-Tu pretendes adiantar o casamento?
-Pretendo.
-Adorei a notícia!- Nete interrompe o diálogo entre Valente e
Fabiano- E a noiva? Já sabe que subirá ao altar mais cedo?
-Não, mas saberá por intermédio de mim mesmo, que sou o
noivo, irmã.
-Valente, não estás fazendo isto por conta da minha decisão
em demover-te do posto...
-A minha atitude não tem nada a ver com ninguém além de mim
mesmo, Fabiano. Quero saber se a igreja estará pronta em trinta dias para
organizar o casamento.
-Claro que estará!- prontifica-se Nete a responder- Eu mesma
farei questão de adiantar os trâmites que envolvem tu e Cissa.
-Ótimo.
-Finalmente o dia tão esperado está chegando- Nete abraça o
músico- Precisamos usar o salão que fica atrás da Comportas para realizar a
festa de casamento...
-Não, aqui não. A única cousa que vai ser realizada aqui é a
cerimônia. Quero uma cousa simples, a mais simples possível.
-Estás amalucado se achas que gastarei uma quantia
considerável alugando vestido e passando horas a fio num salão para exibir-me
numa cerimônia de casamento qualquer!
-Se o noivo disse que não será nada que chame a atenção além
do próprio casal, não será a senhora que gastará algo a mais. Tem que ser
inesquecível pelo que vai acontecer, e não por quem estará lá além de mim e da
Cissa.
-Não se discute, então, sobre isto. A cerimônia será a mais
simples.
-Ainda acho que a Cissa não gostará nem um pouco da tua
atitude, Valente.
-Já disse, Irmã Nete. O importante é o casamento.
-Está bem, está bem. Como disse o meu marido, isto não será
posto em discussão- abraça-o novamente- Parabéns, varão valoroso! Finalmente
fizeste a coisa certa!
-Nete! Até parece que ele nunca fez nada que merecesse a
nossa consideração.
-Os últimos tempos, confesso, fizeram com que eu mudasse
minha opinião a respeito do Valente... Não me olhem desta forma, mentir é
pecado.
-Que coincidência. Sobre a senhora eu poderia dizer a mesma
cousa.
-Bem, eu tenho cousas para resolver sobre a liturgia de hoje.
Terão que dar-me licença.
-Claro, querida. Deixe-nos a sós. Fico feliz pela tua
iniciativa. Tenho certeza de que vocês serão muito felizes.
-Tomara. O senhor vai dar-me licença, mas daqui a pouco o
culto começa e não haverá tempo para conversas.
-Fiques à vontade, filho.
-Obrigado- Valente senta ao lado de Tato, que percebe a
maneira ríspida como ele vem tratando os demais.
-Algo de errado, Valente?
-Por que perguntas isto?
-Não costumas falar com as pessoas deste jeito. Sobretudo com
eles.
-De que forma acreditas que estou eu falando?
-Como se quisesses que alguém perceba que há algo grave em
teu discurso. Por isto que eu pergunto o que há de errado contigo, meu amigo.
-Responda-me uma cousa, com toda a sinceridade.
-O que queres saber?
-Eu sou daquela espécie de pessoa que julga os outros? Que
insiste em não respeitar os meus semelhantes? Porque se eu for assim, eu
preciso mudar o quanto antes.
-Seja lá o que tenham dito a ti, não acredites. Tu és um ser
humano sem igual.
-Quem sabe foi este o meu grande erro?
-Praticar o bem não é nenhum demérito, Valente. Se não sabem
reconhecer o que tu fazes de bom, paciência. Mas eu sou suspeito para falar, já
que me ajudaste tanto.
-Tu perguntaste a mim o que havia de errado comigo. Não é
comigo, mas sinto que alguém está prestes a dar um mau passo.
-Se tiveres algum respaldo com esta pessoa, melhor que tu
intercedas por ela.
-Acreditas nisto mesmo?
-Pelo pouco que conheço do meu amigo, sei que se eu estivesse
na mesma situação, dirias o mesmo para mim.
-Mudando um pouco de assunto: pensaste no que o teu tio havia
contado a respeito do Kleber?
-Continuo pensando. Mas não quero dar um passo maior do que a
perna e deixar mais dor pelo caminho da minha família.
-O quê?- Cissa grita pelo celular, assustando Michel e
Beatriz, que estão em sua casa- Mentira o que estás me dizendo, não é? Ele
falou isto mesmo? Até que enfim ele caiu em si, graças ao bom Deus! Obrigada
por ter me avisado, irmã! OK, a paz... – desliga- Vocês não vão acreditar!
-Pela felicidade exultante, deve ter algo a ver com o tal
varão valoroso- suspeita Beatriz.
-Exatamente!
-Contes, minha irmã. O que houve?
-Dentro de um mês, eu serei a esposa de Valente Valença! Ah,
que maravilha!- corre para abraçar Michel, que está na cozinha preparando uma sobremesa.
-Não sei quem é este cidadão na fila da padaria do Seu
Joaquim, mas... Parabéns, amiga!- Beatriz também comemora a atitude de Valente.
-Parece até mentira que ele finalmente aceitou adiantar o
nosso casamento!
-É, Cissa. A tua estratégia de tentar seduzir o Valente saiu
melhor do que a encomenda- observa Michel- O gajo ficou tão enlouquecido de
desejo que inventou de abreviar a tão aclamada virgindade para ficar contigo.
-Infelizmente, ele resistiu aos meus encantos. Mas até que
foi bom. Agora já tenho data e hora marcada para que nós finalmente possamos
ser um só!
-Já que tu só tens um mês, nós temos que ir às melhores
lojas, procurarmos o melhor vestido...
-Amanhã mesmo, nós vamos ao shopping, e eu quero passar pelo teu crivo. Quem entende melhor das
últimas tendências da moda do que tu, Beatriz?
-Olhes, mas para a minha felicidade ser completa, eu daria
tudo para que a Olívia estivesse aqui. É verdade que sempre tivemos as nossas
rusgas, mas eu nunca imaginei que fosse sentir tantas saudades da minha irmã.
-Sabes o que eu acho curioso, Beatriz? É que muitas vezes,
nós saíamos para beber, frequentávamos as raves,
dormíamos em motéis, às vezes até na rua. E sempre que o teu celular tocava,
era a Olívia ligando preocupada, querendo saber o teu paradeiro, mas tu nunca
atendias- relembra Olívia- Agora a carola da Família Gusmão Alencar és tu.
-Mas nenhuma notícia até agora, Beatriz?
-Nada, Michel. Parece que a Olívia foi engolida pela terra.
-Tinhas comentado que o professor da tua irmã foi atrás de informações-
Michel busca acalmar a amiga- Vamos crer que ele trará boas informações a
respeito de Olívia.
-Eu não costumo enganar-me com as pessoas, Michel. Mas aquele
homem inspira em mim uma confiança fora do comum, mesmo não sabendo nada acerca
do tal professor. Sou capaz de apostar tudo o que tenho, mas acredito que ele
não voltará, seja lá de onde tenha ele ido, sem notícias.
Em repouso, Olívia acaba adormecendo um pouco naquela longa
madrugada. Insone, o professor caminha pelos corredores do pronto-socorro,
quando vê o médico com um copo descartável de café na mão. O profissional da
saúde aborda o misterioso homem.
-Foi o senhor quem trouxe a Olívia Gusmão Alencar pra cá e o
outro bandido, não foi?
-Sim, eu mesmo.
-Tivemos que transferir o Alonso para outro hospital, que
tinha melhores condições para fazer a cirurgia.
-Alonso...
-É o nome verdadeiro do sequestrador, Alonso. A polícia
levantou a ficha completa do bandido e descobriu que ele utilizava uma falsa
identidade pra frequentar a universidade das vítimas sem ser notado. Amanhã, a
perícia será concluída e saberemos que o disparo contra o bandido foi
acidental, que o tiro saiu, literalmente, pela culatra. Esteve por um triz a
vida da Olívia.
-Mas quanto ao estado de saúde do rapaz?
-Bom, devido à gravidade do caso, o Alonso está em coma. Mas
se ele escapar, é lógico que sofrerá as sanções da justiça. E...
-Continues, Doutor.
-Tudo indica que o rapaz ficará em estado vegetativo por
tempo indeterminado.
-E pensar que tudo isto poderia ter sido evitado se houvesse
tolerância, se fosse praticado o respeito... Agora, a Olívia está abalada sobre
uma cama de hospital, e este rapaz luta para sobreviver.
-Deus que me perdoe pelo que eu vou dizer agora, mas eu não
tenho pena, não.
-Não digas uma coUsa destas.
-Digo, e digo por saber de mim mesmo. A Olívia não foi a
primeira que aquele canalha atentou contra a vida. Basta ver a quantidade de
meninas que não tiveram a mesma sorte que ela. E tudo por não querer que ela
fosse feliz com o próprio credo? Chega a ser assustador quando aparece na
televisão ou no jornal um monte de gente morrendo porque acredita em alguma
coisa, porque um louco acha que é dono da vida e se sente no direito de tirar.
Pra mim, que luto todos os dias pra salvar as pessoas, é desumano.
-Perdoes. Muitos dos erros que o ser humano comete são porque
ele não sabe que está errando.
-Vai me desculpar, mas um cara que mata meninas com um futuro
pela frente, só por acreditar que a crença delas não passa de uma mentira, e
esconde os corpos num galpão longe da civilização, no meio do mato, sabe bem a
monstruosidade que está fazendo.
-E com relação à Olívia...
-Acho prudente deixar a moça aqui por mais um ou dois dias,
ela está muito debilitada por conta dos dias sem comer. E certamente a polícia
vai colher o depoimento da Olívia
-Tudo bem. Assim que ela acordar, eu a comunico.
-O senhor é pai da moça?
-Amigo, de muitos anos.
-Raros são os amigos como o senhor, que se mostram tão
preocupados.
-A raridade, Doutor, está em sair pelo mundo afora e
encontrar amigos de verdade.
Chegou o nono e último dia de internação de Kleber. O agente
de viagens já está acordado, mas Dora preferiu dormir em casa para buscá-lo na
manhã seguinte. Receosamente, Tato abre a porta do quarto e olha para o rosto
do pai, que não sabe como encará-lo.
-Desviando o olhar? O natural seria que eu fizesse isto.
-Que bom que tu apareceste...
-O meu tio falou que querias falar comigo.
-Sim, é verdade. Acho que chegou o momento de termos uma
conversa que definirá o futuro da nossa relação de pai e filho.
-Está bem. O que tanto tens para falar comigo?
-Só uma palavra eu preciso dizer-te, Otávio: perdão.