20/02/2016

MENTIRAS ESCANCARADAS/ CAPÍTULO VIII: LONELY RIVERS SIGH "WAIT FOR ME, WAIT FOR ME"


O carro de Coelho é estacionado em outra garagem, num prédio próximo ao cativeiro de Antonio. Dara continua com os olhos vendados, trajando um casaco por conta do tempo frio. O vilão abre a porta do carro para a juíza.

-Desce- após a ordem, a moça lhe obedece- Tira a venda.

-O que você vai fazer comigo?

-Tira a venda, rápido!

-Pronto.

-Vamos agora fazer o meu jogo de sedução.

-Eu já vou logo lhe avisando que...

-Você não está em condições de me exigir nada.

-O que é? Por acaso você vai me possuir aqui mesmo?

-Mais ou menos. Mas eu farei com você umas preliminares, para apimentar mais a nossa relação.

-Não temos uma relação, Coelho.

-Não até os próximos dez minutos. Tira o casaco.

De má vontade, a juíza obedece, mas joga a vestimenta no chão.

-Que mais?

Coelho ativa o toca-fita do carro e trata de pôr "Meu Bem, Meu Mal", tema de abertura da novela homônima que estava passando.

-Botei pra dar um clima.

-Ah, não! Eu não vou dançar o tema de abertura de uma novela daquela emissora manipuladora, sem caráter, parcial, e que me incitou a votar no...

-Dança a música ou eu mato teu namorado.

-Meu bem, meu zen, meu mal... –Dara canta apavorada e joga os braços de um lado para o outro, em uma coreografia enigmática. Enigmática porque na cena da redação da revista ela dançou melhor.

-Agora, bota o casaco e continua dançando- Dara volta a obedecê-lo- Tira o casaco.

-Como é?

-Continua dançando e tira o casaco.

-Tá!- a juíza arremessa o casaco para o carro do antagonista.

-Bota o casaco.

-Qual o seu plano, afinal?

-Jogar sua reputação na lama com essa cena ridícula.

-Ah, obrigada, como se o autor não tivesse feito isso a novela inteira.



/////



A próxima empreitada da dupla é chegar ao lugar onde Antonio está. A juíza volta a ter os olhos vendados, enquanto Coelho se prepara para entrar no cativeiro. O vilão coloca Dara em frente à porta, ainda do lado de fora.

-Você fica aqui. Tem uma porta bem na sua frente. Você só vai abrir quando eu mandar. E nada de tirar a bandana dos olhos.

-Antonio tá aí dentro?

-Não se preocupe, logo você vai vê-lo. Já ele, né? Nada de destampar os olhos, eu estou vendo você.

Coelho entra e encontra Antonio, que finge não vê-lo.

-Quem está aí?

-Quem mais, demente?

-O que é que você quer comigo?

-Com você? Quero de você, uma pessoa que te pertence- vai para a cozinha.

-Não chega perto de Dara, senão eu... – vira-se para Coelho.

-Senão o quê, Antonio? Eu não tenho mais nada a perder, mas vou arrastar sua Dara pro mesmo buraco- Coelho desliga o registro de água e retira uma torneira da pia- Além disso... Eu não vou chegar perto de Dara. Chegar perto é muito pouco do que vou fazer com ela.

-Desgraçado!

-Pode abrir a porta, Dara.

-Antonio... – Dara corre para abraçá-lo.

-Calminha aí, minha filha- Coelho encosta a torneira nas costas de Antonio- Se der mais um passo, eu acabo com ele. E você sabe o que tem que fazer pra conseguir Antonio de volta.

-O que vai fazer? Me ameaçar com uma torneira de novo e fazer Dara acreditar que é um revólver?

-Torneira?- Dara estranha.

-Esse daí não mata nem barata. Está te chantageando à toa.

-Não, espera um minuto. Como é que você sabe que ele está com uma torneira na mão?

-E não é só disso que eu sei. Descobri também que o Dr. Coelho não sabe apertar bem cordas- Antonio levanta e se livra das amarras- E agora? Como você vai nos ameaçar?

-Muito bem, Antonio. Realmente eu não esperava tanta perspicácia da sua parte. Mas só tem um inconveniente: nós três estamos no meio do nada. Como farão pra voltar?

-Muito simples, caro Coelho: estamos numa barraca da praia de Piedade. Uma barraca que você alugou de um vendedor de coco, provavelmente por imaginar que esse seria o último lugar que a polícia me procuraria. Dara pode ir até um orelhão e dizer a locação exata de onde estamos.

-Maldição!

-Antonio, como você sabe de tudo isso?

-Porque depois daquela noite de chuva e visita íntima, eu recuperei a minha memória.

-Você não estava cego?- enquanto isso, Coelho anda pé ante pé até a porta da barraca.

-Ah, é, mas é que nas novelas a gente costuma perder a memória                                 .

-Mas por que você não me disse que tinha voltado a ver?

-Porque quando eu ia te contar, a mulher dele apareceu dizendo que você tinha recebido dinheiro pra ir pra cama com ele. Resolvi simular a continuação da minha cegueira pra averiguar se era verdade ou não o que aquela desequilibrada disse!

-Mas não é mais desequilibrada do que eu!- brada Coelho, que puxa com força o braço de Dara, fazendo-a correr com ele pela areia da praia.

-Não se eu puder impedir- o heroico engenheiro, que resolveu pôr a cachola pra funcionar no último capítulo, avisa.

Sabe-se lá como ou por que, duas lanchas estão na beira da praia. Coelho resolve roubar uma e tenta colocar Dara lá dentro.

-Me solta, desgraçado!

-Eu não vou deixar aquele engenheiro te roubar de mim.

-Eu nunca fui sua, me larga!

Esforço em vão: Dara é colocada na lancha. Mais veloz que Usain Bolt, Antonio vê a lancha zarpar e sobe na outra para comandá-la. A partir daí, o que se vê é uma perseguição violenta. E quando eu digo "violenta", é porque é um atentado contra a verossimilhança MESMO!

-Solta a minha mulher, desgraçado!

-Minha mulher! Perdeu, Antonio. Dara agora vai ser minha.

-Eu não sou de ninguém, esses machos não me registraram em cartório! Me solta, Coelho!

-Nunca!

Antonio acelera e fica junto à lancha comandada por Coelho.

-Você acha mesmo que vai conseguir me alcançar?

-Claro que sim, fui eu quem projetei essas lanchas. Larga a minha mulher agora!

-Por que você não pede "por favor"? Quem sabe, assim, eu te atenda?

-Você vai ver o "por favor" já, já!

-Socorro!- Dara grita.

Antonio encosta o veículo na lancha de Coelho e pula para o local onde estão Dara e o rival.

-Agora é com a gente!

-O que é? Pensa que eu tenho medo de você?

-Devia começar a ter!

-Pelo menos eu não sou uma presa fácil na mão de bandidos.

-Pelo menos eu não ameaço meus inimigos com uma torneira.

-Isso já foi pessoal- Coelho parte pra cima de Antonio, e os dois travam uma luta em que não conseguem disparar um único soco. Dara corre para o controle da lancha e encontra um sinalizador. Ativa o objeto, mas percebe que há um píer a poucos quilômetros, e que as lanchas estão indo na direção do local. Ela tenta parar a lancha, mas não sabe pilotar.

Coelho dá um soco em Antonio, que cai praticamente desacordado. Em seguida, agarra Dara pelos cabelos.

-Dara...

-Tá vendo isso daqui?- aponta para Dara- Nunca mais você vai ter na sua vida! Eu venci, Antonio!

-Não toca na minha juba, salafrário!- em um golpe de misericórdia, Dara atinge a cabeça de Coelho com um golpe do sinalizador, fazendo-o cair na lancha, perto do controle. A juíza coloca Antonio nos braços e pula no mar com ele. As lanchas se distanciam uma da outra, mas a que Antonio comanda segue em linha reta. Esta passa sobre a região que a jovem nada para chegar à superfície com o amado.

O antagonista recupera os sentidos e vê o píer. Desesperado, faz uma manobra e vira a lancha para a esquerda, freando logo em seguida, ainda no meio do mar, suspirando de alívio até que...

-Ô-oh... – ele vê a lancha vindo à direção daquela que roubou. Os veículos colidem e explodem.

Dara e Antonio presenciam a explosão e se abraçam na água.

-Acabou. Finalmente acabou.

Você é que pensa, Dara.



/////



A correnteza do rio vai levando aquela... Opa, quase que canto a música do Djavan! A correnteza arrasta Coelho para uma praia de Porto de Galinhas. Ao abrir os olhos, a primeira coisa que vê é uma asiática voluptuosa trajando um maiô vermelho.

-Fui deportado?

-Parece que você bebeu muito e veio boiando até aqui. Coitado.

-Onde eu estou? Tóquio?

-Porto de Galinhas. É que eu sou turista.

-Ah, muito prazer. Prazer imenso...

-É que sempre que preciso de inspiração, venho pra cá.

-Inspiração pra quê?

-Sou desenhista de mangás voltados ao público adulto. E sempre que venho pra cá presencio muitos romances, o que dá margem para ótimos enredos.

-Mangás adultos, é? Por que você não fala sobre suas próprias paixões?

-Porque eu não tive nenhuma.

-Olha, quem sabe eu posso dar uma consultoria?

-Você entende de romances calientes?

-Entendo de mulheres que mexem com o imaginário masculino. De certa forma, sei o que um homem precisa ter para fazer o nascer o interesse na mulher. Qual o seu nome, bela gueixa?

-Zigoto Shineray.

-Pois bem, eu vou te prestar uma consultoria.

-Não vai dar, eu tenho que voltar hoje pra lá. Mas você pode vir comigo, no meu jatinho, e explicar suas ideias pra editora.

-Está me convidando pra ir ao Japão?

-Por que não?

-Tem razão. Estou mesmo precisando mudar de ares. E aposto que a convivência com você vai ser muito interessante. Extremamente.



DEPOIS ISSO, NUMA CERIMÔNIA FÚNEBRE...



-ME LEVA COM ELE! ME LEVA COM ELE!- Thaynara faz um escarcéu na missa de sétimo dia de Coelho, com uma urna com as cinzas do marido. Na verdade, com as cinzas das lanchas que explodiram.



SETE ANOS DEPOIS (PULANDO MAIS QUE CANGURU NUMA CRONOLOGIA ESTAPAFÚRDIA)...



Thaynara anda tranquilamente pelas ruas do bairro do Ibura (sim!) e bate à porta de uma casa. Dara atende.

-Amiga!- cumprimenta-lhe com um abraço.

-E aí, menina? Tás ótima?

Não, você não está lendo errado. Dara e Thaynara viraram amigas. Afinal, nunca disputaram homem nenhum, não é? Para esse desfecho, a explicação é simples: foram encontradas diversas irregularidades nas contas de Coelho. O confisco, depois de sua suposta morte, fez Thay se tornar baby cítrica... Digo, baby sitter. E o seu sustento vem da educação que dá aos cinco gêmeos que a fértil Dara teve com Antonio: Luiz Carlos, Alexandre, Anderson, Netinho e Carol... Caroline! Percebeu a piada? Não vou explicar mais nada.

-Final de semana, né? Largo do emprego e os meus filhos não largam de mim.

-Como é que você faz pra manter as crianças entretidas quando eu não estou aqui?

-Boto elas todas pra ver programação infantil.

-Dara, são quatro horas da tarde do sábado. Que programa infantil está passando?

-Sei lá, mas é com uma loura que cantava "Pinel por você" na época que engravidei deles.

Luiz Carlos, Alexandre, Anderson, Netinho e Carol... Caroline... Estão vendo a entrevista que Xuxa faz com Suzana Vieira. E ficam embasbacadas.

 -Chiquíssima, maravilhosa, sorridente, suculenta, vitaminada!

-É pra programa jovem, né, filha? Roupa de programa teenager! Ha! Ha! Ha! Ha!    

-Aê, comadre!

-Se o programa fosse de manhã, como você tem, teria um outro traje.

-Xuca?

-É. Eu tinha feito, mas a minha cabeleireira Ruddy achou que eu ia competir com seu (CENSURADO!)!

Só o que posso dizer é que Suzana não usou um bom sinônimo para o aplique da apresentadora.

Voltando às vitaminadas e suculentas...

-E aí, menina? Conta as novidades.

-Arrumei um bico na casa de um empresário que está passando férias no país com o filho pequeno, Henry. Até já me chama de "mamãe".

-A criança?

-O pai também. Deve ser mensagem subliminar.

-Ele paga bem?

-Paga bem e me lança olhares sedutores. Pensando em renovar meu passaporte porque finalmente eu vou me livrar das dívidas e do fantasma do Felipe.

-Arrasa!

-Pra onde você vai?

-Ver se o tal do "Titanic" é bom.

-Leva um lencinho, amiga. Dizem que o filme é muito emocionante.

-Imagina. Eu sou uma mulher bastante racional.



DENTRO DO CINEMA...



-Por que você não colocou o Jack na porta, filha da mãe?- Dara está pendurando num varal o quarto lenço que ela inundou de tanto chorar. E claro, constatando aquilo do que todos reclamam.



JÁ DO LADO DE FORA...



A jornalista Bella Café está na porta do UCI do Shopping Recife.

-Em poucos dias de exibição, o longa-metragem "Titanic", de James Cameron, atraiu milhares de brasileiros para as salas de cinema. Vamos entrevistar algumas pessoas que viram o filme para saber a opinião sobre a produção. Moço, qual é o seu nome?

-Fred Fonseca.

-E sua profissão?

-Professor. Não é crime, não, né?

-Por favor, qual a sua opinião sobre "Titanic"?

-Jack cabia na porta. É muito sem sentido Rose deixar o cara congelando. Até Jim Carrey passando um dia sem mentir é mais convincente.

-Você já ficou um dia sem mentir?

-Sim. Minto todos os dias na escola onde atuo, dizendo que sou professor quando sou apenas um estagiário latino-americano sem dinheiro no banco... – percebe que está sendo filmando- Isso não vai pra TV, vai?

-Pra internet. Mas tudo bem, pouca gente tem. Por isso que "Explode Coração", aquela novela das conversas pelo computador, foi taxada de louca. Obrigada. Vamos entrevistar aqui outra pessoa. Qual é o seu nome?

-Robson.

-Ela é sua namorada?

-Sim, a Débora.

-O que vocês acharam do filme?

-Muito bem feito, a estória é incrível e a direção é tão espetacular que... Robson, quer parar?

-Parar com o quê?

-Você me fez perder o capítulo de "Anjo Mau" pra assistir a esse filme demais de duas horas pra ficar olhando pra outra?

-Débora, eu não tava olhando pra ninguém.

-Eu não saí de Itapissuma pra ser chifrada em rede nacional! Vamos pra casa agora.

-Mas Débora...
-Não quero ouvir nem um pio!- Débora puxa o namorado pela orelha. Constrangida, Bella tenta entrevistar Dara.
-Com licença, pode me dizer o que achou de "Titanic"?
-Prefiro "Ghost"!- estabanada, Dara derrama toda a pipoca na camisa de Antonio- Antonio? O que está fazendo aqui?
-Cumpri a sentença de sete anos por ter roubado a lancha.
-Como é que você soube que eu estava aqui?
-A babá dos meus filhos, que por sinal é a doida da Thaynara, me contou. Aliás, por que eu nunca soube que tinha cinco filhos?
-Porque eu achei que você não fosse mais me querer. Depois da gravidez eu fiquei muito flácida.
-Mas não menos gostosa.
-Bom, é resultado de um filme que vi ano passado: "Striptease". Me inspirei na Demi Moore e fique um pouco marombada.
-Como se precisasse...
-Você não sabe a saudade que eu senti de você.

-Dara, eu quero te pedir uma coisa. Vamos encerrar logo essa novela antes que o autor invente alguma coisa pra nos separar de novo.

-Sim, concordo. Minha reputação tá mais suja que o Tietê.

-Mas antes, tem uma coisa que eu não tive chance de dizer em oito capítulos.

-O quê?
-Eu te amo.
-Mas não mais do que eu amo você. E também ao seu salário de engenheiro, pois é ele que vai dar conta da cria enorme que a gente tem e da hidratação do meu cabelo.
-Vamos pra casa repetir uma cena de "Ghost", que era nosso filme predileto?
-Aquela que o Sam e a Molly se amam ao som de "Unchained Melody"?
-Não, a que a Oda Mae usa a identidade falsa de Rita Miller e dá um golpe de quatro milhões, já que estou desempregado há sete anos!
O longo beijo de Dara e Antonio poderia encerrar o capítulo se na praça de alimentação não estivesse se apresentando uma banda de rock chamada Manjericão e Os Trapaceiros, que costumeiramente se apresenta com clássicos. Tire o cavalinho da chuva que ninguém vai tocar Barão Vermelho.
-Cheia de manias, toda dengosa, menina bonita, sabe que é gostosa. Com esse seu jeito, faz o que quer de mim, domina o meu coração. Eu fico sem saber o que fazer. Quero te deixar, você não quer. Não quer! Então, me ajude a segurar essa barra que é gostar de você! Então, me ajude a segurar essa barra que é gostar de você!
-Antonio, tá todo mundo olhando nosso beijo.
-Então, me imita e finge que não tá vendo nada!- Antonio vira Dara num beijo tão romântico que a coluna dela pode acabar naquele instante, não fosse a flexibilidade de nossa musa.
-Didididididiê, didididididiê, iê, iê, didididididiê...

FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário