Bom, antes de
passarmos para a ação, descrevo mais um pouco os personagens: Caio é estudante
de Música, e como tal, não ouve qualquer coisa que toca na rádio. Não é como em
Letras, na qual conhecemos Musa do Calypso e escolhemos sobre loira ou morena.
Sabe que “Ah, moleque” é uma gíria comum, mas acredita que “Ah, muleke lek lek
lek” é alguma espécie de afasia. Será?
Com essa breve
descrição, você, espectadora assídua, concorda que com todos esses predicados,
seria muito fácil ele conquistar o coração do público. O problema dessa estória
é a fácil aceitação do personagem. Acredito que no segundo ou terceiro
capítulo, será capaz de entender o porquê.
Tentemos nos
debruçar sobre um problema que impulsionará a nossa lenta narrativa: todo
novato de faculdade já ouviu falar alguma vez na vida no termo “calourada”.
Pois bem, minha amiga dona de casa, vai ter uma no final da primeira semana de
aulas, em dezembro. Não estranhe, é que o mês escolhido foi para dar maior
veracidade ao calendário troncho da universidade-cenário.
Saindo dessa
aura intelectual que paira, Caio foi convidado por Bella para aproveitar e
comemorar sua entrada na Federal. Ele aceita, mas não contava com um... Imprevisto
imposto pela própria faculdade.
-Bom, chegou a
hora de vocês se apresentarem pela primeira vez em público. Às oito da manhã
deste domingo, está marcada a apresentação de cada um no conservatório. A
atividade serve pra verificar como anda a potência vocal de vocês- avisa o
professor de Música, ignorando o fato de a calourada acontecer doze horas antes
dessa obrigação acadêmica.
Os laços de
amizade se estreitam no Facebook, como eu já havia indicado. Entre um post e outro, Bella e Caio estavam on line. E como toda amizade que começa
hoje em dia, os elogios sobram e a gente imita a Luana Piovani no comercial da
Oi: “pra quê?”.
-Caio, você
vai pra Calourada? É de oito horas, na Concha Acústica.
-Não sei se
vai dar pra mim, Bella. É tanta coisa dessa faculdade...
-Ah, mas com o
tempo você se acostuma. Vamos?
-Bom, mas vai
ter o quê?
-Tinha um
cartaz na escada do meu prédio que seriam duas bandas de pagode.
-Não é a minha
praia, sério.
-Muito menos a
minha, mas eu preciso abrir meu chakras, porque a situação está séria. Se você
me levar, eu te dou duas paçocas.
-Também com
esse argumento, como é que eu vou faltar?- ambos riem da (estranha) situação-
Tá certo, eu vou passar aí e te pegar. Beijo.
XXXXX
Já na festa em
si, Caio e Isabela se divertem, sem imaginar a presença do ex-namorado da moça,
que circula livremente atrás de algumas meninas. Antes da noite ser estragada,
uma saia-justa é criada por Thaís, até então a melhor amiga da moça. As duas se
cumprimentam e...
-Menina, onde
é que eu te encontro, hein?
-O estágio é puxado
demais, Bella. Mas a sorte que é tem cada professor na minha escola que... Dá
vontade de fazer uma “loucurinha louca”!
-Thaís!
-Amiga, eu
preciso desencalhar. Não dá pra ficar o resto da vida se imaginando ao lado do
homem que protagoniza aqueles filmes de realismo fantástico.
-Eu que o
diga.
-Só que eu
percebi que você está melhor do que eu, hein?- Thaís faz um sinal com as mãos
para sugerir que Caio e Bella estão bem próximos.
-Quem? Ah,
não. A gente... – logo, o jovem fica vermelho de vergonha.
-Não, mulher.
Ele é o Caio, meu novo vizinho. E o mais novo musicista do Ibura.
-Sério? Por
favor, se for pra tocar alguma coisa, não toque o coração dela. A carência dela
está gritante desde o fim do namoro.
-Thaís!-
repreende a amiga mais uma vez.
-Relaxa,
Bella. Tá tudo bem. A única coisa que a gente namora é uma boa xícara de
cappuccino.
-Claro- Thaís
soa um tanto irônica- Bom, vou deixar vocês se divertindo- a moça os beija e
vai para o meio do pessoal.
-Desculpa a
Thaís, Caio. É que ela pensou...
-Fica fria,
Bella.
-Me espera
aqui, que eu vou ao banheiro.
-Vai lá, eu
fico esperando.
Começa aquele
pagode e Caio procura inibir sua cara de extremo descontentamento. Ainda mais
quando aparece aquela turba totalmente descontraída com algo que não é Chopin.
E depois de
uns chopes, o ex de Isabela está por aquelas bandas do banheiro. Perto dela
está Thaís, com duas canecas. Quando a escritora sai do banheiro, sua amiga até
então sóbria lhe oferece bebida.
-Quer, Bella?
-Não,
obrigada. Você sabe que eu sou bem fraca pra bebida.
-Sei, mas hoje
você precisa extravasar, amiga. Sabe? Você teve uma semana difícil, foi
demitida, sua vida sentimental está um lixo, você está na pior...
-Certo-
Isabela toma a caneca- Agora, me traga outra.
-Já volto.
-Bella?-
aparece o tal ex-namorado.
-Você aqui?
-Pelo visto,
você já se recuperou.
-Isso é o que
você quer que faça. Não é o que consegui. Cadê aquela albina siliconada? Não
veio com você?
-Eu terminei
com ela. Não parei de pensar em você um minuto sequer.
-A maldita
instabilidade masculina...
-Tenho
consciência do que fiz, Bella.
-Consciência?
Você? Você e a consciência não andam lado a lado, mas nem se quisessem!-
Isabela parece estar um tanto alterada. E está!
-Mas o que é
que você tem?
-Bom, digamos
que terminar um namoro e ser demitida logo em seguida não me tornam a mulher
mais feliz do mundo.
-Posso
resolver o primeiro problema. Se não for pra ser a mulher mais feliz do mundo,
pelo menos posso te fazer feliz.
-E fez. Mas
isso ficou no passado, e lá precisa ficar.
-Não adianta
disfarçar, Bella. Sei que toda vez que eu chego perto de você, treme mais que
vara verde- para isso, ele vai se aproximando.
-Olha aqui, eu
não sou Gaby Amarantos pra ficar tremendo por aí. Você é uma página riscada da
minha vida. Página que, aliás, você mesmo riscou.
-Será mesmo
que não existe um pouco de mim ainda dentro de você?
-Desgraça...
Eu não vou resistir...
O cara toma
Isabela pela mão e com ela some. Por favor, eu não quero saber pra onde foram.
Darei prosseguimento. Caio, coitado, está esperando por sua nova melhor amiga
sem se dar conta da existência do rapaz que a levou. Mas aí acontece o que os
estudantes chamam de “peripécia”, o acontecimento inesperado ou, caetaneando, o
“rapte-me, camaleoa” da trama (pelo menos um deles): ele se lembra da tal prova
que ocorreria em doze horas.
-Droga, e
agora? E a Bella que não aparece por aqui, minha gente? Vou ter que ir pra casa?
Já sei: vou mandar um torpedo: “tive que ir pra casa. Apresentação amanhã.
Caio”. Não sei andar por aqui, onde é que eu pego um ônibus?
O cara sai da
Concha Acústica sem imaginar o problema que Isabela traria para a sua vida nos
próximos capítulos. Chega á sua casa tarde, não dorme de ansiedade, fica seis
horas do dia seguinte cantando. E o resultado? Cartelas e mais cartelas de
Amoxicilina, com pastilhas de própolis.
Um fato
relevante: Bella não chega totalmente bem em casa. Como sai sem a chave, bate
desesperada na porta. Dona Cris, que esperava na sala pela filha, pega o molho
de chaves e se depara com a menina num estado de calamidade total.
-Minha filha,
onde é que você estava?
-Na concha da
faculdade...
-Concha?
Faculdade? Isabela, o que é que você tem?
-Nada, mãe! Só
fui a uma festa.
-Você não
encontrou o cafajeste do seu ex, encontrou?
-Jamais!
-Então, com
quem você estava? Isabela, eu estou fazendo uma pergunta: com quem você estava?
-Com o Caio.
Pronto, falei! O Caio, vizinho novo. Agora me deixa tomar um banho que eu estou
morta de cansaço- beija o rosto da mãe.
-Misericórdia!
Toma um café e escova os dentes.
XXXXX
Três semanas
depois, a diarista Taciana está na casa de Isabela trazendo um monte de roupa
suja do quarto de Cristina. Quando ela vai desforrar a cama da escritora,
observa ter vários CDs de Britney Spears.
-Ótimo. Odeio
faxina silenciosa.
E põe no
volume máximo uma tal de “Circus”. Não foi escolhida por acaso. Dona Cris arma
o circo mesmo, por dois motivos diferentes.
-Mas que
bagunça é essa aqui em casa?
-Ô, dona Cris.
Desculpa. É que eu me empolguei. A senhora sabe que eu amo a Britney...
-Você anda
assistindo demais ao canal 7. Já disse que isso está te fazendo mal.
A mãe de
Isabela encontra um teste de gravidez em cima da cama.
-O que é isso?
Isso é seu?
-Eu, hein,
dona Cris? Tá com o juízo aonde? Isso daí devia estar em cima da cama.
-Tem certeza
que não é seu?
-Lógico.
-Mas quem ia
usar isso? E olha só: mudou de cor. Deu positivo. Gente, será que a Bella...
Não, eu não vou nem imaginar.
-Bom, se não é
da senhora...
-Claro que não
é meu, doméstica. Mas a Bella disse que não andou se encontrando com o ex.
Então...
-Só pode ser
de outro.
-Outro? Que
outro o quê... Ah, não!
-Tá passando
bem?
-Se não é o
ex-namorado, é o filho do padeiro. A Isabela saiu com o filho do padeiro e
voltou alta pra casa. Só pode ser isso: a Isabela está grávida e é do filho do
padeiro.
Imaginação: a gente se liga em você.
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