LAÍS: O relatório
da perícia constata que havia, sim, um líquido vermelho, em grande quantidade,
e que o réu não conseguiu tirar todos os vestígios. Era sangue, senhores
jurados. Sangue derramado do corpo de Igor e que, por isso, a vítima precisou
desaparecer. E, de alguma forma, Alan Godoy conseguiu atraí-lo para a sua
residência. Caso a senhora tenha dúvida, Meritíssima, aqui está o documento.
ROBERTA: “Concluímos
que o réu, Alan Godoy, fez a assepsia do local analisado utilizando água e
detergente Ypê sabor de limão”.
ALAN: (olha para
a câmera) Repararam no merchandising
(ouve-se uma caixa registradora)?
ROBERTA: “Ainda
assim, foi perceptível que o vestígio encontrado pertencia a um... Suco de
acerola”?
LAÍS: O quê?
ALAN: Tudo bem,
eu confesso. Eu não sou a pessoa mais inteligente do planeta. Às vezes, eu até
faço trabalhos com o Flávio por considerá-lo mais inteligente do que eu.
FLÁVIO: Obrigado.
ROBERTA: O que o
senhor disse?
FLÁVIO: Nada, eu
pensei alto.
ALAN: No dia da
viagem, eu tinha feito um suco de acerola, mas me esqueci de colocar a tampa no
liquidificador. Talvez por isso que eu abri a porta para o Flávio e ele pensou
que era sangue no meu corpo.
ROBERTA: Que
meleca...
LAÍS: Ainda
assim, eu tomei a liberdade de investigar a fundo a sua vida antes da fama. E
descobri que o senhor estudou num colégio cujos adolescentes, colegas que
compartilhavam a mesma série, tinham codinomes suspeitos.
ALAN: Agora a
senhorita interrogar-me-á sobre a vida alheia?
LAÍS: Claro.
Porque talvez a personalidade perigosa administrada por eles tenha influenciado
a sua mente a intimidar Igor Zimmermann.
FLÁVIO: Você é
completamente perturbada!
LAÍS: Não mais do
que você, Belchior de Vila Tamandaré! E então, Sr. Godoy? Poderia listar os
codinomes dos seus colegas colegiais?
ALAN: Se isso
puder me livrar da cadeia, então...
LAÍS: Mas fale
devagar, para apreciarmos os elementos sob suspeita.
ALAN: Alemão,
Anzol, Bagunça, Barney, Bodão, Calango, Chupeta...
IGOR: Você queria
me matar?
ERASMO:
Lamentavelmente, eu não posso. Mas eu desconfiei desde o princípio. Um traste
feito você não ficaria muito tempo fora de combate.
IGOR: Mas eu fui
afogado pelo Alan, eu estive à beira da morte mesmo; você precisa acreditar
em...
ERASMO: Isso não
importa mais, Igor. Acabei de voltar do julgamento. Godoy foi condenado pela
sua tentativa de assassinato.
IGOR: Sério?
ERASMO: Você
conseguiu. Tanto fez pra destruir o cara que conseguiu. Até mesmo em cima de
uma cama.
IGOR: Agora
aquele idiota teve o que mereceu, finalmente.
ERASMO: Quanto
mais você fala, menos eu entendo.
IGOR: Talvez
porque eu não tenha a obrigação de ser claro pra você.
ERASMO: Como
também não tem a obrigação de ser evasivo. Você sabe do meu segredo, eu tô nas
suas mãos, à condenação do Godoy não cabem mais recursos... Fala pra mim. Por
que você fingiu ter se afogado depois de sumir?
ALAN: Eltinho do
Carinho, Fariseu, Fumagalli, Galego, Jim, Johnson, Juninho Play, Manteiga...
IGOR: E quem
disse que eu fingi? A única coisa que fugiu do meu controle foi a transferência
pra esse novo hospital. Me doparam e, quando eu dei por mim, já tava aqui.
Aliás, que lugar é esse?
ERASMO: Não
interessa, patife. O que você pretendeu acusando o Godoy dos crimes cometidos
contra você?
ALAN: Menos Um,
Moisés, Muçulmano, Nômade, Saci, Topete, Vício Louco...
IGOR: Quer a
verdade mesmo? Pois, então, eu vou te dar.
ERASMO: Você não
vai me dar nada, só falar o que eu não sei ainda. Desembucha!
IGOR: Eu queria
ferrar com a vida do Alan, sim. Metido à besta. Mas ele é tão idiota que não
entendeu que, pior que ele, só o Flávio. O alvo era o empresário.
ERASMO: O Flávio?
Por causa do quê?
IGOR: Ele vai
fazer o TCC em dupla com Alan.
ERASMO: E daí?
Você queria ser a dupla de um dos dois?
IGOR: A ideia do
tema do trabalho dos dois foi minha.
(fundo musical:
“Hitman”)
ERASMO: Que
história é essa?
IGOR: O Alan
pensa que foi o Flávio que deu a ideia do TCC, mas não foi. Eu quem tive e
vendi pra ele.
ERASMO: Como
assim “vendeu”?
IGOR: Alan não é
nenhum Einstein; tá bem longe disso, inclusive. Por isso que ele sempre se
junta a Flávio pra fazer os trabalhos da faculdade. Só que o imbecil não sacou
que Flávio é outra toupeira acadêmica. E foi por isso que o Flávio me pagava
pra ter ideias, principalmente a do TCC. Eu bolava os trabalhos, dava a
bibliografia que eles tinham que ter pra redigir e ele me pagava por isso. Daí,
ele aparecia em sala pra conversar com o Alan e sugeria pra ele a ideia que eu
tive.
ERASMO: Com que
dinheiro?
IGOR: Ele é o
cabeça da empresa que gerencia a carreira do Alan, a Dodói Produções
Artísticas.
ERASMO: Você quis
dizer “Godoy Produções Artísticas”.
IGOR: Não quis,
não. Mas, sem o Alan saber, ele embolsa uma parte dos lucros da empresa maior
do que a que ele tem direito.
ERASMO: Se você
ganha uma bolada pra elaborar os trabalhos do Flávio e do Godoy, por que fez
questão de entrar em atrito com o segundo?
IGOR: Porque eu
fiquei fulo da cara quando soube que o TCC deles foi aprovado e o meu não. A
ideia era minha, era eu que tinha que ser orientado pelo professor. Vou ficar
mais seis meses naquele fim de mundo por isso. Quando eu vi o Alan e o Flávio
naquela calourada, quase joguei a verdade na cara dos dois. Assim que eu saquei
o fuzuê que deu minha briga com o Alan na Concha Acústica, eu resolvi me vingar
dos dois. Porque se eu sumisse antes da viagem do Alan, todo mundo ia pensar
que ele deu um fim em mim. A imprensa marrom ia especular que o Alan teve
alguma coisa a ver com o meu desaparecimento e os contratantes iam cancelar os
shows.
ERASMO: Dá pra
entender até essa parte. Mas só bastava o seu desaparecimento pra manchar a
carreira do Godoy. Todo mundo acreditou que você tivesse sumido por obra dele,
até eu antes de saber a verdade. Pra quê você entrou na casa do cara e simulou
um afogamento?
IGOR:
Infelizmente, essa parte da história não é invenção minha.
ERASMO: O Godoy
não sabia nem que você tava vivo. Como ele deixou você entrar?
IGOR: O Flávio
tem livre-acesso à casa do Alan. Daí, ele ligou pro Alan perguntando se ele
podia ir à mansão pra rever a papelada dos contratos que foram cancelados após
o buchicho do meu sumiço.
ERASMO: Você tá
fugindo da minha pergunta...
IGOR: Eu ainda
nem cheguei à resposta, Erasmo. Fica na tua, tá bom?
ERASMO: Hum,
confiante. O que a prisão do inimigo não faz?
IGOR: Ah, mas eu
bem que queria estar no tribunal pra ver a cara do Flávio se ferrando!
ERASMO: Você é um
doente.
IGOR: É porque
você não sabe da história toda.
ERASMO: Mesmo
porque quando eu souber vou ter mais nojo ainda.
IGOR: Como eu te
falei, o Alan não é nenhum exemplo de inteligência. Ele saiu de casa e deixou o
portão da casa aberto. Como eu sabia que o Flávio ia pra lá, invadi a casa,
peguei uma taça, uma garrafa de vinho Carreteiro e bebi. Quando o Flávio ouviu
o barulho que eu fiz caindo na piscina, veio ver o que era, pensando ser um
ladrão.
ERASMO: Outro
merchandising barato (ouve-se, novamente, a caixa registradora).
(fundo musical:
“Garçon”- “saiba que o meu amor hoje vai se casar”)
Flávio encontra
Igor à beira da piscina, bebendo o vinho mencionado.
IGOR: Não me
esperava aqui, não é?
FLÁVIO: Como foi
que você entrou aqui?
IGOR: A pergunta
é: “quanto você tá disposto a pagar pra que eu saia?”.
FLÁVIO: Onde é
que você tava?
IGOR: Isso não te
diz respeito.
FLÁVIO: Diz
respeito ao Alan. A polícia tá no encalço dele por sua causa. O que é que você
quer, Igor? Ferrar com a vida de todo mundo?
IGOR: Só com a
sua.
FLÁVIO: Quer
mesmo que eu acredite que as brigas que você e o Alan tiveram foram por causa
daquela palhaçada do professor que não quis te orientar?
IGOR: Você faz
bem em não acreditar. Também foram por causa do dinheiro que você não me pagou
pelo TCC que eu bolei pra vocês.
FLÁVIO: E só por
isso você sumiu? Cara, você prejudicou a carreira do Alan por causa dessa
droga, colocou ele no centro de uma investigação policial... Eu já tinha falado
contigo antes da viagem, pedi pra você ter um pouco de paciência até eu conseguir
a grana...
IGOR: Para,
Flávio. Chega. Eu não caio mais na sua conversa. Que, aliás, vai ser a última
comigo. Eu sei que você desvia dinheiro da empresa que administra a carreira do
Alan.
(fundo musical:
“Tema de Débora (Maldades)”)
FLÁVIO: Você não
tem ideia de com quem você tá se metendo.
IGOR: Você, menos
ainda! Aproveita que o Alan não tá na casa e movimenta o dobro do que eu te
pedi pra minha conta.
FLÁVIO: Pirou,
meu velho? Eu não vou fazer isso, não vou ceder à sua chantagem! E o Alan não vai
acreditar em você, ainda mais sem prova do que tá falando.
IGOR: Mas a
maldita ética vai deixar o cara com a pulga atrás da orelha e ele vai pedir pra
polícia investigar, ainda que não te fale nada. E, se interessa saber, meu
cunhado é um dos maiores delegados da história de Pernambuco. Pra ele saber dos
seus esquemas criminosos, tanto quanto eu, é um pulo. Ou você paga pra ver ou
paga pra não me ver abrindo a boca. O que é que você escolhe?
FLÁVIO: Você
venceu, Igor. Me espera aqui, eu vou buscar o laptop pra fazer a transferência.
IGOR: Pensou bem,
hein, garoto? Pode deixar, que eu vou aproveitar um pouco mais desse vinho
maravilhoso (bebe o vinho novamente). De que safra é?
FLÁVIO: Sabe que
eu não sei? Só sei mesmo qual foi a região de onde vieram as uvas. Muito
conhecida, aliás.
IGOR: Sério? E de
onde são?
(fundo musical:
“Revelações”)
Flávio submerge
Igor na piscina, e o chantagista tenta voltar à superfície, mas acaba
desfalecendo.
FLÁVIO: Do
inferno, que é pra onde eu acabei de te mandar.
ERASMO: Impressionante!
Quer dizer que o outro criminoso da história, além de você, é o empresário do
Godoy?
IGOR: Deixa eu te
contar o melhor de tudo, Erasmo: você tá tão encalacrado comigo que nunca vai
poder contar nada do que ouviu aqui.
ERASMO: E você
prefere perder o dinheiro que o Flávio te prometeu só pra deixar o Godoy
apodrecendo na cadeia?
IGOR: Acho que
você ainda não sacou o meu plano. Com o Alan preso, o prejuízo do Flávio é
certo.
ERASMO: E se a
justiça te interrogar quando você “acordar”?
IGOR: Basta
mentir, jogar a culpa no Alan e pronto. Se condenaram ele sem provas, imagina o
que não vão fazer comigo falando “a verdade” (tosse)? Credo, por que me puseram
num hospital que tá em reparos?
ERASMO: É porque
a reforma do tribunal não terminou a tempo, desculpe.
(fundo musical:
“Pasión y poder”)
Erasmo abre a
cortina e Igor se depara com Flávio, Alan, Laís e Roberta, que escutaram a sua
confissão.
ROBERTA: As suas
palavras conseguiram me deixar de cabelo em pé.
LAÍS: Protesto,
Meritíssima! O laquê impede seu cabelo de se mexer!
ROBERTA: Protesto
aceito. Diante do testemunho de Igor Zimmermann, eu declaro Alan Godoy
inocente.
ERASMO: E diante
desse blá blá blá sem fim, eu tenho o prazer de dizer: Flávio, advogado de
porta de cadeia, você tá preso por tentativa de homicídio e desvio de dinheiro.
Tem o direito de falar em juízo. Quanto a você, cunhadinho, tá preso por
estelionato e por usar patrimônio público de maneira indevida. Quem mandou ser
internado em hospital do estado e iniciar um inquérito policial? Tem o direito
de ficar calado mediante eu virar tua cara do avesso, vagabundo!
IGOR: Pior pra
você. Porque agora o nosso trato tá desfeito, e eu não quero estar no seu
lugar.
ERASMO: Muito
menos eu no seu lugar: no diabo que te carregue!
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