16/11/2019

CONFISSÕES PROLIXAS DE UM EXÍGUO MESOCLÍTICO/ BLOCO DE CENAS 6


(fundo musical: “Could this be love”)
LETREIRO: Dias depois...
Milena, a esposa de Erasmo, vai visitar Igor na prisão. Sentado diante de uma mesa, o delinquente veste a farda laranja do presídio.
MILENA: Ô, meu irmão, o que é que você fez da sua vida?
IGOR: Não era pra você me ver aqui. Mas já que você veio, ótimo.
MILENA: Por que você tá falando assim?
IGOR: Porque chegou a hora de você saber de tudo.
MILENA: Você soube que o Flávio fugiu da cadeia?
IGOR: Soube. O desgraçado movimentou o dinheiro que ele roubou do Alan e fretou um jatinho.
MILENA: Acho que não existe nada que você possa me dizer e que vai me chocar mais do que tudo o que você fez.
IGOR: Eu não sou o único que esconde coisas de você.
MILENA: Quem mais, Igor?
IGOR: O seu marido.
MILENA: Erasmo? O que você sabe dele?
IGOR: Como você desconfia, ele tem um segredo. E eu sei o que é.
MILENA: O que é? Uma amante?
(fundo musical: “Marcado”)
IGOR: (entrega-lhe uma chave) Tem um lugar que você precisa conhecer. É lá aonde ele vai todas as noites, assim que sai da delegacia.
Na Concha Acústica, Leonardo Manjericão se une a Alan para fazer um show com as paródias do segundo. A canção escolhida para abrir a série de duetos é “Mal no simulado”.
ALAN: “Para faculdade garantir”...
MANJERICÃO: “Devo fazer Enem... Tô frito!”...
ALAN: “A minha formatura se aproximou”...
MANJERICÃO: “Vestibular também”...
ALAN: “Calouro já não pode entrar no Sig@”...
MANJERICÃO: “Pra mim fica difícil progredir”...
ALAN: “Com boletim”...
MANJERICÃO: “Não dá meu gabarito nota alta”...
ALAN: “Aula extra turma aguarda”...
MANJERICÃO: “Esperando pra passar”...
ALAN: “Mal no simulado”...
MANJERICÃO: “Eu sei que eu vou”...
ALAN: “Mal no simulado”...
MANJERICÃO: “É meu professor”...
ALAN E MANJERICÃO: “Que reprova/ Não aprova o gabarito/ Mas do curso eu não vou desistir”.
Erasmo volta pra casa, depois de mais um atribulado dia de trabalho. Sua esposa está na sala, escondida na penumbra.
ERASMO: Milena, cheguei. Amor, você tá em casa?
MILENA: (sentada próxima ao abajur) Como você não me contou?
ERASMO: Não contei o quê?
MILENA: Sobre o lugar aonde você vai todas as noites. Era lá onde você tava agora há pouco, não foi?
(fundo musical: “Triste piano decepção”)
ERASMO: (lacrimejando) Seja lá qual foi a mentira que o teu irmão te contou...
MILENA: Como você sabe que ele ia me contar alguma coisa? Hein? Você acha que eu já não sei da chantagem? Que você acobertou o primeiro crime do Igor pra que ele ficasse calado? Canalha!
ERASMO: Milena, por favor, me deixa falar...
MILENA: Engole o choro! Engole esse choro, miserável, que ele não me convence de nada! Você conseguiu me esconder que ligou várias vezes pro “Bom dia & cia.” e faturou nove Playstations na roleta do programa? Você escondeu que alugou um apartamento em Barra de Jangada só pra guardar os videogames e me impedir de jogar com você? E ainda quer que eu te deixe falar? Ah, vá à (CENSURADO!)! Vá à (CENSURADO!)!

(fundo musical: “Homem Q sabia demais”- “o homem que sabia demais/ não sabia, não sabia esquecer/ nem voltar atrás/ não sabia mais/ muito mais/ do que podia saber”)
Roteiro de GABRIEL ARENAS
Colaboração de ANTONIO NIPO, GUILHERME ALVES, POLLYANNA SANTA CRUZ E THAÍS CARNEIRO
Direção de FELIPE LIPSTEIN
Cenografia e figurino por PAINT
Edição por ANIMOTICA VIDEO EDITOR e WINDOWS STORY REMIX
Efeitos 3D por WINDOWS STORY REMIX
Edição de vozes e dublagem por AUDACITY

Músicas
“A idade do bobo”- THIAGO BARROS
“Aqueous”- RODOLPHO REBUZZI
“As quatro estações (Boss In Drama remix)”- SANDY & JUNIOR
“Como vês”- ALICE CAYMMI
“Could this be love”- JENNIFER LOPEZ
“Desça daí, seu corno”- NENHO
“É preciso dar um jeito, meu amigo”- ERASMO CARLOS
“Garçon”- FILIPE CATTO
“Hitman”- KEVIN MACLEOD
“Homem Q sabia demais”- SKANK
“Loiras geladas (DJ Julinho Mazzei, DJ Ippocratis (Grego) Bournellis e DJ Iraí Campos Remix)”- RPM
“Mal no simulado (Mal-acostumada)”- THIAGO BARROS
“Marcado”- ROGER HENRI

“Mulher (Sexo frágil)”- ERASMO CARLOS
“Na calada”- ROGER HENRI
“Pasión y poder”- GILBERTO NOVELO
“Purgação”- ALEXANDRE DE FARIA
“Renato Mendes”- SÉRGIO SARACENI
“Revelações”- MÚ CARVALHO
“São Paulo sempre alerta”- LUCAS MARCIER E FABIANO KRIEGER
“Suspense/ decepção”- ALEXANDRE GUERRA
“Tema de Débora (Maldades)”- MÚ CARVALHO
“Tenso gone #1”- IURI CUNHA
“The look of love”- DIANA KRALL
“Triste”- RENATO LADEIRA
“Triste piano decepção”- RODOLPHO REBUZZI
“Vai”- CALEMA

© 2019 – Joga Fora No Lixo Produções – todos os direitos reservados

ADENDO


Flávio está com os braços abertos na porta de um avião no ar, prestes a completar sua fuga, mencionada no mesmo bloco de cenas por Igor.
FLÁVIO: (pula da aeronave gritando) Jerônimo!
(fundo musical: “Desça daí, seu corno”- “desça daí, seu corno; desça daí/ desça daí, seu corno; desça daí/ desça daí, chifrudo; o que é que há?/ você ganhou foi gaia, não “foi” asas pra voar”)
Flávio desembarca numa ilha, perto de uma placa que diz: “Bem-vindo ao arquipélago de Fernando de Noronha”.

15/11/2019

CONFISSÕES PROLIXAS DE UM EXÍGUO MESOCLÍTICO/ BLOCO DE CENAS 5


LAÍS: O relatório da perícia constata que havia, sim, um líquido vermelho, em grande quantidade, e que o réu não conseguiu tirar todos os vestígios. Era sangue, senhores jurados. Sangue derramado do corpo de Igor e que, por isso, a vítima precisou desaparecer. E, de alguma forma, Alan Godoy conseguiu atraí-lo para a sua residência. Caso a senhora tenha dúvida, Meritíssima, aqui está o documento.
ROBERTA: “Concluímos que o réu, Alan Godoy, fez a assepsia do local analisado utilizando água e detergente Ypê sabor de limão”.
ALAN: (olha para a câmera) Repararam no merchandising (ouve-se uma caixa registradora)?
ROBERTA: “Ainda assim, foi perceptível que o vestígio encontrado pertencia a um... Suco de acerola”?
LAÍS: O quê?
ALAN: Tudo bem, eu confesso. Eu não sou a pessoa mais inteligente do planeta. Às vezes, eu até faço trabalhos com o Flávio por considerá-lo mais inteligente do que eu.
FLÁVIO: Obrigado.
ROBERTA: O que o senhor disse?
FLÁVIO: Nada, eu pensei alto.
ALAN: No dia da viagem, eu tinha feito um suco de acerola, mas me esqueci de colocar a tampa no liquidificador. Talvez por isso que eu abri a porta para o Flávio e ele pensou que era sangue no meu corpo.
ROBERTA: Que meleca...
LAÍS: Ainda assim, eu tomei a liberdade de investigar a fundo a sua vida antes da fama. E descobri que o senhor estudou num colégio cujos adolescentes, colegas que compartilhavam a mesma série, tinham codinomes suspeitos.
ALAN: Agora a senhorita interrogar-me-á sobre a vida alheia?
LAÍS: Claro. Porque talvez a personalidade perigosa administrada por eles tenha influenciado a sua mente a intimidar Igor Zimmermann.
FLÁVIO: Você é completamente perturbada!
LAÍS: Não mais do que você, Belchior de Vila Tamandaré! E então, Sr. Godoy? Poderia listar os codinomes dos seus colegas colegiais?
ALAN: Se isso puder me livrar da cadeia, então...
LAÍS: Mas fale devagar, para apreciarmos os elementos sob suspeita.
ALAN: Alemão, Anzol, Bagunça, Barney, Bodão, Calango, Chupeta...
IGOR: Você queria me matar?
ERASMO: Lamentavelmente, eu não posso. Mas eu desconfiei desde o princípio. Um traste feito você não ficaria muito tempo fora de combate.
IGOR: Mas eu fui afogado pelo Alan, eu estive à beira da morte mesmo; você precisa acreditar em...
ERASMO: Isso não importa mais, Igor. Acabei de voltar do julgamento. Godoy foi condenado pela sua tentativa de assassinato.
IGOR: Sério?
ERASMO: Você conseguiu. Tanto fez pra destruir o cara que conseguiu. Até mesmo em cima de uma cama.
IGOR: Agora aquele idiota teve o que mereceu, finalmente.
ERASMO: Quanto mais você fala, menos eu entendo.
IGOR: Talvez porque eu não tenha a obrigação de ser claro pra você.
ERASMO: Como também não tem a obrigação de ser evasivo. Você sabe do meu segredo, eu tô nas suas mãos, à condenação do Godoy não cabem mais recursos... Fala pra mim. Por que você fingiu ter se afogado depois de sumir?
ALAN: Eltinho do Carinho, Fariseu, Fumagalli, Galego, Jim, Johnson, Juninho Play, Manteiga...
IGOR: E quem disse que eu fingi? A única coisa que fugiu do meu controle foi a transferência pra esse novo hospital. Me doparam e, quando eu dei por mim, já tava aqui. Aliás, que lugar é esse?
ERASMO: Não interessa, patife. O que você pretendeu acusando o Godoy dos crimes cometidos contra você?
ALAN: Menos Um, Moisés, Muçulmano, Nômade, Saci, Topete, Vício Louco...
IGOR: Quer a verdade mesmo? Pois, então, eu vou te dar.
ERASMO: Você não vai me dar nada, só falar o que eu não sei ainda. Desembucha!
IGOR: Eu queria ferrar com a vida do Alan, sim. Metido à besta. Mas ele é tão idiota que não entendeu que, pior que ele, só o Flávio. O alvo era o empresário.
ERASMO: O Flávio? Por causa do quê?
IGOR: Ele vai fazer o TCC em dupla com Alan.
ERASMO: E daí? Você queria ser a dupla de um dos dois?
IGOR: A ideia do tema do trabalho dos dois foi minha.
(fundo musical: “Hitman”)
ERASMO: Que história é essa?
IGOR: O Alan pensa que foi o Flávio que deu a ideia do TCC, mas não foi. Eu quem tive e vendi pra ele.
ERASMO: Como assim “vendeu”?
IGOR: Alan não é nenhum Einstein; tá bem longe disso, inclusive. Por isso que ele sempre se junta a Flávio pra fazer os trabalhos da faculdade. Só que o imbecil não sacou que Flávio é outra toupeira acadêmica. E foi por isso que o Flávio me pagava pra ter ideias, principalmente a do TCC. Eu bolava os trabalhos, dava a bibliografia que eles tinham que ter pra redigir e ele me pagava por isso. Daí, ele aparecia em sala pra conversar com o Alan e sugeria pra ele a ideia que eu tive.
ERASMO: Com que dinheiro?
IGOR: Ele é o cabeça da empresa que gerencia a carreira do Alan, a Dodói Produções Artísticas.
ERASMO: Você quis dizer “Godoy Produções Artísticas”.
IGOR: Não quis, não. Mas, sem o Alan saber, ele embolsa uma parte dos lucros da empresa maior do que a que ele tem direito.
ERASMO: Se você ganha uma bolada pra elaborar os trabalhos do Flávio e do Godoy, por que fez questão de entrar em atrito com o segundo?
IGOR: Porque eu fiquei fulo da cara quando soube que o TCC deles foi aprovado e o meu não. A ideia era minha, era eu que tinha que ser orientado pelo professor. Vou ficar mais seis meses naquele fim de mundo por isso. Quando eu vi o Alan e o Flávio naquela calourada, quase joguei a verdade na cara dos dois. Assim que eu saquei o fuzuê que deu minha briga com o Alan na Concha Acústica, eu resolvi me vingar dos dois. Porque se eu sumisse antes da viagem do Alan, todo mundo ia pensar que ele deu um fim em mim. A imprensa marrom ia especular que o Alan teve alguma coisa a ver com o meu desaparecimento e os contratantes iam cancelar os shows.
ERASMO: Dá pra entender até essa parte. Mas só bastava o seu desaparecimento pra manchar a carreira do Godoy. Todo mundo acreditou que você tivesse sumido por obra dele, até eu antes de saber a verdade. Pra quê você entrou na casa do cara e simulou um afogamento?
IGOR: Infelizmente, essa parte da história não é invenção minha.
ERASMO: O Godoy não sabia nem que você tava vivo. Como ele deixou você entrar?
IGOR: O Flávio tem livre-acesso à casa do Alan. Daí, ele ligou pro Alan perguntando se ele podia ir à mansão pra rever a papelada dos contratos que foram cancelados após o buchicho do meu sumiço.
ERASMO: Você tá fugindo da minha pergunta...
IGOR: Eu ainda nem cheguei à resposta, Erasmo. Fica na tua, tá bom?
ERASMO: Hum, confiante. O que a prisão do inimigo não faz?
IGOR: Ah, mas eu bem que queria estar no tribunal pra ver a cara do Flávio se ferrando!
ERASMO: Você é um doente.
IGOR: É porque você não sabe da história toda.
ERASMO: Mesmo porque quando eu souber vou ter mais nojo ainda.
IGOR: Como eu te falei, o Alan não é nenhum exemplo de inteligência. Ele saiu de casa e deixou o portão da casa aberto. Como eu sabia que o Flávio ia pra lá, invadi a casa, peguei uma taça, uma garrafa de vinho Carreteiro e bebi. Quando o Flávio ouviu o barulho que eu fiz caindo na piscina, veio ver o que era, pensando ser um ladrão.
ERASMO: Outro merchandising barato (ouve-se, novamente, a caixa registradora).
(fundo musical: “Garçon”- “saiba que o meu amor hoje vai se casar”)
Flávio encontra Igor à beira da piscina, bebendo o vinho mencionado.
IGOR: Não me esperava aqui, não é?
FLÁVIO: Como foi que você entrou aqui?
IGOR: A pergunta é: “quanto você tá disposto a pagar pra que eu saia?”.
FLÁVIO: Onde é que você tava?
IGOR: Isso não te diz respeito.
FLÁVIO: Diz respeito ao Alan. A polícia tá no encalço dele por sua causa. O que é que você quer, Igor? Ferrar com a vida de todo mundo?
IGOR: Só com a sua.
FLÁVIO: Quer mesmo que eu acredite que as brigas que você e o Alan tiveram foram por causa daquela palhaçada do professor que não quis te orientar?
IGOR: Você faz bem em não acreditar. Também foram por causa do dinheiro que você não me pagou pelo TCC que eu bolei pra vocês.
FLÁVIO: E só por isso você sumiu? Cara, você prejudicou a carreira do Alan por causa dessa droga, colocou ele no centro de uma investigação policial... Eu já tinha falado contigo antes da viagem, pedi pra você ter um pouco de paciência até eu conseguir a grana...
IGOR: Para, Flávio. Chega. Eu não caio mais na sua conversa. Que, aliás, vai ser a última comigo. Eu sei que você desvia dinheiro da empresa que administra a carreira do Alan.
(fundo musical: “Tema de Débora (Maldades)”)
FLÁVIO: Você não tem ideia de com quem você tá se metendo.
IGOR: Você, menos ainda! Aproveita que o Alan não tá na casa e movimenta o dobro do que eu te pedi pra minha conta.
FLÁVIO: Pirou, meu velho? Eu não vou fazer isso, não vou ceder à sua chantagem! E o Alan não vai acreditar em você, ainda mais sem prova do que tá falando.
IGOR: Mas a maldita ética vai deixar o cara com a pulga atrás da orelha e ele vai pedir pra polícia investigar, ainda que não te fale nada. E, se interessa saber, meu cunhado é um dos maiores delegados da história de Pernambuco. Pra ele saber dos seus esquemas criminosos, tanto quanto eu, é um pulo. Ou você paga pra ver ou paga pra não me ver abrindo a boca. O que é que você escolhe?
FLÁVIO: Você venceu, Igor. Me espera aqui, eu vou buscar o laptop pra fazer a transferência.
IGOR: Pensou bem, hein, garoto? Pode deixar, que eu vou aproveitar um pouco mais desse vinho maravilhoso (bebe o vinho novamente). De que safra é?
FLÁVIO: Sabe que eu não sei? Só sei mesmo qual foi a região de onde vieram as uvas. Muito conhecida, aliás.
IGOR: Sério? E de onde são?
(fundo musical: “Revelações”)
Flávio submerge Igor na piscina, e o chantagista tenta voltar à superfície, mas acaba desfalecendo.
FLÁVIO: Do inferno, que é pra onde eu acabei de te mandar.
ERASMO: Impressionante! Quer dizer que o outro criminoso da história, além de você, é o empresário do Godoy?
IGOR: Deixa eu te contar o melhor de tudo, Erasmo: você tá tão encalacrado comigo que nunca vai poder contar nada do que ouviu aqui.
ERASMO: E você prefere perder o dinheiro que o Flávio te prometeu só pra deixar o Godoy apodrecendo na cadeia?
IGOR: Acho que você ainda não sacou o meu plano. Com o Alan preso, o prejuízo do Flávio é certo.
ERASMO: E se a justiça te interrogar quando você “acordar”?
IGOR: Basta mentir, jogar a culpa no Alan e pronto. Se condenaram ele sem provas, imagina o que não vão fazer comigo falando “a verdade” (tosse)? Credo, por que me puseram num hospital que tá em reparos?
ERASMO: É porque a reforma do tribunal não terminou a tempo, desculpe.
(fundo musical: “Pasión y poder”)
Erasmo abre a cortina e Igor se depara com Flávio, Alan, Laís e Roberta, que escutaram a sua confissão.
ROBERTA: As suas palavras conseguiram me deixar de cabelo em pé.
LAÍS: Protesto, Meritíssima! O laquê impede seu cabelo de se mexer!
ROBERTA: Protesto aceito. Diante do testemunho de Igor Zimmermann, eu declaro Alan Godoy inocente.
ERASMO: E diante desse blá blá blá sem fim, eu tenho o prazer de dizer: Flávio, advogado de porta de cadeia, você tá preso por tentativa de homicídio e desvio de dinheiro. Tem o direito de falar em juízo. Quanto a você, cunhadinho, tá preso por estelionato e por usar patrimônio público de maneira indevida. Quem mandou ser internado em hospital do estado e iniciar um inquérito policial? Tem o direito de ficar calado mediante eu virar tua cara do avesso, vagabundo!
IGOR: Pior pra você. Porque agora o nosso trato tá desfeito, e eu não quero estar no seu lugar.
ERASMO: Muito menos eu no seu lugar: no diabo que te carregue!

14/11/2019

CONFISSÕES PROLIXAS DE UM EXÍGUO MESOCLÍTICO/ BLOCO DE CENAS 4


Chega o dia do julgamento de Alan. Erasmo está em frente ao fórum, fazendo um telefonema.
ERASMO: Tudo certo para a transferência? OK. Eu vou me atrasar um pouco, mas fiquem alerta. Chego daqui a alguns minutos, só preciso que o julgamento comece. Até logo.
ALAN: Poderiam ter escolhido um fórum melhor pra realizar esse julgamento, não? Não basta o clima de tensão, ainda tenho que ficar no meio da poeira, como se fizesse parte do elenco de “Onde nascem os fortes”?
FLÁVIO: Você sabe que eu pedi pro advogado outro fórum, mas a vara em que corre o seu processo exigiu que fosse aqui. Mesmo com o fórum em reforma.
GUARDA: A meritíssima já está no recinto. Todos podem entrar.
ALAN: Cadê o advogado?
FLÁVIO: Vou mandar uma mensagem pra ele. Deve estar preso no trânsito.
ALAN: É tudo o que me falta.
GUARDA: Eu mandei entrar!
FLÁVIO: Tá, a gente já vai!
GUARDA: Apresentando a juíza Roberta Palmeira.
ROBERTA: Sentem-se todos. Vamos iniciar o julgamento do réu Alan Godoy, indiciado inicialmente por executar o desaparecimento do estudante desocupado Igor Zimmermann...
ALAN: Calma aí! Se é estudante, não é desocupado!
ROBERTA: Mais uma interrupção sua e meu martelo vai voar na sua cara. Como dizia, acusado posteriormente de tentativa de homicídio contra o mesmo elemento que sumiu.
ALAN: (sussurra para Flávio) Vê se acha logo o advogado, que eu sinto que sairei daqui num camburão em vez do meu Camaro amarelo.
FLÁVIO: Vou ver se ele chegou.
ROBERTA: Convoco o réu a sentar-se ao meu lado para ser submetido às perguntas da advogada de acusação, Laís Lobo.
LAÍS: Levante a sua mão direita. Jura dizer a verdade, somente a verdade e nada mais do que a verdade?
ALAN: Eu juro. Aliás, assim procedo desde o início dessa película erótica.
LAÍS: Erótica?
ALAN: Sim. Não há nada mais sádico do que esse julgamento sem testemunha e esse filme sem lógica.
LAÍS: Sr. Godoy, uma vez que o senhor se comprometeu a falar a verdade, diga: o que acha do cabelo da senhora juíza?
ALAN: Bom, com o respeito devido, ela usou tanto laquê que o uso passivo está quase me fazendo desmaiar.
ROBERTA: Srta. Lobo, qual o propósito de questionar o réu sobre meu cabelo?
LAÍS: É que ele está mais armado do que os policiais que farão a escolta do Sr. Godoy caso ele seja condenado.
ALAN: Protesto, Meritíssima! A advogada de acusação tenta criar uma celeuma entre nós a fim de que a senhora condene a mim.
ROBERTA: Você não é advogado e sequer submeteu-se à prova da OAB. Protesto negado! Continue, Srta. Lobo.
LAÍS: Obrigada, Meritíssima. Sr. Godoy, o avanço da polícia brasileira permitiu que o senhor fosse avaliado por uma máquina da verdade. Se os senhores aqui presentes permitirem, eu gostaria de ler o resultado do questionário feito mediante o polígrafo.
ROBERTA: Os figurantes não vão se importar, mesmo porque não existem. Por favor, prossiga.
LAÍS: Sr. Godoy, o delegado responsável pelo caso, Erasmo Nogueira, numa série de oitenta e nove interrogatórios que lhe intimou a comparecer, perguntou se o senhor consegue manter sua sanidade mental depois de inúmeros acessos ao Sistema de Irritação Garantida, conhecido como Sig@. O senhor disse que sim... E para o polígrafo... O senhor mentiu. O delegado questionou se o senhor já entrou num coletivo da linha Barro/Macaxeira (Várzea) sem muitos usuários. O senhor disse que sim... E para o polígrafo... O senhor mentiu. O delegado quis saber se o senhor terminará sua graduação no prazo mínimo de quatro anos. O senhor disse que sim... E para o polígrafo... O senhor mentiu. O delegado perguntou se o réu sentia desejo sexual por mulheres que sabiam cantar “Cheia de manias”... O senhor disse que sim, e para o polígrafo...
ALAN: Protesto, Meritíssima!
ROBERTA: Protesto negado! Feche a boquinha!
ALAN: Onde esse advogado está?
LAÍS: Sem mais perguntas, Meritíssima... Por enquanto.
ROBERTA: O advogado de defesa tem a palavra e está com a oportunidade para interrogar o acusado.
FLÁVIO: (com um bigode falso) Obrigado.
ALAN: Flávio?
ERASMO: Que bigode mal colocado é esse?
FLÁVIO: Sr. Godoy, de que forma o senhor conheceu a suposta vítima?
ALAN: Bem... Foi numa calourada.
LAÍS: Protesto, Meritíssima! O réu tenta alegar que meu cliente não frequentava as aulas regularmente.
ALAN: E não frequentava, aquele preguiçoso.
ERASMO: Um vagabundo, desses de deixar a gente fulo da cara.
ROBERTA: Protesto negado. Há de se respeitar o argumento de que calourada é um point badaladíssimo. Continue, Doutor...
ALAN: Acho que obrigar-me-á a realizar um flashback da última vez que nos vimos...
ROBERTA: Contanto que eu não tenha de ouvir suas mesóclises em excesso...
ALAN: Nós, o Flávio e eu, estávamos no show do Leonardo Manjericão, realizado na Concha Acústica.
ROBERTA: E o tal de Flávio que, segundo consta no processo, é seu amigo e empresário, está aqui para confirmar isso?
ALAN: Meritíssima, ele deve ter ido ao banheiro, mas espero que ele volte logo... (passa a sussurrar para o falso advogado) O que você faz no lugar do advogado, Flávio?
FLÁVIO: O homem me ligou pra dizer que o carro dele tá boiando na Avenida Presidente Kennedy, não vai ter como ele chegar a tempo!
ALAN: Lascar-me-ei!
LAÍS: Protesto, Sra. Juíza! O advogado de defesa fala com o cliente através de uma linguagem cifrada para nos fazer de idiotas!
ROBERTA: Protesto negado! Não acredito que o sistema judiciário me faça falar essa frase tantas vezes...
FLÁVIO: O que aconteceu, de fato, durante a calourada?
ALAN: Flávio e eu bebíamos uma sangria enquanto Manjericão cantava a primeira música do show.
MANJERICÃO: “Você vai me matar ou, então, deixar louco/ Com esse corpo moço e esse jeito de me olhar/ De quem sabe tudo/ Que manja tudo/ Que entende tudo/ O que um homem quer”.
ALAN: Qual é a primeira cidade?
FLÁVIO: Paris. Mas antes vamos passar no Museu do Louvre. Não vou sair com o celular a tiracolo sem tirar uma foto lá.
MANJERICÃO: “Você só quer provar que com tão pouca idade/ Pode fazer de um homem tudo o que você quer/ E eu, gamado/ Tão preso no seu laço/ Sou um palhaço/ De você, moça mulher”.
ALAN: Olha quem tá chegando.
(fundo musical: “Renato Mendes”)
FLÁVIO: Finge que não tá vendo ninguém.
ALAN: Isso é fácil. Difícil vai ser pra ele, que parece ter tomado uma adega inteira de vinho Carreteiro.
IGOR: (alcoolizado) Mas vejam só quem eu encontro: o artista marginal da universidade. O que se acha tão importante que vai para Paris... Pariscida do Norte.
FLÁVIO: Vambora, Alan. Deixa esse cara aí...
ALAN: Nem pensar. Se ele está vindo é porque quer falar alguma coisa.
FLÁVIO: Nada se aproveita desse cara, Alan...
ALAN: Mas já diz o velho ditado: “quando a bebida entra, a verdade sai”. Fala, Igor.
IGOR: Eu vim aqui pra tirar satisfação contigo.
ALAN: Te devo o quê?
IGOR: A vergonha que você quis me fazer passar durante a apresentação.
ALAN: Falei alguma mentira?
FLÁVIO: Ignora esse cara, Alan...
IGOR: Eu, no seu lugar, não daria ouvidos ao seu mentor espiritual e puxa-saco oficial. Tô afim de bater boca mesmo!
ALAN: Então, bata, espanque, golpeie sua boca em outro lugar, porque meu tempo eu não perco com você!
IGOR: Tá se achando, né? Na crista da onda, com não sei quantos sucessos no Spotify, milhões de acessos no YouTube...
ALAN: E ótimo aluno, por sinal, ainda que você não queira.
IGOR: Cretino...
ALAN: Você pensa o quê, hein? Que sua raiva é por entender que eu sou melhor que você? Se você achou isso, pensou certo!
MANJERICÃO: “Mas eu já tenho a idade do lobo”...
IGOR: Eu ia falar com o professor pra orientar meu TCC e você passou na minha frente!
MANJERICÃO: “E eu, que jamais pensei ser bobo”...
ALAN: Ele só poderia orientar até cinco trabalhos, queria mesmo ser o sexto?
MANJERICÃO: “Me perdi com esse olhar tão inocente”...
IGOR: Me deixou comendo poeira com uma ideia que não era sua!
MANJERICÃO: “Sem saber que em tua mente”...
ALAN: Se fosse abstêmio, pouparia meus ouvidos de escutar tanta besteira!
MANJERICÃO: “Existe um monstro, uma mulher”...
IGOR: Vai me dizer que a ideia do TCC foi sua?
ALAN: Foi do Flávio, a gente vai fazer o trabalho em dupla... Mas eu posso saber o que você tem a ver com isso?
FLÁVIO: Tá com inveja de você, Alan; não deu pra sacar ainda?
IGOR: Do quê, exatamente? Da incompetência? Porque teve que se juntar a esse aí pra ver se saía uma ideia que prestasse! Porque sozinho você não consegue nada! Aliás, combina bem com aquilo que você é. Um nada!
ALAN: (com semblante e voz calmos) Flávio, eu tentei de tudo para me conter, mas... Você viu a deixa que ele deu, não é (alterado, dá um soco no rosto de Igor)?
FLÁVIO: Sai daqui, Igor! Dá o fora!
IGOR: Sem dar o troco nesse imbecil? Nem pensar!
Igor, então, tenta acertar o rosto de Alan, mas acaba atingindo Flávio, que cai ao chão depois de um ferimento na boca causado pelo golpe.
ALAN: Eu vou acabar com a tua raça, desgraçado!
MANJERICÃO: “Você vai me matar ou, então, deixar louco” (repete o verso)...
LAÍS: Nós podemos entender essa sua última fala como uma ameaça explícita?
FLÁVIO: Protesto, Meritíssima! A promotora está interrogando o réu no momento em que só eu posso fazer isso.
ROBERTA: Protesto negado, só porque fiquei curiosa pela resposta!
ALAN: Eu falei sem pensar, não era pra ter me levado a sério.
LAÍS: Dessa forma, como poderíamos levar o réu a sério neste momento? Além do mais, foi feita uma perícia na mansão do réu. O luminol utilizado pela polícia mostrou que havia um líquido vermelho derramado, e que o Sr. Alan Godoy...
ALAN: É Alan!
ROBERTA: (bate o martelo) Uma interrupção a mais e você vai para a cadeia! Sem veredicto!
LAÍS: O Sr. Godoy limpou, mal e porcamente, o líquido vermelho. E, no depoimento do Sr. Flávio de Barros, ele reparou que havia uma mancha vermelha na camisa do réu quando foi buscá-lo para levar ao aeroporto.
ERASMO: (fala entredentes) Chegou a hora de desmascarar aquele parasita.
LAÍS: (Erasmo deixa o tribunal) Será que tanto a mancha quanto o líquido não são exatamente o mesmo material?
ALAN: Aonde a senhorita quer chegar?
LAÍS: Se o senhor quer que eu seja clara, assim será. Será que antes de encontrar o Igor inconsciente na piscina de sua casa, o senhor não tentou matá-lo?
FLÁVIO: Isso é um absurdo!
LAÍS: É o que você pensa, Lionel Richie da OAB! O réu declarou que acabaria com a raça da vítima durante o show de Leonardo Manjericão na Concha Acústica, um dia antes da viagem! Portanto, se o Igor conseguiu entrar na casa e fazer uso de drogas lícitas dentro da piscina, ele pode muito bem ter conseguido entrar no mesmo lugar antes. E talvez o seu cliente tenha facilitado a entrada do Igor.
ROBERTA: Sem rodeios, Dra. Lobo. O que tenta insinuar a respeito do réu?
LAÍS: Uma das hipóteses cogitadas para o desaparecimento de Igor era a de que ele estivesse morto. Agora, tudo está claro: Igor desapareceu por conta própria, para se preservar. Porque um dia depois das brigas, o Sr. Godoy tentou matá-lo em sua casa!
(fundo musical: “Suspense/ decepção”)
Ouve-se a porta do quarto em que Igor está sendo aberta. O rapaz continua inconsciente.
ENFERMEIRA: Ainda não demonstrou a recuperação dos sinais vitais, Doutor. Pelo visto, o quadro é irreversível. Realmente, é uma pena... Tão jovem... Bem, acabou o meu plantão. A direção do hospital me avisou que o senhor ficaria aqui pra fazer uma avaliação mais detalhada. Com licença.
O “médico” descobre um dos pés de Igor e o toca duas vezes, sem que o rapaz reaja. Repentinamente, ele acende um isqueiro sobre o dedão do vilão, que grita, assustado.
(fundo musical: “Tenso gone #1”)
IGOR: Que é isso?
ERASMO: Melhora milagrosa, não, cunhadinho?