08/05/2019

SETE LENDAS UNIVERSITÁRIAS/ CENA 4: A GUERRA PARANORMAL


BENEDETTO (NARRADOR): Havia reprovado uma disciplina e estava pronto para cursar novamente a matéria. Por uma questão de choque de horários, eu tive que estudá-la no período matinal com uma turma de outros idiomas. Só que, graças ao período de modificação de matrículas, fiquei um mês frequentando as aulas sem ter meu nome na lista de chamada. Foi então que eu passei a prestar atenção na professora.
LÚCIA: São oito horas da manhã. Então, vamos começar a nossa chamada inteligente. Vamos ver... Adriana?
TURMA: Ainda não chegou.
BENEDETTO (NARRADOR): Eram duas horas de chamada inteligente e, para cada nome mencionado, uma pergunta. Mas o que me chamava a atenção realmente era o curioso uso frequente de uma determinada palavra, que me fez ver que a graduação era algo realmente de outro mundo.
LÚCIA: No final de semana eu recebi a notícia de que um amigo meu havia falecido, e ele morreu de uma maneira completamente paranormal... Há uma história rondando os corredores da faculdade, dizendo que eu faço um círculo e jogo as provas dos meus alunos para o alto, e que as provas que caem no círculo serão as quais eu darei uma nota alta. Mas isso é algo completamente paranormal... O pastoril é algo próprio da nossa cultura. Ou vocês já imaginaram Lady Gaga cantando no pastoril? Seria uma coisa paranormal!
BENEDETTO (NARRADOR): Certa vez, eu cheguei à universidade com bastante sono. Mas a aplicação da palavra era tão frequente que eu fui obrigado a despertar em aula, quando alguém, às oito da manhã, perguntou:
JÚLIO: Professora, “La belle de jour” é um filme bom, não é?
LÚCIA: Meu filho, “La belle de jour” é um filme ótimo: é a história de uma mulher que, de manhã, cuida da casa e do marido; e à tarde sai para fazer atividades paranormalmente sexuais!
BENEDETTO (NARRADOR): E, de fato, os acontecimentos incomuns daquela disciplina me atingiram até mesmo quando eu tive um “piriri” violento.
BENEDETTO: (digita em frente ao computador) Avisa pra professora que eu não vou poder ir à aula amanhã. Até pro hospital tomar soro eu fui.
BENEDETTO (NARRADOR): Por causa disso, perdi um dos conteúdos que seria cobrado na primeira prova. E a questão que abria o exame era justamente sobre isto. Não respondi, lógico. Isso porque não mencionei o fato de que uma unha encravada incomodava o único aluno ouvinte da turma durante a aplicação da prova. Três dias depois, eu enfrentei um engarrafamento terrível e cheguei depois que a “chamada inteligente” tinha começado. Pensei que levaria uma advertência. E assim que abri a porta, me deparei com dois alunos sentados ao lado da professora, ambos com cara de susto, ouvindo quando ela perguntou pra mim:
LÚCIA: Você é o Benedetto?
BENEDETTO: Sou eu.
LÚCIA: Ah, que bom. Pegue uma cadeira e coloque aqui na frente, junto do meu bureau.
BENEDETTO: Mas eu não li o poema que a senhora pediu que eu lesse...
LÚCIA: Não, é outra coisa. Pegue uma cadeira e coloque aqui.
BENEDETTO (NARRADOR): Não tive o que fazer senão obedecer.
LÚCIA: Olhem, esses três que estão aqui na frente são os que tiveram nota dez na prova.
BENEDETTO (NARRADOR): Foi como se eu tivesse sido substituído e não soubesse. Mas eu não deveria ficar surpreso com coisas estranhas acontecendo durante a disciplina. Afinal de contas, no dia 23 de março de 2012, eu tinha ido à faculdade pela manhã e encontrei uma turma de alunos seminus protestando em frente a um dos prédios por conta do calor provocado pela falta de ar-condicionado. Ao sair, dei de cara com eles tentando tomar banho numa piscina de bebês, e fiquei aguardando até começarem as aulas da tarde. Entrei, acompanhei uma das disciplinas e, depois de alguns minutos, inventei de ir ao banheiro. O sanitário do segundo andar estava interditado, e então desci ao térreo. Foi quando avistei o batalhão do corpo de bombeiros correndo de um lado para o outro. Voltei para a sala sem dizer o que estava acontecendo, coisa que nem mesmo eu sabia. O representante da turma interrompeu a aula de Norma e avisou:
JONAS: Desculpe, professora, mas é que eu fiquei sabendo que há uma ameaça de bomba no prédio. Os bombeiros já estão lá embaixo procurando, e desconfiam de que exista uma bomba na biblioteca. Acho melhor cancelarmos a aula de hoje.
NORMA: Meninos, por favor, acho que não é para tanto. Se fosse algo realmente grave Angélica, que é a coordenadora do curso, já teria chegado até aqui para pedir que nós evacuássemos o prédio. Vamos voltar ao assunto aqui. O discurso do presidente da república denota que o país...
(fundo musical: “Na captura”)
BENEDETTO (NARRADOR): Norma foi interrompida pelo seu celular, que registrou uma ligação de Angélica.
NORMA: Alô? Oi, querida, tudo bem? (afasta-se do aparelho momentaneamente e fala com os alunos) É Angélica (volta ao telefone). Sim, sei... Está bem. Eu vou avisar aos meninos. Obrigada (desliga o celular). Então, pessoal... Angélica me ligou para avisar que realmente existe a suspeita de um material explosivo aqui e, por causa disso, as aulas foram canceladas e vocês serão dispensados. O que ela me pediu foi que vocês deixassem o prédio, sem pânico...
(fundo musical: “Eterna magia”)
BENEDETTO (NARRADOR): Ao contrário do que Angélica recomendou, todos abandonaram a sala apressadamente. Mas eu encontrei Janaína, uma amiga que estudava em outro turno.
BENEDETTO: O que é que você está fazendo aqui, mulher? Não sabe que existe uma ameaça de bomba aqui?
JANAÍNA: Eu sei. Estava aqui estudando pra fazer um trabalho, mas quando vi aquele corpo...
BENEDETTO: Corpo?
JANAÍNA: O de bombeiros... Não consegui sair.
BENEDETTO: Vamos embora daqui, Janaína. Até a Folha chegou pra saber se tem bomba mesmo.
JANAÍNA: Vai lá, Benedetto, pode ir... Acho que vou acompanhar o trabalho do pessoal.
BENEDETTO (NARRADOR): No fim, eles não encontraram nada. Mas eu tenho para mim que eles não procuraram direito. Talvez se tivessem entrado na biblioteca e vasculhado um livro temido pelos alunos do segundo período...
(fundo musical: “Morte Vilar”)
O longa-metragem mostra a “Grammatica Portoghese Moderna”, obra trabalhada no referido período por Angélica.
LOCUTOR: “Moderna Gramática Portuguesa”.
BENEDETTO (NARRADOR): O dia estava longe de acabar. Assim que se confirmou a inexistência de explosivos, a última aula permaneceu inalterada, para o desespero de quem iria para casa mais cedo. Mas bastou que eu abrisse a porta e desse de cara com os alunos do prédio assistindo à apresentação dos outros estudantes cantando a música do protesto.
MANIFESTANTES: (em tom de pagode) “Sauna, sauna de aula... Sauna, sauna de aula... Ai, que calor do”...
(fundo musical: “Iniciação”)
A cena termina com Benedetto percebendo que o verso terminaria na pronúncia de uma palavra depreciativa.

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