09/02/2018

GATA FATAL/ CENA 6

MARY: E quem chamou a polícia pra você?
CAROLINE: Não sei. Deve ter sido algum vizinho desocupado que ouviu os gritos dela.
MARY: Bem, eu... Acho que cheguei a uma conclusão sobre o seu caso.
CAROLINE: É nada! O que foi que descobriu, Doutora?
MARY: Você é de uma extrema frieza e é calculista, observa seu adversário centímetro por centímetro, procurando algum deslize pra ser utilizado a seu favor. Mas é importante deixar claro que você não deixa a casa cair sozinha. Muito pelo contrário: a destrói por completo pra ninguém ter direito a nada.
CAROLINE: Realmente, cada almoço que você pagou no restaurante universitário valeu a pena. Que teoria fascinante! E a que conclusão você chegou?
MARY: Caroline, ao que me consta, você apresenta um quadro de transtorno de personalidade antissocial.
CAROLINE: Traduzindo...
MARY: Uma psicopata.
CAROLINE: A senhora tá enganada, pode ter certeza.
MARY: Não, nem gaste o seu latim comigo, Caroline. Eu não costumo me enganar, ainda mais com um caso feito o seu.
CAROLINE: Quer dizer que a senhora realmente pensa que eu...
MARY: Eu não penso. Eu sei. Qualquer psiquiatra pode comprovar o que eu estou dizendo a seu respeito.
CAROLINE: (olha para a mão esquerda de Mary, vendo a aliança que a médica usa) Inclusive seu marido?
MARY: Sei o que está tentando fazer: me manipular para que eu demonstre ter me equivocado na concepção do laudo que eu vou entregar à justiça, mas sua estratégia não vai dar certo. Meu marido, pra começar, nem trabalha nessa área.
CAROLINE: Eu não disse que trabalhava. Insinuei que a senhora tava certa quando disse que qualquer psiquiatra pode confirmar o que a senhora pensa sobre mim, mas seu marido não.
MARY: Por acaso você conhece o meu marido?
CAROLINE: A fundo.
MARY: Seu desespero é tanto que está tentando me desestabilizar.
CAROLINE: A paciente aqui sou eu, não se esqueça.
MARY: Você acha que o meu marido iria olhar pra um tipinho insignificante feito você, que não sabe o que é lavar o cabelo e se sente no direito de se considerar “rústica”? Pensa mesmo que o meu marido vai trocar uma mulher que sabe tudo de Freud e Valon por você?
CAROLINE: Sabe porque quer! As teorias de Valon são exigidas na psicologia. Se você conheceu as ideias dele na psiquiatria, foi porque é enxerida.
MARY: “Ideias dele”... SUAS IDEIAS! Suas! Esperar o quê de uma paciente que sequer sabe usar corretamente a colocação pronominal?
CAROLINE: Já ouviu falar em variação linguística, meu bem?
MARY: Já. O suficiente pra saber que meu marido não é tão tolo a ponto de trocar uma mulher como eu por outra que não sabe nem falar português direito.
CAROLINE: Mas usa o inglês que é uma maravilha. A orelha dele é testemunha da minha fluência quando estamos a sós... “teach me, tiger, how to kiss you” (começa a ronronar como na canção)...
MARY: Quer dizer que era por isso que ele vivia colecionando discos internacionais dos anos sessenta? Por influência sua?
CAROLINE: Confesso que tenho um único defeito, Doutora: apesar de falar em diversos idiomas, eu não sei dizer “não” em nenhum deles.
MARY: Então, pode começar a gritar “help”, porque eu vou te matar, desgraçada! (avança contra Caroline)
CAROLINE: Socorro! A mulher tá doida! (aparecem dois enfermeiros para levar Mary carregada pelos braços)
MARY: Me deixem acabar com a raça dessa cretina, me soltem!
CAROLINE: Próclise numa hora dessas? A senhora me decepcionou...
MARY: Eu vou me vingar de você! De você e daquele cafajeste! Vou fazer ele agonizar, eu te juro!
CAROLINE: Leva ela daqui, tá completamente descompensada!
MARY: Aguarde por notícias minhas, Caroline! Porque eu não vou ter piedade!
CAROLINE: Quem tem Piedade é Jaboatão! Tirem essa louca daqui!
MARY: Me larguem, estúpidos! Me soltem! Você vai me pagar, Caroline! Eu juro que você vai me pagar! (os enfermeiros conseguem tirar a psiquiatra do consultório)

CAROLINE: Que coisa horrorosa! (finge fragilidade) Eu só olhei a aliança, viu que ela era casada e comentei... Quem será o marido dela? Coitado desse cidadão, seja ele quem for!

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