31/05/2019

O QUE É "FAN MADE"?

A partir de amanhã (01), uma vez por semana, os leitores do blog Schoolaxo Musical poderão acompanhar "Fan Made", atração que a página exibirá nos próximos meses, no intervalo dos roteiros dos vídeos humorísticos "Sete lendas universitárias" e "Confissões prolixas de um exíguo mesoclitico", cuja estreia ocorrerá em novembro.
"Fan made", ao contrário de boa parte dos textos publicados aqui, não apresenta nenhuma história ficcional- é uma série de encartes de compact disc criados por mim. A ideia partiu de uma sinopse que eu havia criado justamente sobre a criação de trabalhos fan made (quando é simulada a comercialização de um produto de um determinado artista, normalmente com obras raras ou jamais postas no mercado, mas que são de conhecimento do público através da internet). Como a história eu não criei mesmo (por preferir os roteiros humorísticos), fui fazendo encartes de discos que eu tive... E de uns que eu gostaria de ter também.
Outra questão que me incentivou a fazer a série foi perceber que alguns artistas, apesar de fazerem ensaios para estampar os encartes originais, usam ao fim poucas imagens para ilustrar seus álbuns. Dessa forma, esses outtakes acabam fazendo parte não só de alguns encartes da série (a maioria deles com duas páginas com as letras, uma com a capa e outra com uma foto que ilustra o verso do encarte), como também do inlay.
Têm espaço para essa sessão do blog encartes de discos que:
-foram lançados no formato CD, mas que não traziam as letras das músicas;
-foram lançados separadamente, mas que cabem num CD convencional, onde caberiam até oitenta minutos de canções (excetuando aqueles que são gravados no formato jukebox, o popular "CD em MP3, com mais músicas do que o comercializado nas lojas");
-foram lançados em LP (long play), mas nunca em CD;
-não foram lançados em formato físico, estando suas canções disponíveis em plataformas digitais.
Para quem quiser imprimir algum desses encartes, é necessário fazê-lo em folhas de 21 X 29,7 cm, não se esquecendo de ajustar a imagem de cada quadro visualizado, já que não fazê-lo pode deixar o encarte menor do que o espaço do estojo (caixa acrílica) do CD. Para os rótulos dos álbuns, é necessário fazer a impressão em papel adesivo, enquanto o inlay, a contracapa e as páginas do encarte podem ser materializadas em papel couchê ou duplex.
P. S.: o blog não disponibiliza as músicas de nenhum álbum.

11/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 7: O PÁSSARO COMPROMETEDOR


BENEDETTO (NARRADOR): Poderia enganar você, querido diário, mas creio que não é necessário. Devo deixar claro: a formatura, apesar de uma agonia parecida com a reta final de uma novela, era simbólica. Ainda me faltava dar conta de duzentas e dez horas de carga horária complementar, o que me impediu de pegar o diploma desejado. E, para obtê-lo, eu tive que participar de eventos; seja como ouvinte, seja como parte da comissão organizadora. Não podia ouvir falar que tinha um evento de graça que me sentia um arroz de festa e me atrevia à inscrição, mas não sem antes mandar um e-mail para os organizadores e perguntar, como se o meu olhar inocente pudesse ser visto pela tela do computador:
BENEDETTO: Tem certificado?
BENEDETTO (NARRADOR): Passei três semestres tentando integralizar essa graduação de outro mundo. E não faltaram situações embaraçosas... Como o dia em que eu apareci na Rede Globo de costas. Sim, não escrevi errado. Eu trabalhei como mesário nas eleições da reitoria. E o pior é que esta era a segunda vez que o mesmo noticiário me filmava. A primeira foi em 2008, quando fui à sede da Covest olhar o listão do primeiro vestibular que fiz na vida. Não passei, mas valeu o registro do desespero.
(fundo musical: ”Tema de Fred”)
Benedetto é visto com uma camisa laranja, utilizando uma expressão de apavoramento.
BENEDETTO (NARRADOR): Os acontecimentos incomuns tinham de ocorrer, do contrário a faculdade se chamaria “dinheiro” de tão divertida que seria. Aliás, são tantos que é praticamente impossível de serem contados em ordem cronológica. Lembro-me de que eu era aluno do segundo período quando houve uma temporada agressiva de chuvas em todo o estado, sobretudo na capital. Nós embarcávamos nos transportes que nos conduziam à universidade e, no primeiro pingo que caía, já ficávamos receosos de não conseguirmos voltar para casa. O título de Veneza brasileira dado a Recife ganhou uma ressignificação: não era por conta das pontes e rios, e sim porque eu voltaria para casa de gôndola! Acha que é hipérbole de minha parte? Imagina você chegar numa quarta-feira tensíssima e nublada e todo mundo da sua sala resolve te indagar?
MAYARA: Você tá sabendo que a Barragem de Tapacurá vai estourar?
BENEDETTO: Não acredito que você acredita nessa história sem pé nem cabeça.
MAYARA: Se tá no Facebook, é verdade.
BENEDETTO (NARRADOR): Para você ver que as fake news existem desde 2011. Até comunidade no falecido Orkut sobre esse desastre foi criada. Aparentemente, meu professor de Fundamentos Educacionais não estava tão preocupado com a situação, já que os alunos se entreolhavam com medo do início do próximo temporal e ele não parava de falar.
RUBÉN: Você consegue perceber que, quando “oscaba” querem interferir na educação, “oscaba” se metem e acabou. Inclusive, muita gente foi contra quando “oscaba” tentaram alterar alguns parágrafos importantes da Lei de Diretrizes e Bases, mas ninguém conseguiu impedir o plano “doscaba”. Eu sei que alguns “doscaba” que estão aqui estão com medo da chuva que vai começar daqui a pouco, mas “oscaba” só vão sair depois que a gente discutir o documentário “Pro dia nascer feliz”, que a gente viu na aula passada.
BENEDETTO (NARRADOR): O boato se espalhou de maneira tão rápida que eu me vi obrigado a elevar tudo que havia no meu guarda-roupa, inclusive os quatro livros que a professora me emprestou pro trabalho de Análise e Produção de Material Didático. Pois bem: a barragem continuou do mesmo jeito, e se passaram dois meses. Na véspera da entrega do trabalho, Elisabeta nos enviou um e-mail para uma importante recordação:
ELISABETA: “Assim que vocês entregarem o trabalho da disciplina, devolvam por gentileza os livros que analisaram para a confecção de vossos artigos”.
BENEDETTO (NARRADOR): Depois de dois meses, você acha que eu lembrava onde foi que eu coloquei esses livros que tentei proteger da chuva? Claro que não. O mais óbvio é que eles estivessem no meu guarda-roupa. O material do trabalho parecia mais uma previsão pessimista da Agência Pernambucana de Áreas e Clima: bastou eu abrir a porta para que começasse a chover.
(fundo musical: “A chuva me lembrou você”- “ah, se essa chuva trouxesse você”)
Benedetto contempla a chuva caindo com a porta do guarda-roupa aberta e diante do jovem italiano.
BENEDETTO (NARRADOR): Enrolei-te como um carretel, não foi? Vamos à carga. No último mês que tive que fazê-la, recebi um convite para fazer parte da monitoria de um evento tão grande que até estrangeiras vieram falar comigo como se soubessem que meu bilinguismo não existe. Ganhei uma bolsa, que uso até hoje para comprar comida e não ser indagado pelas vizinhas sobre o que trago. Aliás, os eventos gratuitos nos fazem colecionar tantas bolsas e canetas que, se eu vendesse tudo a uma papelaria no centro da cidade, teria um lucro de oitenta por cento ao ano durante uma década. E um treinamento, comandado por ninguém menos do que Chaves, um dos professores do início da faculdade. Não é comum encontrarmos por aí alguém que tenha memória de elefante. A dele era de uma verdadeira manada: na primeira aula ele conseguiu decorar o nome de todos nós e saber as motivações que nos levaram a fazer o vestibular. E conseguiu reparar que um tal de Thiago parecia um carioca ao pronunciar o próprio nome, dada a mania de dar função sonora a um H que é mudo. Chaves possuía uma voz inconfundível, típica de locutores de rádio, o que deixava a tensão causada por suas avaliações muito mais interessantes e, por que não dizer, fantasmagóricas? Não era raro que eu fosse dormir pensando na prova desse homem e acordasse no meio da madrugada com o meu subconsciente reproduzindo as ameaças imponentes que me atacavam subliminarmente. Urinado, para ser sincero.
CHAVES: (é ouvida a voz quando Benedetto está dormindo, apavorado) Eu vou acabar com a sua vida.
BENEDETTO (NARRADOR): Foram dois dias bem interessantes, a começar pelo fato de ter chegado à universidade às seis e quarenta da manhã. Foi o segundo dia que cheguei tão cedo assim, só perdeu para o dia da apresentação do TCC. E bastou eu chegar ao segundo andar que fui avisado de que seria um dos responsáveis pela infraestrutura do evento. Veja bem: eu não consigo dar conta do meu quarto, responderia por infraestrutura? Obviamente, não passou do segundo dia a situação na qual eu ouvi que a coisa estava um caos. E também fiquei me perguntando como apareci diante das lentes de dois fotógrafos que cobriam o congresso e eu não apareci em praticamente nenhuma foto na internet. Mas essa “sorte”, devo confessar, possuo. As fotos da formatura, estou para ver até hoje. Acredito que, se estivéssemos no tempo dos negativos, as imagens seriam reveladas no prazo de uma hora e eu seria suprimido de todas. Pior é quando querem tirar uma fotografia comigo. Ao invés de uma, fazem três registros. E quando sou marcado nas redes sociais, sinto-me na obrigação de orar, porque é certo que só será publicado aquele momento em que me assemelho a uma capivara despenteada. Dentre os acontecimentos sobrenaturais, eu poderia mencionar o fato de ter derrubado ao chão vinte chaves de uma vez, mas não quero sofrer por tão pouco. Aquele era só o início da semana, porque a terça teria mais fatos inexplicáveis. Eis que fui notificado por Kelly, uma das diretoras do congresso.
KELLY: Benedetto, quando der meio-dia, você vai ficar com a chave do auditório pra permitir que os técnicos instalem o equipamento de vídeo. Assim que o filme terminar, haverá uma palestra do doutor em tecnologia vindo dos Estados Unidos. Você é quem vai anunciá-lo para o público.
BENEDETTO (NARRADOR): O filme que deveria ser exibido no auditório era um longa-metragem sobre o criador do Facebook. A cada minuto, o auditório era visitado por mais pessoas, na esperança de encontrar o tal doutor. Rafael, um dos monitores, assistia ao longa empolgado com o tema tratado, enquanto eu estava realmente impaciente porque tinha a impressão de que daria uma notícia desagradável.
RAFAEL: Impressionante como ele teve essa ideia que deu origem ao Facebook, não é?
BENEDETTO: Sim... Sabe, essa história parece muito com a biografia do Mark Zuckerberg.
RAFAEL: Porque é a biografia do Mark Zuckerberg, Benedetto.
BENEDETTO: Que é, é? Não estou prestando atenção no filme. Eu só quero saber onde está esse doutor.
RAFAEL: Acho que ele não vem mais. Uma hora dessas e ele ainda não apareceu?
BENEDETTO: O que é que nós faremos, então?
RAFAEL: A batata vai continuar assando, mas nas suas mãos. Já que Kelly pediu pra você anunciar a chegada do doutor, você vai ter que dizer pra galera que ele não vem.
BENEDETTO (NARRADOR): Inventaram uma atração para ocupar o espaço, mas ela entraria depois de trinta minutos do fim do filme. Esperei que as luzes se acendessem e peguei o microfone para justificar uma ausência que jamais foi justificada. Só que minha vontade, em vez de fazer um discurso, era cantar como estava meu estado de espírito.
(fundo musical: “Abandonada”- “abandonada por você”)
Benedetto segura o microfone assim que as luzes são acesas e demonstra profunda tristeza com a situação.
BENEDETTO (NARRADOR): Também não mencionarei a matilha que perseguiu a mim e a uma amiga quando deixamos o prédio, numa terça-feira estranha porque era feriado e quase ninguém esperava o ônibus. Aliás, nem ônibus vinha. Parecia que o mundo estava comemorando a data em Olinda. O vendedor de doces da barraca ao lado quebrava a monotonia sinistra colocando em alto volume uma música romântica na escuridão.
(fundo musical: “Wishing on a star”- “I’m wishing on a star/ to follow where you are”)
BENEDETTO (NARRADOR): Mas o evento acabou de maneira felicíssima. Chaves não escondia seu contentamento em ver tudo dando certo. A recepção da mídia e dos convidados foi a melhor possível. Não consigo me lembrar de um dia em que Chaves distribuiu tantos sorrisos. Talvez só na vez em que ele disse que deveríamos ter cuidado no momento da ejaculação da linguagem.
LOCUTOR: Atenção: a palavra mencionada pelo personagem Benedetto Argilla tem o mesmo sentido, no contexto linguístico, de “pronúncia”. Sugerimos aos espectadores que contatem a Empresa de Manutenção e Limpeza Urbana para solicitar uma faxina em suas mentes sujas. Continuando...
LETREIRO EM ITALIANO: Attenzione: la parola menzionata dal personaggio Benedetto Argilla ha lo stesso significato, nel contesto linguistico, di "pronuncia". Suggeriamo che gli spettatori contattino l'Impresa di Manutenzione e Pulizia Urbana per richiedere una pulizia nelle loro menti sporche. Proseguendo...
BENEDETTO (NARRADOR): Houve um trabalho que ele nos passou quase ao fim de sua disciplina. Queria que nós analisássemos alguma música em grupo mas, em vez de entregarmos o projeto por escrito, deveríamos expor a nossa conclusão sobre a canção à sala inteira, e sermos confrontados pelo professor caso ele julgasse necessário. Lembro que minha dupla escolheu uma canção criada na época do regime militar. Só não consigo recordar qual...
LOCUTOR: A) “Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ Pai, afasta de mim esse cálice/ De vinho tinto de sangue”. B) “Por isso, eu quero que a fortuna que me brinda/ Com a doçura e o idílio dessa paz/ Perdure sempre aquecendo o nosso ninho/ E que me queiras cada dia mais e mais”. C) “Eu vou bater pra tu pra tu bater pra tua patota”.
LETREIRO EM ITALIANO: A) "Padre, toglimi questo calice / Padre, togli da me questo calice / Padre, toglimi questo calice / Di vino rosso di sangue". B) "Per questo, voglio la fortuna che mi dà / Con la dolcezza e l'idillio di questa pace / Perdura che scalda sempre il nostro nido / E che mi vuoi ogni giorno sempre di più." C) "Ho intenzione di batterti per battere il tuo cazzo."
BENEDETTO (NARRADOR): Trazendo mais insegurança do que a presença do meu avaliador: a turma, que estava numa conversa paralela. Vi-me obrigado a tomar uma atitude drástica.
BENEDETTO: Vocês querem parar enquanto eu termino de praticar a ejaculação da linguagem aqui?
BENEDETTO (NARRADOR): Chaves, inegavelmente, fazia parte da lista de docentes que temia. Quem a encabeçava era Angélica, que despertava na turma reações perigosas, como cogitar a hipótese de arranhar o carro da mulher com a chave de casa. Nos raros momentos em que ela era carinhosa sem ser irônica, todo o seu amor parecia concentrado em Rubi, sua gata de estimação. Para conquistar a confiança de sua dona, Rubi deveria assemelhar-se à Rubi mexicana: tão bela quanto perigosa. Só fico a imaginar quem encontraria próximo ao automóvel caso eu decidisse depredá-lo com a chave, a exemplo do que os colegas de curso queriam fazer no penúltimo mês de semestre.
(fundo musical: “A pérola e o rubi”- “se tem o ardor de um rubi”)
Benedetto segura uma chave enquanto a gata de Angélica o espera, fitando-lhe de forma séria, ao lado do carro da professora.
BENEDETTO (NARRADOR): Só que a semana do congresso foi a última que frequentei a universidade, para acabar com a carga extra exigida. Estive inscrito num simpósio sobre literatura fantástica, e o mesmo evento oferecia uma oficina que ensinava os presentes a fazer desenhos grotescos. Ou seja, eram dois certificados. Logo no primeiro dia, o artista plástico mostrou as várias gravuras que fez colando-as no auditório. No segundo dos três dias, distribuiu um daqueles blocos de bilhete e lápis de cera para que nós desenhássemos algo que considerássemos grotesco e que povoasse nossa imaginação naquele instante. Só que eu me recusei a ter uma ideia enquanto aquela ata de frequência não chegasse até mim. O resultado foi eu ter reproduzido o mapinguari, figura folclórica que conheci ao assistir ao programa “Catalendas” em minha infância. Segundo o que foi mostrado no educativo, ele tinha no rosto um único olho e a boca ficava na barriga. Um monstro medonho. Mas não mais do que o meu Sig@ dividindo por dois todas as minhas horas de certificado como ouvinte. Meu querido diário, escrevo para você como uma forma de desabafo, e devo confessar que uso palavras que não te assustem. Hoje eu vou abrir uma exceção porque reparei num fato surreal: as obras do artista plástico expunham uma predileção desenfreada pela representação do pinto.
LOCUTOR: Senhores espectadores, recomendamos que não saiam de suas poltronas sem antes voltar a poluir suas mentes. O sentido do termo referente à ave é impróprio, porém necessário para não utilizarmos linguagem chula. A edição deste filme foi realizada de maneira a não intimidar o público com baixo nível ou a inexistência do mesmo. Perdoem-nos pela interrupção e continuem apreciando a obra audiovisual “Sete lendas universitárias”.
LETREIRO EM ITALIANO: Spettatori, ti raccomandiamo di non lasciare le tue poltrone senza aver prima inquinato la tua mente. Il significato del termine che si riferisce all'uccello è improprio, ma è necessario non usare un linguaggio volgare. Il montaggio di questo film è stato fatto in modo da non intimidire il pubblico con un basso livello o l'inesistenza della stessa. Perdonaci per l'interruzione e continua ad apprezzare l'opera audiovisiva "Sette leggende universitarie".
BENEDETTO (NARRADOR): Não importava se a cartolina reproduzia o mundo medieval, se o material utilizado para a confecção da imagem era glitter, se havia referências literárias que lhe inspirassem a criar... Em praticamente todos os desenhos ele desenhou um pombo-correio, cuja mensagem acoplada à pata do pássaro perguntava em qual tipo de canoa furada eu inventei de meter-me. O artista, no terceiro e último dia, começou a palestra avisando que sortearia suas gravuras para alguns dos alunos, e o critério de escolha era ver quem havia assinado a bendita ata. Só que naquela ocasião as pessoas viram o documento circular pela sala mais cedo e, como consequência, deixaram o recinto antes do fim da apresentação. Faltando dez minutos para o encerramento, ele começou a selecionar quem ganharia os seus desenhos. Olhei para o meu celular, que estava com pouca carga de bateria, e tomei uma atitude.
BENEDETTO: Gastarei meus 6%, mas só volto àquela sala quando o sorteio estiver terminado.
BENEDETTO (NARRADOR): Assim que abri a porta para sair, ele começou:
ARTISTA: Delis?
BENEDETTO (NARRADOR): Delis era uma amiga que conheci na época do curso pré-vestibular, e que estudava em outra universidade, mas que havia vindo prestigiar o minicurso sobre desenho grotesco. Ela, inclusive, era uma das pessoas que foram à palestra e saíram rapidamente. Ao contrário de grande parte, que foi para não mais voltar, ela resolveu dar uma volta. Fiquei ligando que nem um desmiolado e ninguém me atendia. Chegou ao ponto em que só restava 1% de bateria, e a cada vez que acionava um botão do telefone móvel, duas pessoas deixavam a sala. Resolvi voltar para o local e só houve tempo para fechar a porta: os que ficaram até o fim me olhavam assustados.
ARTISTA: Você é Benedetto Argilla?
BENEDETTO: Sim, sou eu.
ARTISTA: Até que enfim! Já chamei seu nome tantas vezes!
BENEDETTO: O que houve?
ARTISTA: Você acabou de ganhar uma gravura exclusiva minha!
(fundo musical: “Esquece e vem”)
BENEDETTO (NARRADOR): Ganhar o desenho não foi nada. O problema era que o evento tinha uma página que se atualizava a cada hora com as imagens. E eu tive que posar, sorridente, com a gravura aberta. Minha vontade era de pegar o meu carro e correr em alta velocidade, até que o combustível acabasse e eu já estivesse longe demais para que alguém me questionasse sobre aquele pássaro comprometedor. A vontade passou quando lembrei que não tinha carro.
(fundo musical: “Passarinho”- “não caias do meu céu, passarinho/ suavemente me descobre aos pouquinhos”)
Benedetto, à revelia própria, é fotografado com o desenho anatômico grotesco.
BENEDETTO (NARRADOR): Esta foi embora, mas o desejo de dar fim àquilo não. Não poderia pegar um coletivo lotado com aquela cartolina infeliz na mão. Com qual naturalidade eu pediria que o motorista do ônibus estacionasse segurando aquela ave em pé?
(fundo musical: “O Museu do Fu-Manchu”- “motorista, se eu fosse como tu/ levava a gente logo pro Museu do Fu-Manchu”)
Tentando equilibrar-se, Benedetto imagina a si mesmo dentro do ônibus, segurando com a mão esquerda uma das janelas e o desenho na mão direita.
BENEDETTO (NARRADOR): Subitamente, Delis reapareceu e eu vi a chance de ouro de não passar outro constrangimento.
BENEDETTO: Ragazza, você chegou em boa hora!
DELIS: Eu?
BENEDETTO: O professor te chamou tanto pra te presentear com este desenho do sistema reprodutor em ação e você não apareceu. Foste premiada. Leves este pinto, que é teu.
BENEDETTO (NARRADOR): Depois disso, eu voltei à universidade para entregar meus certificados e resolver pendências relativas à formatura, que aconteceu quatro meses depois. Esperei ainda mais para que o diploma fosse confeccionado. Já as pessoas que frequentaram o campus naquele dia devem fazer até hoje algum tipo de terapia, uma vez que elas pretendem esquecer a cena na qual ele e eu andamos de mãos dadas. Era evidente que eu já não mais sabia que ele era um documento.
(fundo musical: “Vida louca”- “eu não quero assim/ você longe de mim/ seu olhar sem sorrir/ quero um caso de amor, vida louca”)
Passeando sorridente com o diploma, Benedetto não consegue esconder a felicidade de tê-lo. Em dado momento, o imigrante italiano inclina a cabeça e a encosta ao papel sob o pôr do sol.
BENEDETTO (NARRADOR): Eu sei que te sou incômodo, mas não sinto remorso porque te comprei para tal fim. Falando nisso, não devo ter outras experiências sobrenaturais vividas na universidade e, portanto, creio que chegou a hora de me despedir. Volto assim que tiver novas histórias pra contar. Até a próxima.
Benedetto se levanta da cadeira da escrivaninha em que estava e deixa o quarto. Só que o escritor do diário deixa a última página aberta e, misteriosamente, as palavras que escreveu depois do flashback envolvendo o diploma e que foram escritas com a caneta vermelha desaparecem do papel.
(fundo musical: “Iniciação”).

"Sette leggende universitarie"

con Thiago Barros
nel ruolo di “Benedetto Argilla”

sceneggiatura
Gabriel Arenas

direzione
Felipe Lipstein

editing vocale e doppiaggio
Audacity

scenografia, costumi e leggende
Paint

modifica
Windows Story Remix e Animotica Video Maker

effetti 3D
Windows Story Remix

musica
“Segredos da noite”- Paulo Debétio e Julinho Teixeira
“Metálica”- Daniel Figueiredo
“Estertantine”- PH Castanheira
“Tema de Claudius”- Victor Pozas

“Dama Dormida”- Alex Sirvent & Soul Soundtrack
“For the last time, we’ll pray”- Pino Donaggio
“Iniciação”- Ary Sperling
“Gênese”- Paulo Ricardo & RPM
“Amanhã”- Guilherme Arantes

“Santa María (Del Buen Ayre)”- Gotan Project
“O dono do mundo”- Nova Era
“Alguém me disse”- Ana Carolina
“Na captura”- Ary Sperling

“Eterna magia”- Alberto Rosenblit
“Morte Vilar”- Nova Era
“Vlad”- André Sperling
“Asa (DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e DJ Cadico remix)”- Djavan
“Betina”- André Sperling

“Solidão”- Banda Calypso
“Nightie night (Eletro Trio 2014)”- Márcio Lomiranda
“Tema de Diná em Nosso Lar”- Iuri Cunha
“Saga”- Nova Era

“Comoção”- André Sperling
“Pare”- Zezé Di Camargo & Luciano
“Querido profesor”- Xuxa Meneghel
“La maison”- Gabin
“Última inspiração”- César Camargo Mariano e Nelson Ayres

“Tema de Fred”- Nova Era
“A chuva me lembrou você”- Adilson Ramos
“Abandonada (Apaixonada)”- Fafá de Belém
“Wishing on a star”- The Cover Girls

“A pérola e o rubi (The rubi and the pearl)”- Cauby Peixoto
“Esquece e vem”- Nico Rezende
“Passarinho (Pajarito)”- Chiquititas Brasil
“O Museu do Fu-Manchu”- Trem da Alegria
“Vida louca”- Wando

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10/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 6: A GRADUAÇÃO SIMBÓLICA


BENEDETTO (NARRADOR): Estava pronto para encerrar as minhas atividades universitárias. Ela é que não se sentia preparada para livrar-se de minha pessoa. Entre terminar o curso com a mais absoluta tranquilidade e seguir como graduando dispondo de profunda calma, eu preferia ter de entregar o campus aos calouros e pedir desculpas por não ter mais a mesma animação que eles. Pudera. O semestre de aulas final veio para matar-me com cruel intensidade. A começar porque uma determinada disciplina não tinha lançado as minhas notas no sistema, o que inviabilizava que eu me matriculasse em outra obrigatória. Se bem que eu devo admitir não ter sido de meu agrado aquela matéria... Mas o que dominava as conversas era o trabalho de conclusão de curso. A professora que coordenava a disciplina foi questionada sobre a confecção daquela desgraça.
MARISA: Professora, eu confesso que só de falar no TCC já fico nervosa.
SUSANA: Marisa, não é tão difícil de fazer um TCC assim como dizem. É só escrever de maneira brilhante sobre um tema que você domina.
BENEDETTO (NARRADOR): Não domino nem minha vida, quanto mais isso! Mas o mesmo mês de início das aulas do último semestre serviu para que procurássemos pessoas que aceitassem nos orientar e até mesmo duplas para redigirem o trabalho, uma vez que, quanto menos textos, maior era a possibilidade de descobrirmos professores orientadores. Achamos uma pessoa, e esperamos que ela analisasse meu projeto para sabermos se seríamos conduzidos por ela ou jogados às traças da academia. Enquanto isso, coisas completamente fora da ordem aconteciam nos corredores do prédio em que estudávamos. Certa vez, eu estava perto da varanda quando um jovem poeta, que era meu colega de turma, aproximou-se de mim para saber informações a respeito de uma determinada ementa. Sabia de todas as informações daquele curso, apenas desconhecia o método que me faria passar nas provas. Eis que eu possuía a mania de alertar meus colegas de turma com e-mails e notificações de um grupo intitulado “Detenção”, porque era impossível não se sentir preso. Só que houve uma ocasião que eu me esqueci de avisar aquilo que um dos professores cobraria, o que lhe fez ficar irritado comigo a ponto de me rogar uma praga.
(fundo musical: “Nightie night (Eletro Trio 2014)”)
JOFRE: Cuidado, hein, Benedetto? Qualquer dia desses eu faço você sofrer um acidente e você rola escada abaixo.
BENEDETTO: Nada me atingirá, homem soturno. Meu medo era descobrir que no primeiro dia de aula seria vítima de um trote. Uma amiga alertou-me anos depois: o curso era o trote.
BENEDETTO (NARRADOR): Entreguei o projeto à pessoa indicada pela coordenadora de TCC para orientar o trabalho. Esperei mais de trinta dias. Não sabia responder em qual estalagmite ela estava escondida porque o paradeiro da mulher era algo completamente desconhecido. Eis que, numa terça-feira chuvosa, eu tinha uma disciplina cuja aula duraria quatro horas. Apareci na faculdade com um guarda-chuva que parecia uma Kombi quando armado e uma espada quando desativado. Procurei a orientadora e ela não estava em sala. Depois, encontrei uma amiga e fiquei por alguns minutos no laboratório de informática utilizando o Orkut sem a necessidade de pagar lan house. Inventei, por um desses mistérios que me cercam, de usar uma escada que ficava próxima a um dos banheiros. Sabe o que me aconteceu, diário querido?
(fundo musical: “Tema de Diná em Nosso Lar”)
Benedetto relembra o dia em que cai da escada, mas a cena o exibe precisamente no alto desta.
BENEDETTO (NARRADOR): OK, admitirei que foram dois degraus somente, mas foram bastantes para torcer meu pé direito. E a dor era intensa. Tanto que entrei no banheiro, massageei na esperança de que ela cessaria e saí mancando de lá, deixando aquela Kombi/guarda-chuva/espada que me acompanhava. Pensei seriamente em procurar uma unidade de pronto-atendimento. Mas, como torcer o pé não é uma doença infectocontagiosa e não justifica falta, eu fiquei lá com a expressão de dor como quem estava preocupado com o futuro da pedagogia nacional. O médico recomendou uma radiografia e, comprovada a torção, fez com que eu ficasse uma semana em repouso, sendo que eu deveria reservar os três primeiros dias para não colocar o pé no chão. Tudo de acordo com a cabeça de quem tem compromissos acadêmicos, não é? Voltei ao campus mancando, debaixo de chuva, tudo para ver se obtinha uma resposta da orientadora. Ela aceitou ajudar-nos, desde que não fizéssemos um trabalho baseado naquele projeto, e sim acatássemos alguma das propostas que ela nos fez. Discuti sobre o assunto com minha dupla, mas quem falou que conseguíamos dar uma resposta? A mulher sumiu antes da Copa do Mundo e durante a transmissão da mesma!
BENEDETTO: (conversando na faculdade) Vamos esperar até meio-dia, que é a hora em que termina a aula dela. Depois, vamos falar com ela. A mulher terá que retornar para a própria sala em algum momento (um barulho de moto é escutado). Você ouviu isso, bambina?
(fundo musical: “Saga”)
Uma motocicleta, conduzida pela orientadora, passa sobre as folhas secas que estão jogadas no estacionamento do prédio.
BENEDETTO (NARRADOR): Depois de ser supostamente repreendida pela coordenadora da matéria, a mulher fez-se presente como nunca. Mas nem ela, nem o arguidor e muito menos minha dupla conseguiram impedir que eu falasse mais do que a boca, excedendo meus quinze minutos de apresentação. A qualquer momento eu poderia ter minha defesa interrompida com um diálogo perturbador, já que eu não parava de justificar a importância do texto e a doçura do homem iria para as cucuias.
ARGUIDOR: Vamos fazer o seguinte: vamos terminar com essa apresentação, sabe por quê? Isso já tá virando palhaçada, vai ser a minha pressa de sair contra a sua defesa a conta-gotas. Respeito ao tempo de quinze minutos é uma coisa muito diferente de seu desespero, porque tem gente que não sabe o que é respeito. Só pra você saber: não atrasarei as minhas considerações sobre o trabalho da dupla porque, quando vocês chegaram, eu já estava no degrau pra subir à sala, e isso tem os funcionários da coordenação pra provar. Eu só preciso da minha pressa contra a sua lentidão. Não tomei tempo do TCC de ninguém porque cada um tem o seu tempo de apresentação, o arguidor não precisa do tempo de ninguém além do que ele tem. Também tenho que falar. Vamos fazer o seguinte: vamos acabar com essa defesa porque eu não preciso estar me estressando nem perdendo o meu tempo com essa análise de dados. Vamos fazer o seguinte...
(fundo musical: “Comoção”)
ARGUIDOR: Diploma? Tem diploma, querido? Então, eu não preciso estar discutindo. No dia em que você puder conversar comigo sobre o que é cadeira obrigatória, cadeira eletiva, cadeira quebrada, apresentar um trabalho em vários idiomas- incluindo o português e o “enrolation”- aí você vem falar comigo. Mas por enquanto, que não tem diploma, não precisa nem olhar para mim! Tá OK?
BENEDETTO: Mas ainda falta eu explicar por que colocamos esse gráfico em formato de pizza...
ARGUIDOR: Não devo tempo a ninguém, o seu trabalho é você quem faz. Não importa se é pizza, se é pastel... Não me interessa! Eu poderia ter paciência, mas como professor é desprovido desse sentimento, eu não vou nutri-lo.
BENEDETTO: É coisa rápida, só umas oito páginas...
ARGUIDOR: Esse negócio de TCC acaba hoje, eu não quero ouvir mais um pio! É um pio que eu não quero mais ouvir, e eu tô falando sério porque professor é aquilo que eu falei: não tenho paciência! OK? Você pode ser o presidente da chapa, o rapaz que apresenta lendo os slides, o aluno que almoça biscoito Treloso pra não enfrentar a fila do Restaurante Universitário, o estudante que mora no Raio Que O Parta! Aqui, hoje, acabou esse TCC! OK?
(fundo musical: “Pare”)
BENEDETTO (NARRADOR): Seria maravilhoso se isso acontecesse e nós não tivéssemos de viver sob aquela tensão. Felizmente, tudo acabou bem; ou melhor, acabou! Era a hora de ocupar a cabeça com outra preocupação: os trâmites que envolviam a formatura. Depois de dois anos depositando religiosamente o dinheiro, era o tempo de usufruir um pouco de luxo durante quatro noites. Apesar de toda a pompa que os eventos pediam, estava mesmo ansioso para o primeiro evento, a aula da saudade, porque meses antes fomos envolvidos numa eleição para o aluno da turma que seria homenageado. Presidência da república no segundo semestre de 2014? Que nada! Este era o resultado ao qual me propunha a descobrir. Acontece que, no dia programado, eu acordei tranquilamente e abri uma rede social para saber se havia novidades relacionadas à primeira confraternização. Estava pronto pra que chegasse o dia do baile, que me obrigava a usar um smoking que eu não havia alugado, e passar pelo tapete vermelho como quem jamais utilizou o transporte público em horário de pico.
(fundo musical: “Querido profesor”- “tan guapo como Luis Miguel/ querido profesor”)
Benedetto se imagina acenando para as pessoas enquanto passa sobre o tapete vermelho do baile de formatura.
BENEDETTO (NARRADOR): Houve, em meu cérebro problemático, a infeliz ideia de ligar o computador para acompanhar as notícias. E uma de nós escreveu no grupo a seguinte pergunta:
MARIA: Gente, há boatos de que a nossa querida 6M abriu falência, procede?
(fundo musical: “Iniciação”)
BENEDETTO (NARRADOR): A quem interessar possa: 6M era a agência responsável pela formatura da turma. E foi para fazer fotos na sua sede que espremi uma espinha que estava em minha testa há dois anos. Como havia detalhes pendentes referentes ao aluguel e as bebidas, todos entraram em desespero. Algumas pessoas, inclusive, souberam da notícia quando estavam no salão de beleza, em produção para a aula da saudade. Foi o fim. Mas é inegável que a comissão procurou soluções viáveis, e uma delas foi uma vaquinha virtual para angariar fundos. Isso sem mencionar alternativas como vender doces, pedir dinheiro nos semáforos e criar um evento alcoólico chamado “Festa do calote”, já que a vaca foi para o brejo! Eu, que já estava beirando à febre emocional e a uma rouquidão surpreendente, decidi fazer um vídeo divulgando a vaca utilizando a camisa das fotos oficiais.
(fundo musical: “La maison”)
BENEDETTO: Ajude a nossa turma a se formar através da vaca que eu disponibilizei na descrição do vídeo. E utilize as hashtags #VaiTerFormaturaSim e #ESeReclamarVãoTerDuas.
BENEDETTO (NARRADOR): A formatura aconteceu e tudo deu certo por inúmeros fatores, sendo que nenhum deles era eu. Explico: além de ter divulgado a vaca errada... Quero dizer, o link da vaca errado, gravei o vídeo no térreo do prédio mais alto da universidade. Só que fui acusado de fazer política por conta de uma parede pichada.
(fundo musical: “Última inspiração”)
Um zoom mostra que, ao lado de Benedetto, havia o desenho de uma foice e de um martelo, símbolos do comunismo.

09/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 5: A PROFECIA DO CALENDÁRIO MAIA


BENEDETTO (NARRADOR): Eu estava no Facebook quando recebi uma mensagem de uma ex-colega de curso. Era a mesma Adriana, com a qual a professora Lúcia iniciava a “chamada inteligente”.
ADRIANA: Tudo bem, Benedetto?
BENEDETTO: Tudo. Aconteceu alguma coisa?
ADRIANA: Não, é que eu pensei em reunir o pessoal pra confraternizar na próxima sexta, que vai ser o último dia de aula do ano.
BENEDETTO: Eu tenho que levar alguma coisa?
ADRIANA: Acho que só uma garrafa de refrigerante. Vai ser no lago, às dez da manhã, logo depois da aula.
BENEDETTO (NARRADOR): Seria um dia normal se a população maia não tivesse previsto que o mundo acabaria no dia da festa: sexta, 21 de dezembro de 2012.
(fundo musical: “Vlad”)
BENEDETTO (NARRADOR): Mas é melhor o mundo acabando do que eu reprovando por falta, não é mesmo? Fui primeiro ao prédio no qual Adriana e os outros alunos estudavam. Esperei pacientemente até as dez horas e quando os alunos saíram, Júlio- aquele da pergunta sobre “La belle de jour”- me questionou.
JÚLIO: Benedetto? O que tá fazendo aqui?
BENEDETTO: Ora, Júlio, eu vim para a confraternização. Esperei a aula terminar para que todos nós fôssemos ao lago.
EUGÊNIO: Adriana nos mandou uma mensagem também, contando que seria hoje. Mas...
BENEDETTO: Mas o quê, Eugênio? Por favor, não me esconda nada.
PAULA: Na verdade, a única coisa escondida mesmo é o paradeiro de Adriana, que marcou a festa e não apareceu.
(fundo musical: “Asa (DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e DJ Cadico remix)”)
BENEDETTO: Gente do céu... Mas nós ainda vamos para o lago?
PATRÍCIA: Hoje é o último dia de aula, largamos cedo... A gente vai é pra casa!
BENEDETTO (NARRADOR): Acabei por ir ao lago por conta própria, onde fiquei meia hora fazendo autorretratos num píer que havia lá e comendo biscoito wafer enquanto a aula de Metodologia não começava. E ela teve início exatamente às treze horas. Pois bem... Não ficarei divagando para que você, meu querido diário, saiba que aquele dia foi algo completamente absurdo. Meia hora depois, um rapaz da minha sala decide ir ao banheiro e, ao fechar a porta, passa despercebido por um vigilante. Como numa tarde atípica, conseguimos discutir o tema da aula num volume tão baixo que o vigilante acreditou que não havia ninguém lá dentro e teve a brilhante ideia de trancar todos os alunos e a professora. Estevam, coitado, passou uns dois minutos forçando a maçaneta e não conseguia entrar de forma alguma. Eu o vi pelo vidro que ficava ao lado da porta e resolvi abrir pelo lado de dentro. Vilma, a docente escalada para aquela insanidade vespertina que era a aula do dia mencionado, já começava a ficar preocupada com as constantes tentativas de Estevam em voltar ao recinto. Pois bem: girei a mal-assombrada maçaneta pouquíssimas vezes, umas cinquenta e sete... Coisa pouca... Suei frio... E quente também, pois se tem uma coisa que eu faço com propriedade na vida é ficar lavado de suor! Todos os colegas perceberam o meu desespero quando liguei o fato de estarmos trancados ao sumiço de Adriana, à confraternização que jamais foi realizada e, obviamente, à profecia que prometia um desespero maior do que o meu quando espero o lançamento de notas.
BENEDETTO: A porta não quer abrir! Meu Deus! É a profecia maia se cumprindo! O fim chegou!
(fundo musical: “Iniciação”)
BENEDETTO (NARRADOR): Tudo se normalizou quando Vilma tentou abrir a porta por conta própria e, de longe, avistou o vigilante e perguntou se ele tinha a chave que destrancar-nos-ia. Isso o obrigou a explicar o equívoco que havia cometido e, desta forma, Estevam finalmente pôde continuar estudando. Fui imaturo demais... Como poderia achar que a profecia maia era mais destrutiva do que aquela greve de quatro meses que eu havia vivido no meio do ano? Greve essa que coincidiu com a paralisação do transporte metroviário, um horror! O sindicato, inclusive, disponibilizou linhas de ônibus especiais para que os passageiros pudessem desembarcar nos terminais de integração. E eu tinha que utilizar esses novos meios para poder entregar os trabalhos em plenas férias forçadas. Obviamente, o grande número de veículos impedia que eu chegasse no horário certo se eu saísse de casa no meu tempo habitual. Isso fez com que o trânsito ficasse engarrafado todos os dias. O pior de tudo é que, naquela época, eu estava fazendo um relatório sobre alunos do ensino médio e sempre tomava o ônibus perto da escola, justamente no trecho em que o tráfego de veículos era intenso. Graças a este fato, fui acusado de ser um ímã de azar dentro do coletivo pelos estudantes.
RODOLFO: (apontando o dedo para Benedito) Eu tô dizendo e ninguém acredita: todas as vezes que Benedetto entra nesse ônibus, o trânsito para. Acho que nós temos que fazê-lo descer para o tráfego fluir.
BENEDETTO: Antes disso, pergunte ao motorista se esse ônibus vai até a praia. Aí você aproveita e toma um bronze antes de apontar esse dedo branco na minha cara! Palmito!
BENEDETTO (NARRADOR): A universidade, entretanto, me calejou. E passei a ver os ônibus lotados como mais um elemento de distração do cotidiano do que meramente um atraso de vida. Certa vez, estava voltando para casa num início de noite de sexta-feira quando o motorista parou para duas pessoas que o esperavam em frente a um restaurante chamado “Abbassare La Cavalla”.
LOCUTOR: “Arriégua”.
BENEDETTO (NARRADOR): Elas subiam vagarosamente, perto das dezenove horas, e logo fui ficando vermelho de ódio. A lentidão era tanta que o motorista aproveitou a chance para colocar um CD de músicas paraenses cantadas ao vivo. Mas não se contentou unicamente com a voz da intérprete e soltou um lamento que, para mim, soou ameaçador.
(fundo musical: “Betina”)
MOTORISTA: “Chalalala thururu, chalalala hu, chalalala hu”...
BENEDETTO (NARRADOR): Meu medo foi dissipado quando entendi que a interpretação da plateia do show usado para gravar o tal CD era mais rápida e calorosa, o que me fez prosseguir viagem em segurança.
(fundo musical: “Solidão”)
PLATEIA: “Chalalala thururu, chalalala hu, chalalala hu”...
BENEDETTO (NARRADOR): E passei a acreditar em dias melhores. Se até o cavalo manco era otimista, por que não eu?

08/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 4: A GUERRA PARANORMAL


BENEDETTO (NARRADOR): Havia reprovado uma disciplina e estava pronto para cursar novamente a matéria. Por uma questão de choque de horários, eu tive que estudá-la no período matinal com uma turma de outros idiomas. Só que, graças ao período de modificação de matrículas, fiquei um mês frequentando as aulas sem ter meu nome na lista de chamada. Foi então que eu passei a prestar atenção na professora.
LÚCIA: São oito horas da manhã. Então, vamos começar a nossa chamada inteligente. Vamos ver... Adriana?
TURMA: Ainda não chegou.
BENEDETTO (NARRADOR): Eram duas horas de chamada inteligente e, para cada nome mencionado, uma pergunta. Mas o que me chamava a atenção realmente era o curioso uso frequente de uma determinada palavra, que me fez ver que a graduação era algo realmente de outro mundo.
LÚCIA: No final de semana eu recebi a notícia de que um amigo meu havia falecido, e ele morreu de uma maneira completamente paranormal... Há uma história rondando os corredores da faculdade, dizendo que eu faço um círculo e jogo as provas dos meus alunos para o alto, e que as provas que caem no círculo serão as quais eu darei uma nota alta. Mas isso é algo completamente paranormal... O pastoril é algo próprio da nossa cultura. Ou vocês já imaginaram Lady Gaga cantando no pastoril? Seria uma coisa paranormal!
BENEDETTO (NARRADOR): Certa vez, eu cheguei à universidade com bastante sono. Mas a aplicação da palavra era tão frequente que eu fui obrigado a despertar em aula, quando alguém, às oito da manhã, perguntou:
JÚLIO: Professora, “La belle de jour” é um filme bom, não é?
LÚCIA: Meu filho, “La belle de jour” é um filme ótimo: é a história de uma mulher que, de manhã, cuida da casa e do marido; e à tarde sai para fazer atividades paranormalmente sexuais!
BENEDETTO (NARRADOR): E, de fato, os acontecimentos incomuns daquela disciplina me atingiram até mesmo quando eu tive um “piriri” violento.
BENEDETTO: (digita em frente ao computador) Avisa pra professora que eu não vou poder ir à aula amanhã. Até pro hospital tomar soro eu fui.
BENEDETTO (NARRADOR): Por causa disso, perdi um dos conteúdos que seria cobrado na primeira prova. E a questão que abria o exame era justamente sobre isto. Não respondi, lógico. Isso porque não mencionei o fato de que uma unha encravada incomodava o único aluno ouvinte da turma durante a aplicação da prova. Três dias depois, eu enfrentei um engarrafamento terrível e cheguei depois que a “chamada inteligente” tinha começado. Pensei que levaria uma advertência. E assim que abri a porta, me deparei com dois alunos sentados ao lado da professora, ambos com cara de susto, ouvindo quando ela perguntou pra mim:
LÚCIA: Você é o Benedetto?
BENEDETTO: Sou eu.
LÚCIA: Ah, que bom. Pegue uma cadeira e coloque aqui na frente, junto do meu bureau.
BENEDETTO: Mas eu não li o poema que a senhora pediu que eu lesse...
LÚCIA: Não, é outra coisa. Pegue uma cadeira e coloque aqui.
BENEDETTO (NARRADOR): Não tive o que fazer senão obedecer.
LÚCIA: Olhem, esses três que estão aqui na frente são os que tiveram nota dez na prova.
BENEDETTO (NARRADOR): Foi como se eu tivesse sido substituído e não soubesse. Mas eu não deveria ficar surpreso com coisas estranhas acontecendo durante a disciplina. Afinal de contas, no dia 23 de março de 2012, eu tinha ido à faculdade pela manhã e encontrei uma turma de alunos seminus protestando em frente a um dos prédios por conta do calor provocado pela falta de ar-condicionado. Ao sair, dei de cara com eles tentando tomar banho numa piscina de bebês, e fiquei aguardando até começarem as aulas da tarde. Entrei, acompanhei uma das disciplinas e, depois de alguns minutos, inventei de ir ao banheiro. O sanitário do segundo andar estava interditado, e então desci ao térreo. Foi quando avistei o batalhão do corpo de bombeiros correndo de um lado para o outro. Voltei para a sala sem dizer o que estava acontecendo, coisa que nem mesmo eu sabia. O representante da turma interrompeu a aula de Norma e avisou:
JONAS: Desculpe, professora, mas é que eu fiquei sabendo que há uma ameaça de bomba no prédio. Os bombeiros já estão lá embaixo procurando, e desconfiam de que exista uma bomba na biblioteca. Acho melhor cancelarmos a aula de hoje.
NORMA: Meninos, por favor, acho que não é para tanto. Se fosse algo realmente grave Angélica, que é a coordenadora do curso, já teria chegado até aqui para pedir que nós evacuássemos o prédio. Vamos voltar ao assunto aqui. O discurso do presidente da república denota que o país...
(fundo musical: “Na captura”)
BENEDETTO (NARRADOR): Norma foi interrompida pelo seu celular, que registrou uma ligação de Angélica.
NORMA: Alô? Oi, querida, tudo bem? (afasta-se do aparelho momentaneamente e fala com os alunos) É Angélica (volta ao telefone). Sim, sei... Está bem. Eu vou avisar aos meninos. Obrigada (desliga o celular). Então, pessoal... Angélica me ligou para avisar que realmente existe a suspeita de um material explosivo aqui e, por causa disso, as aulas foram canceladas e vocês serão dispensados. O que ela me pediu foi que vocês deixassem o prédio, sem pânico...
(fundo musical: “Eterna magia”)
BENEDETTO (NARRADOR): Ao contrário do que Angélica recomendou, todos abandonaram a sala apressadamente. Mas eu encontrei Janaína, uma amiga que estudava em outro turno.
BENEDETTO: O que é que você está fazendo aqui, mulher? Não sabe que existe uma ameaça de bomba aqui?
JANAÍNA: Eu sei. Estava aqui estudando pra fazer um trabalho, mas quando vi aquele corpo...
BENEDETTO: Corpo?
JANAÍNA: O de bombeiros... Não consegui sair.
BENEDETTO: Vamos embora daqui, Janaína. Até a Folha chegou pra saber se tem bomba mesmo.
JANAÍNA: Vai lá, Benedetto, pode ir... Acho que vou acompanhar o trabalho do pessoal.
BENEDETTO (NARRADOR): No fim, eles não encontraram nada. Mas eu tenho para mim que eles não procuraram direito. Talvez se tivessem entrado na biblioteca e vasculhado um livro temido pelos alunos do segundo período...
(fundo musical: “Morte Vilar”)
O longa-metragem mostra a “Grammatica Portoghese Moderna”, obra trabalhada no referido período por Angélica.
LOCUTOR: “Moderna Gramática Portuguesa”.
BENEDETTO (NARRADOR): O dia estava longe de acabar. Assim que se confirmou a inexistência de explosivos, a última aula permaneceu inalterada, para o desespero de quem iria para casa mais cedo. Mas bastou que eu abrisse a porta e desse de cara com os alunos do prédio assistindo à apresentação dos outros estudantes cantando a música do protesto.
MANIFESTANTES: (em tom de pagode) “Sauna, sauna de aula... Sauna, sauna de aula... Ai, que calor do”...
(fundo musical: “Iniciação”)
A cena termina com Benedetto percebendo que o verso terminaria na pronúncia de uma palavra depreciativa.