04/05/2018

DUAS DÉCADAS/ CENA 4


Um dia do ano de 2018 amanhece nublado.
(fundo musical: “Stay on these roads”- “old man feels the cold”)
Matheus fica cabisbaixo no ônibus e passa a acompanhar as ruas através da janela do coletivo. Thiago aparece na cadeira de trás, observando o amigo.
THIAGO: Fazendo essa cara por quê, rapaz?
MATHEUS: Dá pra notar, não é?
THIAGO: Tem como não notar? O que houve?
MATHEUS: Andei sonhando demais com o futuro ultimamente.
THIAGO: Isso não é bom?
MATHEUS: Não. Pelo menos, não quando você sabe que no presente não acontece nada do que você planejou.
THIAGO: É... Assim não tem como não se sentir frustrado.
MATHEUS: A gente cria tantas expectativas e não consegue alcançar.
THIAGO: Quais expectativas? As suas ou as dos outros?
MATHEUS: Sei lá... Vejo muita gente da minha idade progredindo. Parece até que só eu fico pra trás, ao contrário de todo mundo.
THIAGO: Você não é todo mundo.
MATHEUS: Por que acha isso?
THIAGO: Eu não acho, é o que todos os pais dizem.
MATHEUS: Então, tá me dizendo isso por quê?
THIAGO: Porque o tempo funciona de um jeito diferente pra cada um. Demora, mas a gente consegue. Se não conseguir, é porque vem coisa melhor.
MATHEUS: Você, por acaso, lembra a minha idade? Eu tenho vinte anos. Acha que eu tenho que esperar mais o quê?
THIAGO: Qualquer coisa, menos o que você deseja. Por mais que você queira coisas boas, o que sempre vem é o melhor. Nada além disso. Já vou descer.
MATHEUS: Aonde você vai?
THIAGO: Carregar o Vem. Tchau (Thiago deixa o ônibus).
MATHEUS: Otimista demais... Só faltou ele me dizer que eu vou conhecer o grande amor da minha vida quando olhar pro lado (Matheus vira os olhos na direção contrária à janela).
(fundo musical: “No me platiques más”- “y me figuro que por eso/ es que yo vivo, tan intranquilo”)
ANTONIO: Você tá bem?
MATHEUS: Não... Mas vou ficar.
ANTONIO: Eu não deixei de ouvir o que vocês dois conversaram.
MATHEUS: Sei, mas acho que não aguento mais esperar.
ANTONIO: Na boa, eu posso te dar um conselho?
MATHEUS: Pode. O difícil é que eu siga.
ANTONIO: Pensa no que você tanto já quis um dia e agora pode dizer que tem. Demorou, mas acabou chegando.
MATHEUS: Tem razão... Demorei dois dias pra comer aquela lasanha... Mas pra onde você vai?
ANTONIO: Fazer a prova de cálculo. Estudei tanto que até me esqueci de ler “A morte de Ivan Ilitch” pela sétima vez. Dedicação total.
MATHEUS: Verdade? E o que vai cair na prova?
(fundo musical: “Ontem, hoje, amanhã”- “lágrimas, lágrimas”)
Antonio começa a chorar e sai do coletivo correndo. Matheus também decide abandonar o coletivo e fica a pensar no que os amigos disseram. Aos poucos, adota uma expressão de otimismo.
(fundo musical: “20 e poucos anos”- “você já sabe, me conhece muito bem/ eu sou capaz de ir e vou muito mais além”)
MATHEUS: Eu vou conseguir. Melhor dizendo: já consegui.
(fundo musical: “Eu te amo você”: “mas tudo é tão difícil que eu não vejo a hora disso terminar”)
Do outro lado da cidade... Gabrielle está num carro particular e, ao contrário do protagonista, aparenta preocupação. A moça tem o celular em mãos.
GABRIELLE: O final do período tá chegando e eu ainda não dei conta das cadeiras todas. Minha vida social foi pro limbo e ainda por cima o professor passou outro trabalho, como se eu só tivesse a matéria dele pra dar conta!
DANILA: Posso ser sincera? (Danila dirige o carro usando um quepe).
GABRIELLE: Claro, por favor.
Danila dubla uma música.
(fundo musical: “Do fundo do meu coração”: “acabe com essa droga de uma vez!”)

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