-Intimação para depor sobre um possível estupro?- Jorge
fica atordoado ao ler o documento- Que história é essa, Marina?
-Eu não sei, Pai. O que é tá dizendo aí?
-Que você tem que comparecer amanhã à delegacia para
prestar esclarecimentos sobre um estupro que provavelmente você sofreu.
-Isso tem alguma coisa a ver com o Max?
-Não se mete, Marília!
-Quer dizer que você voltou a se encontrar com aquele
desgraçado nas minhas costas?
-O senhor esqueceu o que é estupro? O Max pode ter me
forçado a alguma coisa quando eu saía com ele, antes de eu perder meu bebê.
-Como você é dissimulada, Marina...
-Não fala assim com a nossa filha, Jorge!
-Será que você não tá vendo? Esse tal de Max não forçou
nada com ela, a Marina engravidou daquele garoto porque quis!
-Garoto, não! Max já tem dezoito anos, e eu ainda tenho
dezesseis. A única menor de idade nessa história sou eu!
-Deixa de ser ridícula, Marina! Você sempre foi
apaixonada por ele, sabe que quando o Max completou dezoito anos, ele tava
viajando. Se ele teve alguma coisa com você, foi antes disso, quando ele também
era de menor- Marília a confronta, com raiva- Você é muito cara de pau mesmo.
Acha que botando medo no Max, ele volta pra você, né?
-Voltaria se a gente tivesse tido alguma coisa. Pra todos
os efeitos, nada aconteceu. Não foi, Pai?
-Você nem se atreva a pisar nessa delegacia.
-Acontece que ela foi intimada, Jorge. Se ela não
comparecer, a polícia vai aparecer aqui e colher o depoimento da Marina lá.
-Tudo bem, Laura. Você está com a razão. Mas eu acho bom
que essa garota não se atreva a dizer nada do que teve com aquele playboy. Eu
vou falar só uma vez, Marina: não se atreva a jogar o nosso sobrenome na lama.
-Pode deixar, Pai. O que a polícia vai ouvir de mim é só
a verdade do que me perguntar.
-Acho bom. Meça suas palavras, pra não manchar ainda mais
a reputação da nossa família.
O delegado já está com Max em sua sala, sem dizer ao
rapaz do que se trata sua vinda.
-Quanto tempo eu vou esperar aqui?
-Calma. Não acredito que a pessoa que eu estou esperando
vá demorar tanto.
-Mas o senhor não queria conversar só comigo?
-Sim, mas não dá pra interrogar alguém acusado por um
estupro sem confrontá-lo com a possível vítima, não é?
-De onde o senhor tirou uma bobagem dessa?
-Digamos que eu não fui com a sua cara e forjei uma forma
de te colocar no xadrez, vai ver foi isso... A polícia não perde tempo tentando
incriminar inocentes, meu jovem. Se você está aqui hoje, é porque nós recebemos
uma denúncia.
-Tá, mas de quem?
-A moça acabou de chegar.
Marina entra com um olhar tímido, e seu corpo parece
tremer ao sentar do lado de Max. Fica com a cabeça baixa.
-Você que é Marina Lemos Andrade, correto?
-Sou, sim, senhor- Max olha incrédulo para a garota.
-Em que situação você conheceu esse rapaz que está do seu
lado, o Max Balboa?
-Doutor, eu quero deixar bem claro, antes de mais nada,
que eu não sei porque me chamaram aqui, sendo que...
-Limite-se a responder o que lhe for perguntado, Marina.
-Desculpe, Doutor.
-Quando você conheceu o Max Balboa?
-A gente se conhece desde o colégio, do ano passado.
-Estudaram sempre na mesma sala?
-Só nesse ano, porque ele repetiu.
-Não tô entendendo nada... Por que chamaram a Marina? E
quem é que tá me acusando de estupro?
-Max, aqui somente eu faço as perguntas. Se você não se
importa, eu gostaria de continuar exercendo meu trabalho.
-Isso é um absurdo! Absurdo vocês me colocarem aqui, e eu
não tenho nem ideia do que tá rolando, quem é o filho da mãe que levantou falso
de mim!
-Já que você insiste tanto em saber, Max... Recebemos uma
denúncia anônima.
-E por causa disso tão me incriminando? Qualquer
pela-saco pode dizer isso!
-Ocorre que o pela-saco, como você mesmo diz, foi muito
eficaz e trouxe provas de que você realmente abusou de uma menor de idade.
-Que menor de idade?
-Marina Lemos Andrade.
-Eu? Abusei da Marina? Que palhaçada é essa,
Doutor?
-Seria mesmo uma brincadeira de mau gosto, se
não fossem as evidências que foram deixadas na porta da delegacia, há alguns
dias atrás.
-Que prova? Que droga de prova foi essa?
-Uma fita cassete, com um conteúdo bastante
comprometedor.
-O que é que tem nela?
-Você, supostamente forçando a Marina a ter relações
sexuais.
-Isso é mentira!
-Ah, você acha?- coloca a fita num pequeno rádio
conectado à tomada da sala, executando seu conteúdo.
-Que é isso? Que você tá fazendo? Me larga, Max!
-Pode gritar, que ninguém vai te ouvir. Você vai saber o que
é homem de verdade, Marininha. Vai saber e sentir!
-Não faz isso comigo! Por favor, para! Para, Max! Para!
Ouve-se a bofetada que o jovem deu no rosto de Marina.
-Nunca mais você vai pedir pra eu parar.
-Gostaria de ouvir o resto, Max Balboa?
-Isso é armação... A voz nem é minha, e... Alguém armou
pra cima de mim!
-Além disso, há uma carta, não assinada de próprio punho,
em que detalhes do que aconteceu são revelados.
-Não aconteceu nada entre a gente! Fala pra ele, Marina!
Marina permanece em silêncio, chorando muito, sem coragem
de encarar o rosto furioso de Max.
-Quer que eu leia o que foi escrito sobre vocês dois?
-Para de chorar e reage! Diz a verdade, Marina, que a
gente não teve nada!
-Se eu estou redigindo essa carta, é para que todos
saibam que só existe uma vítima nessa história toda. Marina Lemos Andrade,
dezesseis anos, é uma jovem cheia de anseios, mas nenhum deles é maior do que
conseguir um pouco da atenção de Max Balboa, o colega de sala que tem o
estranho dom de atrair olhares por onde passa. Para ele, levá-la para a cama
era uma tarefa simples: bastava fingir que havia algum interesse recíproco. O
sonho de ouvir um só "eu te amo" foi substituído pela brutalidade de
um homem que está acostumado a tratar todas com a força. Na tarde de trinta de
agosto de mil novecentos e oitenta e oito, o prédio onde o rapaz mora estava
praticamente vazio, mas eu ouvi os gritos de socorro de Marina. Provavelmente,
a família nunca desconfiou dessa paixão que ela mesma refreava. Não vou deixar
que ela sofra em silêncio, nem mesmo que cogite a possibilidade de querer Max,
apesar de tudo. Não é porque o amor que ela sente por Max é maior do que tudo
que ela merece passar por esse trauma. Em anexo, há uma fita que prova que nada
do que aconteceu entre eles foi consensual. E como pode atestar pela data, Max
teve relações sexuais com Marina poucos dias depois de atingir a maioridade,
uma vez que sua data de nascimento é vinte e dois de agosto de mil novecentos e
setenta, enquanto a de Marina é dois de setembro de mil novecentos e setenta e
um. Peço a compreensão dos que leem essa carta, pedindo que as medidas
judicialmente cabíveis sejam tomadas o quanto antes.
-Isso é coisa sua, não é, Marina?
-Não acredito... Você fez de mim o que quis e acha que a
culpa disso tudo é minha?
-Filha da mãe, eu vou acabar com tua raça!- Max tenta
agredir a garota com um soco, mas é contido pelo policial.
-Para com isso, Max! Se contenha!
-Essa desgraçada me atraiu! É culpa dela!Tudo isso é
armação!
-Tira ele daqui! Me deixa a sós com a menina!- o delegado
ordena para dois guardas que estão na porta da sala!
-Você me paga, Marina! Isso não vai ficar assim! Piranha!
A jovem rebate com mais lágrimas derramadas, comovendo o
delegado, que traz um copo com água.
Marina volta para casa com o pai, e Laura e Marília estão
curiosas sobre o teor do depoimento que ela deu.
-O que houve lá, Marina?
-Veio o caminho todo calada, Laura. Mas agora, ela vai
ter que dizer o que falou pro delegado.
-Por quê te chamaram, filha?
-Max foi acusado de estupro. Alguém escreveu uma carta
anônima e disse que ele... Que ele abusou de mim.
-Que horror, minha filha...
-E você, obviamente, negou tudo?
-Não, Pai... Eu denunciei o Max.
-O quê?
Já em casa, Breno ouve seu único filho reclamar do que
Marina alegou sobre ele na delegacia.
-Aquela vaca mentiu pra polícia, disse que eu tinha
abusado dela! Na minha frente, na maior cara de pau! Ah, mas ela vai me pagar,
Pai! Eu juro! Eu posso ir até preso, mas não vou deixar aquela vagabunda sem a
lição dela!
-O que você precisa fazer é agir com a cabeça fria, Max! Qualquer
coisa que você fizer vai ser prejudicial nesse momento!
-Mais? Pai, eu não posso ficar pior do que ela me deixou!
Tem noção do que ela fez comigo? Eu posso ir pra cadeia!
-Quanto a isso, não se preocupe. Eu vou conseguir o
melhor advogado pra você, essa acusação não pode ficar impune.
-Melhor não demorar tanto, Pai! Porque do jeito que eu tô
explodindo de raiva, não vai me custar nada dar um corretivo na desgraçada da
Marina!
-Já disse que não é pra agir por conta própria. Você é o
suspeito desse abuso sexual, e se vingar dessa moça seria como assinar um
atestado de culpa.
-A imbecil armou tudo direitinho... Não, ela não é
imbecil! Imbecil sou eu, que acreditei que ela continuava a fim de mim!
-Continuava? Que fundo de verdade essa história toda tem,
Max? Até onde você chegou com essa moça que está te acusando? Às vias de fato?
-É o quê?
-Se eu bem conheço seu comportamento, você deve ter
jogado uma boa lábia pra ela, e não se contentou em ficar apenas no flerte...
-O que o senhor que eu diga? Que eu atraí a Marina pra
cama sem ela perceber? A gente foi e ela quis, muitas vezes. Mas isso que ela
disse pra polícia é mentira! Pra mim, ela quer vingança!
-Vingança por causa de quê, Max? Você não consegue se
firmar com nenhuma moça, e logo essa, segundo a sua concepção, armou um circo
envolvendo a justiça pra se vingar de você? Pode dizer que detalhe dessa
relação estranha entre vocês está me escondendo!
-Marina é aquela... Aquela moça que foi atrás de mim no
aeroporto, no dia que eu viajei com o senhor.
-Imaginava isso mesmo. E?
-Naquele dia, ela me disse que tava grávida.
-Só pra isso, ela quer te ver pelas costas? O que você
disse ou fez pra ela tomar essa atitude, chegando ao ponto de receber uma
intimação pra depor?
-Disse pra ela tirar o bebê.
-Impressionante... Quando eu penso que você vai ser capaz
de se regenerar das besteiras que faz, me surpreende e comete mais uma burrada!
Abortar, Max?
-Nem me olha com essa cara me condenando, não, Pai. O
tanto de menina que faz isso, só a Marina é intocável? E depois, quem é que me
garante que ela tava grávida mesmo?
-Quem me garante é você. Sempre fugindo da sua
responsabilidade, condenando todo mundo que está à sua volta... Como é fácil de
dizer que essa garota tem toda a culpa por ter se envolvido com você. Afinal, a
culpa é sempre delas, né? Nunca é sua!
-Que é isso? Virou defensor de mulher agora?Aquela maluca
tá quase me colocando na cadeia e o senhor bancando o feminista? Tua obrigação é
me defender!
-Pra mim, a obrigação é de te abrir os olhos toda vez que
você fez alguma besteira! Agora você foi longe demais, porque além de ter
envolvido uma inocente nessa história toda...
-Pai, chega! Para com isso? Inocente é tudo que ela não
é. Ainda mais agora, que conseguiu me prejudicar!
-E se eu... – Breno se afasta do filho, sentindo-se um
pouco afobado e afrouxando o nó de sua gravata- Se eu fosse falar com essa
menina, ou pelo menos com os pais dela, pra tentar convencê-la a retirar a queixa?
A desmentir tudo que as provas, que você diz terem sido forjadas por ela, falam
do que aconteceu entre vocês?
-Jogar...
-O que foi que você disse?
-Marina gosta de jogar, e tá fazendo isso comigo...
-Isso quer dizer o quê, Max?
-Que ela não vai parar. Se ela conseguiu fingir que tava
tudo bem, só pra me dar essa rasteira, quer dizer que ela não vai parar.
-E segundo você, o objetivo dela é...
-Das duas uma: ou eu fico com ela, ou ela acaba comigo.
-Seja como for, eu não vou esperar ela tomar uma nova atitude.
Vou interceder por você, e o quanto antes.
-Isso mesmo que o senhor escutou, Pai. Eu disse pra
polícia que o Max abusou de mim.
-Será que você tem a mínima noção da exposição que esse
seu plano pode trazer à nossa família, sua irresponsável?
-Peraí, Marina, você tá acusando o Max de quê? De fazer
aquilo que nenhum garoto quis fazer contigo?
-Nossa, falou a expert em sexo agora: Marília Lemos
Andrade!
-Para de provocar a sua irmã, inconsequente!
-E você para de me recriminar! A culpa do que aconteceu
comigo é tanto sua quanto dele!
Jorge ri.
-Não vai dar em nada, Marina. Se você fizer um exame de
corpo de delito, vão descobrir que você não foi forçada a nada, muito menos por
ele.
-Minha filha, você tinha contado que se envolveu com o
tal de Max, mas nunca...
-O que importa não é o que rolou com o Max antes, Mãe,
mas sim o que eu disse no depoimento. Mesmo sendo uma mentira!
-Acontece que isso é crime, filha!
-Crime esse que, quando for descoberto, vai vir à tona
pra todo mundo. Ou você acha que ninguém vai te obrigar a fazer um exame de
corpo de delito? Vão descobrir que você já teve uma gestação interrompida!
-Ótimo. Tomara mesmo que descubram, Pai. Assim, eu me
jogo num buraco, e arrasto todo mundo comigo.
-Isso se o filho que ela esperou era mesmo do Max, né...
-Sabe qual é o seu problema, Marília? É que você não se
conforma de ver as pessoas sendo tão diferentes de você. Mas também, né, quem é
que vai se orgulhar de ser tão rodada, de ter passado na mão de todo mundo da
escola?
-Essa é sua tática? Fazer nós todos ficarmos contra a sua
irmã e se esquecer da besteira que você fez? Como você joga baixo, garota!
-Pai, você tá pensando o quê? Que me ofendendo, eu vou
mudar de ideia?
-Mas vai! Vai! Eu vou te levar pra delegacia agora e você
vai retirar esse maldito depoimento!
-Nem morta!
-Quem sabe a Marília tem razão? O Max foi o caso que nós
descobrimos, mas pode ser que tenham vindo outros depois. Quem vai saber se ele
foi mesmo o único da sua vida, se foi ele mesmo que te engravidou? Porque ser
tão desprezível desse jeito é típico de quem não tem o menor pingo de vergonha
na cara! Vamos pra delegacia agora!- agarra o braço de Marina.
-Jorge, solta a nossa filha! Calma!
-Vergonha na cara eu conheço bem. Já aquela tua amante,
que de tanto fazer a festa na cama de não sei quantos homens, pegou AIDS, né,
Pai?
-Amante? Do que ela está falando, Jorge?
-Conta pra ela, Pai. Conta que a médica que tirou o meu
filho também é tua mulher! Ou você quer que eu dê os detalhes pra ela?
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