São oito e meia e o Cais de Santa Rita está movimentado
naquela manhã de setembro de 2008. Carla anda, de um lado para o outro,
apreensiva. Espera pelo namorado, que vai apressadamente ao seu encontro.
-Você me ligou tão nervosa... – o rapaz a cumprimenta com
um rápido beijo na boca.
-Não consegui dormir, Lucas. Queria esperar um pouco pra
conversar com você, mas não consegui segurar por mais tempo.
-Por que você não quis que eu fosse à sua casa?
-Pra não correr o risco de interromperem a gente.
-O assunto é sério desse jeito, Carla?
-Muito. Tem a ver com nós dois.
Marina acorda tarde e toma café da manhã com o filho, que
demonstra estar distante após ter voltado do encontro. Os dois estão sozinhos.
Nem o marido de Marina nem sua outra filha estão presentes à mesa.
-Que silêncio...
-A senhora disse alguma coisa?
-Disse. Alguém tinha que tomar a iniciativa. Cadê a
Érica?
-Me mandou uma mensagem, dizendo que ia ficar no colégio
até mais tarde por conta de um trabalho com as amigas- mente.
-Pois é... Ando preocupada.
-Com minha irmã?
-Com ela e com você. Você não disse uma palavra desde que
voltou do encontro com sua namorada. O que foi que houve?
-Nada, Mãe.
-Lucas, eu te conheço. Óbvio que aconteceu alguma coisa.
Você saiu preocupado porque ela disse que o assunto que tinha pra tratar com
você era muito urgente.
-Deu pra escutar atrás da porta?
-Por quê? Não era pra prestar atenção no seu tom de voz?
Porque, pelo jeito que você falou com ela pelo celular, parecia que estava
adivinhando o que ela ia dizer. E pelo visto, não foi nada agradável.
-Eu não quero falar disso- Lucas se levanta e se dirige à
sala. Marina segue o filho.
-Não quer, mas precisa. O que está acontecendo?
-Mãe, me dá um tempo, por favor!
-Você não vê que eu quero te ajudar, meu filho? Se abre
comigo, talvez eu consiga resolver seu problema.
-Ninguém pode. Só a Carla.
-A que se refere?
-Ela tá grávida- afirma, após respirar fundo.
-Grávida? Tem certeza disso?
-Tenho, a gente se encontrou hoje mais cedo e ela me
mostrou o exame.
Marina se afasta de Lucas e percorre a sala, com a mão
sobre a boca, demonstrando desespero. O rapaz olha para a janela, ficando de
costas para a mãe.
-Quando você disse que só a Carla pode resolver o
problema, o que estava querendo dizer, afinal? Por acaso o filho também não é
seu?
-Claro que é, eu não tenho dúvida disso.
-Mas então...
-Mãe, eu não quero ter um filho. Pelo menos não agora.
-Sua namorada menos ainda, não é, Lucas? E como você acha
que ela pode resolver?
-Tirando, é lógico! Me diz pra quê eu quero um bebê
agora. Nem Carla quer, quanto mais eu!
-E você me diz isso assim, nessa calma toda?
-Quer que eu diga o quê? Que eu tô feliz? Que eu quero
esse filho? Mandei a real pra Carla; se ela quiser ficar comigo, então vai ter
que dar um jeito.
-Que jeito? Se esqueceu que aborto não é legalizado no
país?
-Mas tem clínica pra isso que eu sei.
-Nem por um momento sequer você pensa nessa menina? Na
pressão que ela sofre por estar grávida?
-Penso nela e penso em mim, Mãe. Principalmente em mim. É
por isso mesmo que eu não quero esse filho. De um jeito ou de outro, ela vai
ter que tirar.
-E passar o resto da vida amargurada por sua causa?
Porque você determinou o que ela deve fazer? Nós estamos falando da morte de
uma criança, Lucas, você não pode simplesmente pedir pra sua namorada matar um
bebê!
-Carla não vai ser nem a primeira nem a última mulher do
mundo a fazer isso.
-Eu também não fui. Nem a primeira nem a última mulher a
passar por isso. Só que não significa que eu não me arrependa um só dia que
seja de ter tirado um filho.
-Que história é essa, Mãe? Do que você tá falando?
-É isso mesmo que você ouviu. Antes de ter tido você e a
sua irmã, eu tirei uma criança.
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