleta
e se dirigindo ao seu automóvel, Dara é parada no estacionamento por Felipe.
-Meritíssima!
-Pois não?
-Acho que preciso me retratar
pela péssima impressão que teve de mim no fórum.
-Dr. Coelho, como juíza, eu
preciso lidar com obviedades. Não tente me engabelar porque está na cara que
não cometi equívocos a seu respeito. O senhor é um cabra safado mesmo!
-Realmente, eu não queria que
pensasse mal de mim.
-Se sua intenção é fazer com que
eu mude de ideia, desista. Já bati o martelo. Aliás, bati o martelo que uso pra
amaciar a carne, porque o verdadeiro eu não encontrei.
-Vejo que você consegue me ler
melhor do que ninguém. Mas não se engane. Pago o que for preciso pra me ver
livre daquela golpista. Dessa vez, a justiça não funcionou.
-Quanto a isso, não se preocupe.
Acredito que não devam cobrar ao senhor mais do que trezentos mil... Uma
bagatela se comparada ao lucro exorbitante de sua revista.
-Que tal um milhão de cruzeiros?
-Nossa! Mas o senhor está
disposto a limpar a barra com essa tal de Michele, hein?
-Com ela, não. Com você.
-Se pensa que me comprando, eu
vou mudar o veredicto do caso, está muito enganado.
-Vem cá, você é burra ou se faz?
-Tem noção de que está
desrespeitando uma autoridade?
-Claro que tenho, eu não conheço
limites. Eu não me importo de calar a boca daquela mulher... Desde que a sua
esteja colada na minha. Ou você pensa que esses lábios vermelhos não chamaram a
minha atenção naquela audiência?
-É o Batom Boka Loka, está fora de
moda desde 1986! Agora, eu sou obrigada a ver um tarado prestando atenção nos
meus lábios? Dá licença que eu tenho mais o que fazer!- Dara tenta abrir a
porta do carro, mas o empresário bate com força, colocando-se na frente da
juíza.
-Um milhão por algo que não vai
te custar tanto. Afinal, ninguém exala tanta feminilidade quanto a senhorita,
Meritíssima. Um milhão por uma única noite.
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