BENEDETTO
(NARRADOR): Eu estava no Facebook quando recebi uma mensagem de uma ex-colega
de curso. Era a mesma Adriana, com a qual a professora Lúcia iniciava a
“chamada inteligente”.
ADRIANA:
Tudo bem, Benedetto?
BENEDETTO:
Tudo. Aconteceu alguma coisa?
ADRIANA:
Não, é que eu pensei em reunir o pessoal pra confraternizar na próxima sexta,
que vai ser o último dia de aula do ano.
BENEDETTO:
Eu tenho que levar alguma coisa?
ADRIANA:
Acho que só uma garrafa de refrigerante. Vai ser no lago, às dez da manhã, logo
depois da aula.
BENEDETTO
(NARRADOR): Seria um dia normal se a população maia não tivesse previsto que o
mundo acabaria no dia da festa: sexta, 21 de dezembro de 2012.
(fundo
musical: “Vlad”)
BENEDETTO
(NARRADOR): Mas é melhor o mundo acabando do que eu reprovando por falta, não é
mesmo? Fui primeiro ao prédio no qual Adriana e os outros alunos estudavam.
Esperei pacientemente até as dez horas e quando os alunos saíram, Júlio- aquele
da pergunta sobre “La belle de jour”- me questionou.
JÚLIO:
Benedetto? O que tá fazendo aqui?
BENEDETTO:
Ora, Júlio, eu vim para a confraternização. Esperei a aula terminar para que
todos nós fôssemos ao lago.
EUGÊNIO:
Adriana nos mandou uma mensagem também, contando que seria hoje. Mas...
BENEDETTO:
Mas o quê, Eugênio? Por favor, não me esconda nada.
PAULA: Na
verdade, a única coisa escondida mesmo é o paradeiro de Adriana, que marcou a
festa e não apareceu.
(fundo
musical: “Asa (DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e DJ Cadico remix)”)
BENEDETTO:
Gente do céu... Mas nós ainda vamos para o lago?
PATRÍCIA:
Hoje é o último dia de aula, largamos cedo... A gente vai é pra casa!
BENEDETTO
(NARRADOR): Acabei por ir ao lago por conta própria, onde fiquei meia hora
fazendo autorretratos num píer que havia lá e comendo biscoito wafer enquanto a aula de Metodologia não
começava. E ela teve início exatamente às treze horas. Pois bem... Não ficarei
divagando para que você, meu querido diário, saiba que aquele dia foi algo
completamente absurdo. Meia hora depois, um rapaz da minha sala decide ir ao
banheiro e, ao fechar a porta, passa despercebido por um vigilante. Como numa
tarde atípica, conseguimos discutir o tema da aula num volume tão baixo que o
vigilante acreditou que não havia ninguém lá dentro e teve a brilhante ideia de
trancar todos os alunos e a professora. Estevam, coitado, passou uns dois
minutos forçando a maçaneta e não conseguia entrar de forma alguma. Eu o vi
pelo vidro que ficava ao lado da porta e resolvi abrir pelo lado de dentro.
Vilma, a docente escalada para aquela insanidade vespertina que era a aula do
dia mencionado, já começava a ficar preocupada com as constantes tentativas de
Estevam em voltar ao recinto. Pois bem: girei a mal-assombrada maçaneta
pouquíssimas vezes, umas cinquenta e sete... Coisa pouca... Suei frio... E
quente também, pois se tem uma coisa que eu faço com propriedade na vida é
ficar lavado de suor! Todos os colegas perceberam o meu desespero quando liguei
o fato de estarmos trancados ao sumiço de Adriana, à confraternização que
jamais foi realizada e, obviamente, à profecia que prometia um desespero maior
do que o meu quando espero o lançamento de notas.
BENEDETTO:
A porta não quer abrir! Meu Deus! É a profecia maia se cumprindo! O fim chegou!
(fundo
musical: “Iniciação”)
BENEDETTO
(NARRADOR): Tudo se normalizou quando Vilma tentou abrir a porta por conta
própria e, de longe, avistou o vigilante e perguntou se ele tinha a chave que
destrancar-nos-ia. Isso o obrigou a explicar o equívoco que havia cometido e,
desta forma, Estevam finalmente pôde continuar estudando. Fui imaturo demais...
Como poderia achar que a profecia maia era mais destrutiva do que aquela greve
de quatro meses que eu havia vivido no meio do ano? Greve essa que coincidiu
com a paralisação do transporte metroviário, um horror! O sindicato, inclusive,
disponibilizou linhas de ônibus especiais para que os passageiros pudessem
desembarcar nos terminais de integração. E eu tinha que utilizar esses novos
meios para poder entregar os trabalhos em plenas férias forçadas. Obviamente, o
grande número de veículos impedia que eu chegasse no horário certo se eu saísse
de casa no meu tempo habitual. Isso fez com que o trânsito ficasse engarrafado
todos os dias. O pior de tudo é que, naquela época, eu estava fazendo um
relatório sobre alunos do ensino médio e sempre tomava o ônibus perto da
escola, justamente no trecho em que o tráfego de veículos era intenso. Graças a
este fato, fui acusado de ser um ímã de azar dentro do coletivo pelos
estudantes.
RODOLFO:
(apontando o dedo para Benedito) Eu tô dizendo e ninguém acredita: todas as
vezes que Benedetto entra nesse ônibus, o trânsito para. Acho que nós temos que
fazê-lo descer para o tráfego fluir.
BENEDETTO:
Antes disso, pergunte ao motorista se esse ônibus vai até a praia. Aí você
aproveita e toma um bronze antes de apontar esse dedo branco na minha cara!
Palmito!
BENEDETTO
(NARRADOR): A universidade, entretanto, me calejou. E passei a ver os ônibus
lotados como mais um elemento de distração do cotidiano do que meramente um
atraso de vida. Certa vez, estava voltando para casa num início de noite de
sexta-feira quando o motorista parou para duas pessoas que o esperavam em
frente a um restaurante chamado “Abbassare La Cavalla”.
LOCUTOR:
“Arriégua”.
BENEDETTO
(NARRADOR): Elas subiam vagarosamente, perto das dezenove horas, e logo fui
ficando vermelho de ódio. A lentidão era tanta que o motorista aproveitou a
chance para colocar um CD de músicas paraenses cantadas ao vivo. Mas não se
contentou unicamente com a voz da intérprete e soltou um lamento que, para mim,
soou ameaçador.
(fundo
musical: “Betina”)
MOTORISTA:
“Chalalala thururu, chalalala hu, chalalala hu”...
BENEDETTO
(NARRADOR): Meu medo foi dissipado quando entendi que a interpretação da
plateia do show usado para gravar o
tal CD era mais rápida e calorosa, o que me fez prosseguir viagem em segurança.
(fundo
musical: “Solidão”)
PLATEIA:
“Chalalala thururu, chalalala hu, chalalala hu”...
BENEDETTO
(NARRADOR): E passei a acreditar em dias melhores. Se até o cavalo manco era
otimista, por que não eu?
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