BENEDETTO
(NARRADOR): Estava pronto para encerrar as minhas atividades universitárias.
Ela é que não se sentia preparada para livrar-se de minha pessoa. Entre
terminar o curso com a mais absoluta tranquilidade e seguir como graduando
dispondo de profunda calma, eu preferia ter de entregar o campus aos calouros e
pedir desculpas por não ter mais a mesma animação que eles. Pudera. O semestre
de aulas final veio para matar-me com cruel intensidade. A começar porque uma
determinada disciplina não tinha lançado as minhas notas no sistema, o que
inviabilizava que eu me matriculasse em outra obrigatória. Se bem que eu devo
admitir não ter sido de meu agrado aquela matéria... Mas o que dominava as
conversas era o trabalho de conclusão de curso. A professora que coordenava a
disciplina foi questionada sobre a confecção daquela desgraça.
MARISA:
Professora, eu confesso que só de falar no TCC já fico nervosa.
SUSANA:
Marisa, não é tão difícil de fazer um TCC assim como dizem. É só escrever de
maneira brilhante sobre um tema que você domina.
BENEDETTO
(NARRADOR): Não domino nem minha vida, quanto mais isso! Mas o mesmo mês de
início das aulas do último semestre serviu para que procurássemos pessoas que
aceitassem nos orientar e até mesmo duplas para redigirem o trabalho, uma vez
que, quanto menos textos, maior era a possibilidade de descobrirmos professores
orientadores. Achamos uma pessoa, e esperamos que ela analisasse meu projeto
para sabermos se seríamos conduzidos por ela ou jogados às traças da academia.
Enquanto isso, coisas completamente fora da ordem aconteciam nos corredores do
prédio em que estudávamos. Certa vez, eu estava perto da varanda quando um
jovem poeta, que era meu colega de turma, aproximou-se de mim para saber
informações a respeito de uma determinada ementa. Sabia de todas as informações
daquele curso, apenas desconhecia o método que me faria passar nas provas. Eis
que eu possuía a mania de alertar meus colegas de turma com e-mails e
notificações de um grupo intitulado “Detenção”, porque era impossível não se
sentir preso. Só que houve uma ocasião que eu me esqueci de avisar aquilo que
um dos professores cobraria, o que lhe fez ficar irritado comigo a ponto de me
rogar uma praga.
(fundo
musical: “Nightie night (Eletro Trio 2014)”)
JOFRE:
Cuidado, hein, Benedetto? Qualquer dia desses eu faço você sofrer um acidente e
você rola escada abaixo.
BENEDETTO:
Nada me atingirá, homem soturno. Meu medo era descobrir que no primeiro dia de
aula seria vítima de um trote. Uma amiga alertou-me anos depois: o curso era o
trote.
BENEDETTO
(NARRADOR): Entreguei o projeto à pessoa indicada pela coordenadora de TCC para
orientar o trabalho. Esperei mais de trinta dias. Não sabia responder em qual
estalagmite ela estava escondida porque o paradeiro da mulher era algo
completamente desconhecido. Eis que, numa terça-feira chuvosa, eu tinha uma
disciplina cuja aula duraria quatro horas. Apareci na faculdade com um
guarda-chuva que parecia uma Kombi quando armado e uma espada quando
desativado. Procurei a orientadora e ela não estava em sala. Depois, encontrei
uma amiga e fiquei por alguns minutos no laboratório de informática utilizando
o Orkut sem a necessidade de pagar lan
house. Inventei, por um desses mistérios que me cercam, de usar uma escada
que ficava próxima a um dos banheiros. Sabe o que me aconteceu, diário querido?
(fundo
musical: “Tema de Diná em Nosso Lar”)
Benedetto
relembra o dia em que cai da escada, mas a cena o exibe precisamente no alto
desta.
BENEDETTO
(NARRADOR): OK, admitirei que foram dois degraus somente, mas foram bastantes
para torcer meu pé direito. E a dor era intensa. Tanto que entrei no banheiro,
massageei na esperança de que ela cessaria e saí mancando de lá, deixando
aquela Kombi/guarda-chuva/espada que me acompanhava. Pensei seriamente em
procurar uma unidade de pronto-atendimento. Mas, como torcer o pé não é uma
doença infectocontagiosa e não justifica falta, eu fiquei lá com a expressão de
dor como quem estava preocupado com o futuro da pedagogia nacional. O médico
recomendou uma radiografia e, comprovada a torção, fez com que eu ficasse uma
semana em repouso, sendo que eu deveria reservar os três primeiros dias para
não colocar o pé no chão. Tudo de acordo com a cabeça de quem tem compromissos
acadêmicos, não é? Voltei ao campus mancando, debaixo de chuva, tudo para ver
se obtinha uma resposta da orientadora. Ela aceitou ajudar-nos, desde que não
fizéssemos um trabalho baseado naquele projeto, e sim acatássemos alguma das
propostas que ela nos fez. Discuti sobre o assunto com minha dupla, mas quem
falou que conseguíamos dar uma resposta? A mulher sumiu antes da Copa do Mundo
e durante a transmissão da mesma!
BENEDETTO:
(conversando na faculdade) Vamos esperar até meio-dia, que é a hora em que
termina a aula dela. Depois, vamos falar com ela. A mulher terá que retornar para
a própria sala em algum momento (um barulho de moto é escutado). Você ouviu
isso, bambina?
(fundo
musical: “Saga”)
Uma
motocicleta, conduzida pela orientadora, passa sobre as folhas secas que estão
jogadas no estacionamento do prédio.
BENEDETTO
(NARRADOR): Depois de ser supostamente repreendida pela coordenadora da
matéria, a mulher fez-se presente como nunca. Mas nem ela, nem o arguidor e
muito menos minha dupla conseguiram impedir que eu falasse mais do que a boca,
excedendo meus quinze minutos de apresentação. A qualquer momento eu poderia
ter minha defesa interrompida com um diálogo perturbador, já que eu não parava
de justificar a importância do texto e a doçura do homem iria para as cucuias.
ARGUIDOR:
Vamos fazer o seguinte: vamos terminar com essa apresentação, sabe por quê?
Isso já tá virando palhaçada, vai ser a minha pressa de sair contra a sua
defesa a conta-gotas. Respeito ao tempo de quinze minutos é uma coisa muito
diferente de seu desespero, porque tem gente que não sabe o que é respeito. Só
pra você saber: não atrasarei as minhas considerações sobre o trabalho da dupla
porque, quando vocês chegaram, eu já estava no degrau pra subir à sala, e isso
tem os funcionários da coordenação pra provar. Eu só preciso da minha pressa
contra a sua lentidão. Não tomei tempo do TCC de ninguém porque cada um tem o
seu tempo de apresentação, o arguidor não precisa do tempo de ninguém além do
que ele tem. Também tenho que falar. Vamos fazer o seguinte: vamos acabar com
essa defesa porque eu não preciso estar me estressando nem perdendo o meu tempo
com essa análise de dados. Vamos fazer o seguinte...
(fundo
musical: “Comoção”)
ARGUIDOR:
Diploma? Tem diploma, querido? Então, eu não preciso estar discutindo. No dia
em que você puder conversar comigo sobre o que é cadeira obrigatória, cadeira
eletiva, cadeira quebrada, apresentar um trabalho em vários idiomas- incluindo
o português e o “enrolation”- aí você vem falar comigo. Mas por enquanto, que
não tem diploma, não precisa nem olhar para mim! Tá OK?
BENEDETTO:
Mas ainda falta eu explicar por que colocamos esse gráfico em formato de
pizza...
ARGUIDOR:
Não devo tempo a ninguém, o seu trabalho é você quem faz. Não importa se é
pizza, se é pastel... Não me interessa! Eu poderia ter paciência, mas como
professor é desprovido desse sentimento, eu não vou nutri-lo.
BENEDETTO:
É coisa rápida, só umas oito páginas...
ARGUIDOR:
Esse negócio de TCC acaba hoje, eu não quero ouvir mais um pio! É um pio que eu
não quero mais ouvir, e eu tô falando sério porque professor é aquilo que eu
falei: não tenho paciência! OK? Você pode ser o presidente da chapa, o rapaz
que apresenta lendo os slides, o aluno que almoça biscoito Treloso pra não
enfrentar a fila do Restaurante Universitário, o estudante que mora no Raio Que
O Parta! Aqui, hoje, acabou esse TCC! OK?
(fundo
musical: “Pare”)
BENEDETTO
(NARRADOR): Seria maravilhoso se isso acontecesse e nós não tivéssemos de viver
sob aquela tensão. Felizmente, tudo acabou bem; ou melhor, acabou! Era a hora
de ocupar a cabeça com outra preocupação: os trâmites que envolviam a
formatura. Depois de dois anos depositando religiosamente o dinheiro, era o
tempo de usufruir um pouco de luxo durante quatro noites. Apesar de toda a
pompa que os eventos pediam, estava mesmo ansioso para o primeiro evento, a
aula da saudade, porque meses antes fomos envolvidos numa eleição para o aluno
da turma que seria homenageado. Presidência da república no segundo semestre de
2014? Que nada! Este era o resultado ao qual me propunha a descobrir. Acontece
que, no dia programado, eu acordei tranquilamente e abri uma rede social para
saber se havia novidades relacionadas à primeira confraternização. Estava
pronto pra que chegasse o dia do baile, que me obrigava a usar um smoking que eu não havia alugado, e
passar pelo tapete vermelho como quem jamais utilizou o transporte público em
horário de pico.
(fundo
musical: “Querido profesor”- “tan guapo como Luis Miguel/ querido profesor”)
Benedetto
se imagina acenando para as pessoas enquanto passa sobre o tapete vermelho do
baile de formatura.
BENEDETTO
(NARRADOR): Houve, em meu cérebro problemático, a infeliz ideia de ligar o
computador para acompanhar as notícias. E uma de nós escreveu no grupo a
seguinte pergunta:
MARIA: Gente,
há boatos de que a nossa querida 6M abriu falência, procede?
(fundo
musical: “Iniciação”)
BENEDETTO
(NARRADOR): A quem interessar possa: 6M era a agência responsável pela
formatura da turma. E foi para fazer fotos na sua sede que espremi uma espinha
que estava em minha testa há dois anos. Como havia detalhes pendentes
referentes ao aluguel e as bebidas, todos entraram em desespero. Algumas
pessoas, inclusive, souberam da notícia quando estavam no salão de beleza, em
produção para a aula da saudade. Foi o fim. Mas é inegável que a comissão
procurou soluções viáveis, e uma delas foi uma vaquinha virtual para angariar
fundos. Isso sem mencionar alternativas como vender doces, pedir dinheiro nos
semáforos e criar um evento alcoólico chamado “Festa do calote”, já que a vaca
foi para o brejo! Eu, que já estava beirando à febre emocional e a uma
rouquidão surpreendente, decidi fazer um vídeo divulgando a vaca utilizando a
camisa das fotos oficiais.
(fundo
musical: “La maison”)
BENEDETTO:
Ajude a nossa turma a se formar através da vaca que eu disponibilizei na
descrição do vídeo. E utilize as hashtags #VaiTerFormaturaSim e
#ESeReclamarVãoTerDuas.
BENEDETTO
(NARRADOR): A formatura aconteceu e tudo deu certo por inúmeros fatores, sendo
que nenhum deles era eu. Explico: além de ter divulgado a vaca errada... Quero
dizer, o link da vaca errado, gravei o vídeo no térreo do prédio mais alto da
universidade. Só que fui acusado de fazer política por conta de uma parede
pichada.
(fundo
musical: “Última inspiração”)
Um zoom
mostra que, ao lado de Benedetto, havia o desenho de uma foice e de um martelo,
símbolos do comunismo.
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