O musicista se
levanta e tenta procurar o ex-namorado da amiga no meio do tumulto.
-Cadê você?
Responde, Nicholas! Alguém me ajuda aqui a achar um pai desaparecido.
-Ih, garoto,
melhor desistir. Esse que você deve estar procurando já foi pros ares.
-Não, ele não
pode morrer. Já pensou em como eu vou dar a notícia da morte do cara pra mãe do
filho dele?
-Conta a
verdade. Ou manda ela ver o jornal.
-Não posso,
ela está no quinto período de Letras. Ela vai implicar e inferir que a coisa é
grave!
-Oi?
-Bah, mortais!
Você não vai fazer nada? Manda os outros procurarem pra saber se ele escapou?
Vai trabalhar, cara!
-Sinto muito.
Mas nesse momento, eu tenho que bater nos manifestantes. Com licença- corre
para o tumulto.
-Eu tenho que
ligar pra Bella. Coitada, ela vai tomar um susto. Se bem que não vai ser maior que
o meu, o malandro morreu na minha frente- tecla os números de celular da moça-
Não funciona! “Mercadoria”!- o horário não permite linguagem depreciativa- Se
eu não gastasse vinte e cinco centavos a chamada, jogava essa desgraça na lata
do lixo! Eu tenho que voltar pra casa e falar com a Bella.
XXXXX
Leoni está em
seu quarto, quando vasculha sua gaveta à procura da sua carteira.
-Mas onde foi
que eu botei isso? Ah, tá aqui. Vou comprar o macarrão antes que o mercadinho
feche.
Quando gira a
maçaneta, sua porta não quer abrir.
-Só pode ser
mentira. Deixei a chave fora. Caio, meu filho, você tá aí? Foi você que trancou
a minha porta? Abre aqui alguém! Já sei: vou fazer que nem na televisão:
avançar de lado e derrubar a porta- Leoni toma distância e bate com o corpo
inteiro, mas leva uma pancada na cabeça e acaba desmaiando.
XXXXX
Achou desnecessária
a cena? Calma, colega, vai melhorar (e piorar pra Caio). Dona Cris está
preparando um cappuccino para o jovem.
-Desculpa,
quem é a senhora?
-Amigo da
minha filha há quase um mês e não conhece a mãe dela? Lastimoso...
-É a dona
Cris?
-A própria.
Prazer- aperta a mão do jovem- O que eu queria falar com você é sobre uma coisa
grave.
-Bella?
-Por favor,
toma um cafezinho. Está maravilhoso.
-Está com um
gosto diferente.
-Vi isso na
receita do “Hoje em dia”. Bella me disse uma vez que as receitas de cappuccino
são diferentes lá no estrangeiro. Bebe. Bebe, porque a conversa vai ser longa.
Eu sei de tudo.
-Tudo?
-Tudo o que
aconteceu entre a Isabela e o pai do bebê que ela está esperando.
-Então a
senhora já sabe que ela está grávida?
-Fui eu que
descobri.
-Nem vou
perguntar como a senhora está. Ainda mais depois de hoje...
-O que foi
teve hoje?
O mocinho
passa a ter uma tontura.
-A Bella...
Ela precisa dar um pai pra esse bebê.
-Eu concordo
com você, menino. Concordo plenamente com você. É Caio o seu nome, não é?
-Penso que
seja... Zoró no momento.
-No caso, Caio,
você precisa me ajudar a resolver o problema da minha Isabela.
-Depois de
tudo o que aconteceu, eu acho que não tem a menor condição. O bebê dela vai
nascer com um traço na certidão... - nova tontura- Gente, a senhora estudou
catequese?
-Não, por quê?
-Porque tenho
certeza que isso foi batizado.
-E foi.
-É o quê,
menina?
-Dramin B6:
uso pra dormir quando a minha filha me traz problemas.
-Por que a
senhora fez isso? Cadê meu pai?
-Não se
preocupe: seu pai está fora de perigo. Já você pode estar com os dias contados.
Eu sinto muito, querido, mas das sete notas, você só vai se lembrar de dó.
-A senhora
parece ser uma mulher sensata. Vai pensar bem antes de fazer alguma coisa
comigo.
-Já pensei.
Cinco minutos
depois, Caio estava amarrado numa cadeira de plástico Tramontina!
-O que a
senhora está fazendo?
-Bom, você é
jovem e tem lições a aprender na vida. A principal é não beber café oferecido
pelos outros.
-Eu estou
ficando com...
-Sono? Não se
preocupe. Vou fazer você acordar. Peguei o pen
drive da vizinha.
Usando o maior
nível de decibéis possíveis, começa a torturar o musicista com onomatopeias
atuais que definem a música brasileira. Começa uma cuja coreografia é executada
com primor por Cris.
-Para com
isso, por favor.
-Nunca!-
cantarola- “Mas se um dia você vacilar, e eu chegar bem perto de você, vou
prender você na minha rede. Você vai ver o que é que eu vou fazer: Eu vou pegar
você e tãe, tãe, tãe, tãe!”
-Desliga!
Muda
a música.
-“É
uma dança sensual e na Várzea já pegou. No Pina explodiu! Em Candeias já
bombou! No Nordeste, ‘as mina faz’, no verão vai pegar! Então, faz o tchu tcha
tcha. O Brasil inteiro vai cantar com João Lucas e Marcelo... Eu quero tchu...
eu quero tcha... Eu quero tchu, tcha, tcha,
tchu, tchu, tcha, tchu, tcha, tcha, tchu,
tchu, tcha”!
-Clemência,
por favor! Eu faço o que a senhora quiser!
-Já está
acordado? Então, é melhor você colaborar com as minhas investigações. Você
engravidou a minha filha, não foi, safado?
-Não fiz nada!
-E nem vai
fazer, porque ainda não acabei contigo! Próxima, DJ!- fala consigo mesma e põe
outra- “Bará, bará, bará! Berê, berê, berê! bará, bará, bará, berê, berê, berê,
berê! Bará, bará, bará! Berê, berê, berê! bará, bará, bará, berê, berê, berê,
berê”!
-Cala essa pen drive agora! Eu não aguento mais!
-Você é o pai
do filho da Isabela?
-Não, não sou!
-Não? Então,
não resta mais a fazer, a não ser... “Parapapá, pararapapá, pararapapá...
garrar, beijar, fazer parapapá! É nóis fazer parapapá, pararapapá,
pararapapá... garrar, beijar, fazer parapapá”!
-Se eu ouvir
mais uma onomatopeia hoje, eu mato minha professora de sintaxe do Fundamental!
Pela última vez, eu não sou o pai do filho da Isabela!
-Ok, você me
convenceu a pegar mais leve. Eu vou te dar mais uma chance pra contar tudo o
que você sabe. Vou me conter e pôr um clássico: “Águas de março”.
-Pelo menos
não é “Ex mai love”. Desculpe, é que tocou tanto aquela mulher no ano passado que
enjoei.
-Não se
preocupe. Você não terá nem sombra de “Ex mai love”.
Claro que ela
foi irônica e pôs a versão tecnobrega da música. Aí Caio se lembrou do famoso
“Se botar meu amor na vitrine, ele nem vai valer R$ 1,99”. Nada contra, mas
gente cult não gosta. E não sou cult. Por isso, sabia da existência da versão. O
musicista sai correndo, com uma cadeira amarrada nas costas até o apartamento
da Bella. Dona Cris, que não é besta nem nada, segue-o.
XXXXX
Thaís está
quase indo embora do apartamento, quando uma sinfonia sinistra começar a tocar
no aparelho televisor. Plantão. Ela e Taciana veem a notícia dada pela âncora.
-E hoje à
tarde ocorreu uma rebelião que culminou na morte de uma pessoa que deixou a carteira
no local onde tudo aconteceu. Foi identificado como Nicholas Ferrari. Nas redes
sociais, amigos retardados começaram a cutucá-lo. No Twitter, por exemplo, já
foi retweetado mais de 400 vezes, apenas por dizer que iria mudar o username para “Cafachorro”.
-Cafachorro? O
Nicholas apareceu na TV?- senta Isabela no sofá.
-Amiga, você
vai ter que ser forte.
-Normal pra
mim. Escrevo livros de autoajuda.
-Teu ex bateu
as botas.
-Não me deixa,
cafachorro!- arma um escândalo teatral- Você não pode me deixar sozinha,
Nicholas! Eu amo você!
-Mas você não
falou que escrevia autoajuda?- rebate Taciana.
-E funciona, por
acaso?- Caio chega amarrado à cadeira, mas ouve o desespero de Isabela e percebe
que a notícia do fim de Nicholas chegou aos ouvidos da amiga- Como é que vou
conseguir viver sem ele, minha gente?
-Ah,
miserável! Você não me escapa!- entra Cristina com um rolo de macarrão para bater
em Caio- Ah, você está aí também. Isabela, agora eu quero ver quem vai me
contar quem é o pai do seu filho. É ele, não é?
-Mãe... - Isabela
está se debulhando em lágrimas.
-Eu sou o pai!
Pode me bater, mas eu sou o pai. E vou criar o bebê junto com a Bella.
Thaís e dona Cris
ficam chocadas com a mentira contada, mas levam ao pé da letra. Isabela,
coitada, nem se fala. Taciana, que não está muito interessada em dar ganchos
para que acompanhemos o capítulo seguinte, solta a seguinte pérola para sair da
sala.
-Agora que se resolveu tudo, eu vou lá pra minha
quitinete saber pela vizinha o que foi que houve em “Rosalinda”.
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