Na delegacia,
Flávio e Alan conversam sobre o desaparecimento de Igor com Erasmo.
ERASMO: Onde
esteve na noite de 20 de dezembro?
ALAN: Jantando um
espetinho no “Sal e Brasa”.
ERASMO: Desculpe,
eu me confundi com as datas. O que estava fazendo na noite do dia 21?
ALAN: Além de
comemorar os seis anos do fim do mundo, fui à calourada na Concha Acústica. Se
lhe interessa saber, foi a última vez que vi o Igor.
ERASMO: Também foi
nesse dia em que ambos tiveram um desentendimento em sala de aula?
ALAN: Claro,
aquele lá não parava a boca! Só queria saber de mostrar o quão era inteligente.
Uma falácia.
ERASMO: É, realmente
uma tragédia pra quem se dedica aos estudos, como você. Ao voltar pra casa,
acessou o Sig@ em seu computador pessoal pra ver a nota?
ALAN: Sim, e vi
que tirei um nove, embora não fosse essa a pontuação que gostaria de tirar.
ERASMO: Mentira!
(bate na mesa com um taco de beisebol, este com um prego gigante) Você não
abriu o Sig@ naquela noite!
FLÁVIO: Pensando
bem, quem conseguiria?
ERASMO: O
especialista em crimes cibernéticos vasculhou o seu computador e me disse que
encontrou um vídeo pornográfico no histórico. Teve até que baixar o volume de
tão alto que eram os gemidos.
ALAN: Era só uma
cena da novela das nove que estava eu revendo.
Alan lembra que o
vídeo pertencia à novela “A força do querer”, e que os gemidos eram decorrentes
da personagem Carine sendo estrangulada por Bibi.
ERASMO: E sobre o
vídeo do “rabo maravilhoso”; é novela também, seu pervertido?
ALAN: Sobre isso
eu abster-me-ei de comentar.
Em outra
lembrança, Alan se vê assistindo a um diálogo da trilogia televisiva
“Mutantes”.
ERASMO: Também
viu todos os seus arquivos de áudio, e descobriu uma tal de “Cavalgada” em MP3.
Que espécie de arquivo subversivo é esse ao qual você teve acesso, vagabundo?
ALAN: É do disco
de Roberto Carlos lançado em 1977.
ERASMO: Bem sei.
“Vou cavalgar por toda noite, por uma estrada colorida”. Colorida por qual
razão? O governador mandou pintar o asfalto ou você anda vendo coisas por ter
dado um “tapa na pantera”?
ALAN: Que
pantera? Cor de rosa?
ERASMO: Cor de
rosa será o uniforme que você vai usar na cadeia, mamador de tetas do governo!
ALAN: Ele não é
laranja?
ERASMO: Não me
interrompa, eu sou daltônico.
ALAN: OK. Já que
é para usar expressões populares, mandar-te-ei a real. Eu não tenho nada a ver
com o sumiço do Igor.
ERASMO: “Usar
meus beijos como açoite e a minha mão mais atrevida”. Além de torturador é
assediador também, pilantra?
FLÁVIO: Delegado,
meu cliente não tem responsabilidade nenhuma com esse caso.
ERASMO: Você é
advogado do Alan?
ALAN: Alan.
FLÁVIO:
Empresário, amigo e colega de turma. Posso afirmar com propriedade que Igor não
prestava.
ERASMO: No
pretérito? “Prestava”? Sua situação está se complicando cada vez mais, Sr.
Godoy.
ALAN: Veja...
ERASMO: Prefiro
“Istoé”.
ALAN: Eu, de fato,
não nutria grande simpatia pelo elemento. Mas o problema restringiu-se à
faculdade. Nós fazíamos parte do mesmo grupo, dividimos as partes do trabalho
que fizemos, mas Igor fez questão de parecer o único que havia se esforçado pra
fazer. Isso que me deu raiva.
ERASMO: E só por
isso que o elemento desapareceu?
ALAN: Meu senhor,
eu não tenho...
ERASMO: Seu, não!
Minha esposa, Milena, pode contestar esse título.
ALAN: Se o Igor
desapareceu, a culpa não é minha. Por que o senhor não verifica na faculdade?
ERASMO: Enquanto
você e seu amigo estavam gastando os combustíveis dos aviões da Gol, eu fazia o
meu trabalho. Quer mesmo me dizer como eu devo proceder?
ALAN: Sim, e de
que forma eu relacionar-me-ia com o crime, se é que houve crime? Igor pode ter
desaparecido por conta própria, não?
ERASMO: Depois de
duas discussões, é uma situação ocasional demais. Sr. Godoy, sabe por que minha
mãe me batizou como Erasmo? Porque ela, tal qual a música “Mulher”, acha que
tudo é uma...
(fundo musical:
“Mulher”- “mentira absurda”)
ALAN: Mas eu não
lhe matei! Jamais matar-lhe-ia!
ERASMO: Por acaso
alguém aqui falou em matar?
(fundo musical:
“Aqueous”)
Flávio e Alan se
olham, apavorados com a interpretação da frase de Alan que Erasmo acaba de
fazer.
ALAN: Eu exijo
dar declarações de agora em diante na presença de um advogado.
ERASMO: Como
queira. Mas tudo leva a crer que, inocente ou não, você não vai se calar por
muito tempo.
ALAN: Pense o que
bem entender. Vamos, Flávio. Eu vou chamar um táxi.
ERASMO: Onde é
que o senhor mora mesmo, Sr. Barros?
FLÁVIO: Vila
Tamandaré, Delegado.
ERASMO: Caso não
se incomode, eu posso dar uma carona. Aceita?
FLÁVIO: O senhor
vai largar o expediente só pra me levar pra casa?
ERASMO: Eu moro
perto de lá. E depois, já tá na minha hora de voltar pra casa.
FLÁVIO: Mas ainda
não são nem dez da manhã.
ERASMO: Faço
minha a máxima difundida na internet: “meu trabalho, minhas regras”.
(fundo musical: “Na
calada”)
Erasmo dirige a
viatura, acompanhado de Flávio, e pensa:
ERASMO: Vou ter
que apelar. Se o Alan não abrir a boca, é desse cara que eu vou arrancar alguma
coisa. E não vou me importar em fazer tortura psicológica, desde que esse cara
fale o que sabe.
O sinal fica
vermelho. O carro estaciona antes da faixa de pedestres.
FLÁVIO: Não tem
como o senhor botar uma música pra alegrar o ambiente, não, Delegado?
ERASMO: Tá
pensando que minha viatura é Uber?
FLÁVIO: Desculpa
aí.
ERASMO: Tudo bem,
vou quebrar o teu galho (liga o rádio, que começa a tocar “Eu sou Stephany”, reproduzindo
mais uma cena do filme “As branquelas”).
Erasmo olha para
Flávio, sorridente ao pensar que consegue constrangê-lo.
FLÁVIO: Por que é
que você sintonizou nessa rádio? Você sabe que eu não posso ver uma vergonha
que eu já quero passar (começa a cantar)! “Em frente do meu portão te esperei,
te esperei; não veio. Agora vou te mostrar que não sou mulher, não sou mulher
de esperar! Eu sou linda, absoluta, eu sou Stephany. No meu Cross Fox eu vou
sair, vou dançar, me divertir. Não vou ficar mais te esperando porque agora eu
sou demais”.
Erasmo mostra-se
decepcionado por não conseguir extrair nenhuma informação do empresário de
Alan.
LETREIRO: Dias
depois...
Erasmo caminha
pelo Marco Zero e seu celular vibra.
ERASMO: Oi,
Milena.
MILENA: Alguma
notícia do meu irmão?
ERASMO: Nada
ainda. Interroguei mais algumas pessoas que estudam com ele e não tive
novidades sobre o caso.
MILENA: Não
aguento mais essa angústia. Alguém tem que saber aonde o Igor foi parar. Será
que isso tem o dedo do tal de Alan?
ERASMO: Eu não
duvido nada, mas por enquanto o que podemos fazer é (Erasmo avista Igor olhando
o mar)...
MILENA: O que
foi, Erasmo? Erasmo, você ainda tá na linha?
ERASMO: Milena,
eu te ligo depois. Tenho um problema pra resolver. Beijo.
Erasmo se
aproxima do cunhado, até então desaparecido.
ERASMO:
Finalmente.
IGOR: Como é que
você me achou aqui?
ERASMO: Não foi
muito inteligente da sua parte sumir e correr o risco de ser visto logo aqui. A
pergunta é: por quê?
IGOR: Eu sei que
eu deixei a minha irmã preocupada com o meu sumiço, mas...
ERASMO: Sabe? Se
sabe, por que não apareceu? O que você ganha com essa tramoia toda?
IGOR: Não é
óbvio, Erasmo? A prisão do Alan.
ERASMO: Que não
vai mais acontecer, pode ter certeza. Ele tá respondendo o processo em
liberdade, mas não por muito tempo. Agora mesmo eu vou comunicar que o seu
paradeiro foi descoberto.
IGOR: Que
paradeiro? O Marco Zero é ponto turístico, meu filho. Assim como eu, qualquer
pessoa pode circular aqui. Se eu me misturar com um grupo de turistas fotógrafos,
você só vai ter notícias minhas em 2040!
ERASMO: Eu não
vou deixar um inocente pagar pelas suas armadilhas. O motivo pelo qual você se
desentendeu com ele não me interessa! Sabia que sua irmã chegou a pensar que
você tinha morrido?
IGOR: Thalía vai
aparecer dançando no Marco Zero pra justificar esse drama todo que você tá
fazendo? Eu sumi porque eu quis, e só vou voltar quando eu decidir.
ERASMO: Não se eu
colocar meus homens atrás de você. Não se eu te obrigar a comparecer à
delegacia, e te intimar por forjar a própria morte.
IGOR: Sinceramente,
Erasmo, eu não tomaria essa atitude tão precipitada...
ERASMO: Por que
não, vagabundo capivara?
IGOR: Porque se
você fizer o mundo descobrir que eu tô bem, a tua mulher vai ter uma surpresa
desagradável nos próximos dias.
ERASMO: É isso
mesmo, Igor? Você tá ameaçando me matar?
IGOR: Mesmo tendo
coragem pra isso, coisa que você acha que eu não tenho, posso te neutralizar
com uma solução menos radical. Mas sou capaz de apostar que você vai preferir o
assassinato.
ERASMO: Escuta aqui,
projeto de gente: se você acha que existe uma mancha na minha trajetória, com a
qual você possa me chantagear...
IGOR: O seu
compromisso antes de voltar pra casa.
ERASMO: Como é a
história?
IGOR: A Milena me
contou que desconfia de você, que você volta muito tarde pra casa, até depois
do expediente. Minha irmã liga pro seu trabalho e você já tem batido o ponto.
Foi, então, que eu te segui. E descobri o que você faz questão de esconder da
Milena.
ERASMO: Você
enlouqueceu...
IGOR: Ao contrário
da minha irmã, que de tão lúcida, vai checar a minha denúncia, exatamente como
você faz. A escolha é sua, cunhadinho: ou você deixa o Alan responder o
processo pelo meu sumiço ou eu acabo com o seu casamento. Agora eu te pergunto:
eu tô louco?
(fundo musical:
“Hitman”)
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