O carro de Ricardo vai, aos poucos, afundando
no mar, levando Cora ao desespero. Um dos policiais vai chegando perto da
professora, que liga para o celular de Ricardo. Irritado, ele sai de perto de
Cristina.
-O que você quer?
-Eu não queria ter feito isso, mas você me
obrigou! A culpa de toda essa tragédia é sua!
-Tragédia, mas do que...
-Seu filho pagou por aquilo que você fez.
Agora, nós vamos carregar essa culpa.
-O que você fez?
-Ele pegou o seu carro, não foi? Fiz ele
cair- alterna-se entre choro e um riso desesperado, como quem não sabe
exatamente o que está fazendo.
-Onde é que você tá?
-Não sei. Eu o segui. Estava em alta
velocidade. Parecia que sabia que eu estava atrás com o meu carro. Bati várias
vezes na lateral, até que ele se desequilibrasse e caísse. Pulou da ponte, e
caiu. Eu vi o Pedro afundar no mar.
-Você só pode estar blefando.
-Eu jurei que se os
seus filhos fossem algum tipo de impedimento, eu tiraria eles do nosso caminho.
Eu te falei.
Ricardo desliga o
celular e pega o paletó, que deixou junto à sua esposa.
-Onde é que você vai?
-Houve uma
emergência.
-De trabalho? No dia
da operação do Fabrício?
-Não foi a agência.
Foi outro problema.
-Ricardo, você está
me assustando...
-Não é nada. Prometo
que não vou demorar. Vai ficar tudo bem.
-É alguma coisa que
tem a ver com o Pedro. Você emprestou o carro e sabe por que ele está tão
atrasado pra cirurgia.
-Claro que não.
-Fala!
-Já te falei: está
tudo bem. Eu tenho que ir. Qualquer coisa me liga- corre até um táxi. Dentro
dele, liga pra polícia- Alô, eu queria fazer uma denúncia. É sobre Cora
Lauveríssimo. Isso mesmo. Ela tentou matar meu filho, Pedro Faria. Pode ser que
ele esteja morto.
*****
Pedro sai do banheiro
do posto de gasolina, quando é abordado pelo mesmo frentista.
-Moço, um assaltante
levou o seu carro.
-Como é que é?
-Um cara veio aqui,
ameaçou todo mundo que tava dentro do posto, levou a carteira do pessoal e
fugiu no seu carro.
-Eu tava tão apertado
que esqueci de trancar a porta. E esse carro não é meu, é do meu pai. Como é
que eu vou chegar no hospital agora?
-Eu chamei a polícia.
Ela mandou uma viatura pra...
-Não, eu não posso
nem dar depoimento. Meu irmão vai se operar agora, e eu tenho que ficar na sala
de cirurgia com ele. Eu vou pegar um táxi, e mais tarde, eu passo na delegacia
pra prestar queixa.
-Sorte a sua não ter
ficado dentro do carro.
-Depois disso, não
acredito mais em sorte, não...
*****
Cristina está cada
vez mais aflita com o sumiço de Pedro. E fica mais nervosa quando a televisão
do hospital exibe um plantão.
-Acaba de ser
encontrado um carro de modelo exclusivo dentro do rio que corta a cidade.
Segundo o depoimento de policiais, o acidente foi provocado por uma motorista
que também conduzia um veículo em alta velocidade. Dentro do automóvel foram
encontrados diversos documentos que atestam ser propriedade do publicitário
Ricardo Faria. O condutor, ainda não identificado, não resistiu. A nossa
produção tenta entrar em contato com Ricardo, mas não obtém nenhuma resposta.
Após ficar em estado
de choque, Cristina desmaia. Viviana sai do quarto e encontra a mulher caída no
corredor.
-Cristina? O que você
tem? Fala comigo. Cristina!- bate levemente no seu rosto, tentando despertá-la.
*****
Através de uma segunda porta, Pedro sai
rapidamente do táxi e vai diretamente para o centro cirúrgico, onde troca de
roupa e lava as mãos. Werner está nervoso porque Fabrício não consegue dormir
com o sedativo.
-O que foi que houve com você? A gente tá te
esperando há mais de horas.
-Depois eu te conto tudo. Desculpa o atraso.
-Seu irmão tá agitado. Parece que a anestesia
não tá resolvendo nada.
-É melhor injetar mais um pouco no soro dele,
enquanto a gente faz a cirurgia.
-Certo. Vamos ter que fazer uma incisão
pequena antes. Pega o bisturi, e eu vou buscar o anestésico.
-Ok- pega os bisturis numa bandeja, até que
ao tê-los em mãos, imagina que eles sejam duas baquetas.
-Pensei que você não vinha mais- diz
Fabrício.
-Eu nunca desisti de você. Nem vou fazer isso
nunca- olha novamente pros objetos- “Baquetas”, me ajudem!
*****
Na delegacia, Ricardo confirma que Cora está
presa e vai vê-la na cela.
-Você me obrigou a isso. Eu nuca quis fazer
mal aos seus filhos, a nenhum deles. Mas você não me deu outra saída.
-Eu fui reconhecer o corpo dele.
-Às vezes, eu penso que vivo um pesadelo. E
não posso mais acordar dele.
-O Pedro não estava no carro. Um ladrão
conduziu o carro. Você tava atrás de um bandido que levou o meu carro.
-Isso quer dizer que... - volta a sorrir.
-Que você é pior do que ele. Eu consegui
reconhecer o corpo dele, mas não reconheço mais você. Você quis destruir a
minha família, mas não percebeu que eu já tinha feito isso.
-Ricardo, eu vou implorar mais uma vez. Me dá
uma chance pra te fazer feliz.
-Não posso ser feliz com você. Você mexeu com
um dos meus filhos. Não vou fazer você apodrecer na cadeira porque você já foi
presa. Isso vai te fazer pensar mais em si mesma, e esquecer de mim. De uma vez
por todas. Nunca vou perdoar você, Cora. Nunca- vai embora com um carcereiro,
enquanto Cora bate nas grades com muita raiva e aos prantos.
*****
Cristina está voltando a si. Uma enfermeira
traz uma garrafa com álcool e um pacote de algodão. Viviana toma as embalagens
e tenta acordá-la.
-Ela tá voltando- diz a jovem.
-Meu filho... Pedro...
-O Pedro não está aqui. Eu não vi ele no
hospital- Cristina começa a chorar, tentando articular as palavras e sendo
abafada pelo seu desespero- O que foi? Quem tá aqui no hospital?
-O Fabrício... ia se operar. O Pedro vinha
acompanhar o irmão...
-Mas ele não chegou ainda?
-Pedro não vem mais... Ele sofreu um
acidente...
-Acidente? Mas ele tá bem? Onde é que ele foi
parar, Cristina? Em que hospital ele foi parar?
-Ele morreu, Viviana. O Pedro morreu.
-Não... Você tá mentindo pra mim! Só pode ser
uma mentira- logo as lágrimas caem.
-O carro dele caiu no rio. Deu na televisão
que o motorista não sobreviveu ao acidente.
-Pedro... O Pedro, não. Ele não pode ter
morrido. Ele não pode ter me deixado sozinha.
-Meu filho, Viviana. Meu filho. Eu nunca mais
vou olhar pro rosto dele.
-Tudo o que aconteceu comigo, ele entendeu.
Conversava comigo, me dava força. Não desistiu de mim. O Pedro me tratava como
gente, do jeito que ninguém nunca me tratou. Ele não pode ter morrido. Eu não
posso ter perdido o Pedro, não posso.
Amedrontada, Cristina olha para as três
pessoas que estão atrás da garota: Werner, Pedro e Fabrício, recém-saídos do
centro.
-Meu filho... Meu filho, você está vivo...
Pedro, você está vivo!- corre para abraçá-lo, enquanto Fabrício olha para
Viviana, entendendo o que se passa na cabeça da moça- Mas como foi que você
sobreviveu ao acidente?
-Acidente? Que acidente, mãe? Do que você tá
falando?
-Do carro do seu pai. Ele caiu no rio.
-Eu fui ao posto de gasolina e entrei no
banheiro. Pois então: levaram o carro. Acho que foi o bandido que caiu.
-Você não imagina o desespero que eu sofri
pensando que... Ah, meu querido- novamente o abraça.
Outra enfermeira chega para chamar Viviana.
-Quem é Viviana?
-Sou eu.
-O seu pai está passando mal. Ele quer ver
você. Infelizmente, ele teve uma piora.
-É melhor a gente ir- diz Werner, percebendo
que Fabrício não sabe o que dizer com a situação.
-Vamos- concorda Pedro, levando a maca de
Fabrício para a sala de recuperação. Viviana corre para o leito do pai.
-O que houve? Pai, o que é que você tem?
-Eu não posso ir embora sem ouvir você
dizendo que me perdoa.
-Pai, calma, procura descansar. Vai ficar tudo
bem.
-Eu amei muito a sua mãe. Amei muito você
também, minha filha. Eu te protegi tanto que esqueci de deixar você viver, de
ser feliz, de saber a verdade.
-Não pensa mais nisso, pai, por favor.
-Por favor, me perdoa, filha. Me perdoa.
-Tá bom, pai. Eu te perdoo.
-Acho que agora eu já posso ir em paz.
-Você não vai me deixar!
-Talvez agora você possa ser feliz. É isso
que eu quero: saber que você vai ser feliz, mesmo estando muito longe de você-
falece em seguida.
-Pai? Pai, o que houve? Fala comigo, pai,
acorda! Não me deixa sozinha! Me desculpa, pai! Não me deixa, volta pra mim!
Volta, pai! Volta!
Logo chegam os médicos, que tentam reanimá-lo.
Viviana se aproxima da porta e fica em estado de choque, não conseguindo crer
na perda do pai.
*****
Um dia depois...
Werner encontra Viviana na varanda do Hospital
Melina Dubeux. A moça olha para o céu, enxugando as lágrimas.
-Posso falar contigo?
-Claro. Queria mesmo falar com você. Eu quero
agradecer por tudo que você fez nessa semana. Trouxe meu pai pra cá, cuidou
dele, me deixou comer aqui no hospital, tá resolvendo os problemas do... do
enterro... Olha, eu não sei quando eu vou poder pagar essa despesa.
-Não precisa se preocupar com isso. Você não
é nenhuma desconhecida. Foi aqui que a gente se conheceu, por causa do Pedro e
do Fabrício. Eu sei que você não tem condições. Não está me devendo nada, fica
tranquila. Mas eu vim falar com você de outra coisa.
-O quê?
-Tem alguém querendo falar com você.
-Quem?
-Vem comigo- Werner a leva para um quarto,
onde está Fabrício.
-Eu vou deixar vocês a sós- fecha a porta.
-Fiquei sabendo do seu pai. Meus sentimentos.
-Obrigado, mas eu pensei que você não
quisesse mais me ver. Não depois de ontem.
-Eu fiquei com raiva na hora. Mas depois eu
pensei que ali você tava sendo sincera. Como foi durante esse tempo todo que
ficou do meu lado. É por isso que eu gosto de você. Você me fala a verdade. Até
aquela que eu não gosto de saber.
-Fiquei com medo de você não entender.
-O seu medo era de perder o Pedro.
-Como eu também tenho de te perder.
-Viviana, vamos ser adultos. Eu sei que é
difícil dizer isso. Eu só tô numa cadeira de rodas por causa da minha
criancice, por não ter aguentado a verdade. Aos poucos, você foi abrindo meus
olhos. Eu tenho mais pra agradecer do que pra reclamar.
-Não é mais a mesma coisa do que no tempo que
a gente se conheceu.
-Sei disso. Eu te magoei muito.
-Vai ver que foi por isso que falei aquela
coisa sobre o Pedro.
-Você falou porque era verdade. O Pedro tava
do seu lado. Eu virei as costas, fingi que não me importava e te deixei
sozinha. Ficou magoada, e eu entendo isso. Foi essa confusão toda do acidente
que me fez ver que você não pode ser feliz amando um cara que não pode te
querer do jeito que você é.
-O que você tá tentando fazer? Me empurrar
pro seu irmão por achar que ele é melhor pra mim?
-Pelo menos você o ama. Imagina de novo o Pedro
morto. Onde é que ia ficar seu chão? Eu não vou obrigar você a ficar comigo.
Hoje, a gente fica junto. Depois, eu te trato mal. Eu não quero e você não
merece, entende isso?
-E se eu quiser ficar contigo?
-Querer até pode. Amar é mais difícil. A
gente tem que crescer. Você percebeu que fez a maior besteira da vida fugindo
de casa. Teve que perder um pai pra isso. Eu tive que sofrer um acidente e
quase morrer. Por que a gente tem que sofrer mais? Não, pra mim chega. Eu quero
ser feliz. Mereço isso. E você e o meu irmão também. Talvez mais.
-Fabrício, eu vim ver... – Pedro entra no
quarto, quando vê Viviana- Desculpa, eu volto depois...
-Não, espera. Ela quer falar contigo lá fora.
Vai, Viviana- com receio, a moça vai ao encontro de Pedro.
-O que houve?
-A gente tava conversando. Sobre você.
-Mesmo com aquela agonia toda do acidente e
da cirurgia, eu gostei de saber que ia fazer falta.
-Pode ter certeza de que muita. Ele acha que
eu devia ficar com você.
-Ainda é muita coisa na cabeça do meu irmão,
ele deve...
-Eu quero.
-Como é?
-Você já tinha um
espaço importante, um lugar no meu coração. Depois daquela festa, em que você
tentou ficar do meu lado quando todo mundo ficou falando mal de mim, eu comecei
a te respeitar mais. Só que quando eu pensei que nunca mais ia te ver, parecia
que eu ia morrer.
-Por que isso?
-Porque foi aí que a
minha ficha caiu. Eu não vou ficar com você. Eu preciso. Muito, Pedro.
-Isso quer dizer que você
quer namorar comigo? Mas e o Fabrício?
-A gente tem que
crescer. E eu quero crescer do seu lado.
-Mas você não me ama.
-Talvez não seja
amor. Talvez seja só amizade. Eu não sei explicar e você também não, mas ainda
é cedo demais pra saber.
Contente, e ainda sem
acreditar no que Viviana diz, Pedro a beija sem se conter, enquanto as lágrimas
caem dos olhos do casal.
*****
Poucos meses depois, Fabrício
já está habituado à fisioterapia. Numa das sessões, Werner, Cristina, Ricardo e
Viviana e Pedro estão no local para acompanhá-lo. Cristina chama seu filho mais
novo.
-O que foi, mãe?
-Eu trouxe uma coisa
pra você.
-Pra mim? Um presente?
-Um dossiê. Eu mandei
fazer pra que você soubesse quem eram seus pais verdadeiros.
-Você leu?
-Não, não li.
-Pois é. Nem eu. O
que eu preciso saber sobre a minha família eu acho nos álbuns e nos quadros de
casa. Joga isso fora.
-Ah, meu filho... –
emociona-se.
-Desculpa
interromper, mas é a hora dele tentar dar os primeiros passos- diz Pedro.
-Mas... Agora?
-Vai lá, cara, eu tô
contigo.
Minutos mais tarde,
Pedro o ajuda a se encostar às barras para sua segurança. Assim, vai até o
outro lado, esperando que o irmão venha. Com receio, Fabrício pensa em
desistir, mas depois anda lentamente, fazendo muito esforço. Ao cruzar a
passarela, abre os braços e dá um abraço no seu irmão. Os presentes, tocados
com a cena, aplaudem com entusiasmo.
-Mãe, prepara a minha
festa que eu vou fazer vestibular pra música- Pedro brinca com Cristina.
*****
Noutra passagem de
tempo, acontece a tal festa. As coisas já estão mudadas. Fabrício agora anda
sozinho e Ricardo apenas visita a mansão. Cristina puxa Werner para os
fotógrafos e assume seu namoro com o jovem médico.
-Cadê o Fabrício, gente?-
procura Pedro.
-Seu irmão disse que
já vem- garante Viviana.
-Me diz uma coisa:
esse romance da sua mãe com o médico é sério mesmo?- questiona Ricardo.
-E então? A fila
anda, pai.
-Isso é ridículo! Ele
tem a metade da idade dela!
-Em compensação, o dobro
da discrição. Repara que ele não quer conversa com os jornais, e a mãe arrasta
ele.
-Gente, chama a mãe
que eu quero fazer uma surpresa- vem Fabrício, com uma moça paraplégica ao
lado.
-Já estou aqui.
-Qual é a surpresa?- pergunta Werner.
-Povo, eu quero apresentar a Beatriz. Minha
nova namorada.
-Ah... – Cristina não disfarça o
descontentamento.
-Muda essa cara e deixa de preconceito. Até
há pouco tempo, seu filho também era paraplégico- sussurra Werner.
-Bom, cadê o pessoal do conservatório, Pedro?
-Todo mundo tá por aí. Agora tão achando meio
caída a festa.
-Vocês não vão tocar aquelas músicas
clássicas, não?
-Que nada. Hoje é pra esquecer que aula
existe. Bota Jota Quest que o problema tá resolvido.
Uma música animada começa. Cristina logo
convoca os fotógrafos e vai para a pista de dança. Pedro e Viviana vão para o
salão, enquanto Fabrício beija Beatriz.
-Junta o pessoal pra tirar uma foto- pede a
moça.
-Vou chamar o povo. Vem, gente!- puxa o irmão
e a cunhada para registrar um dos melhores momentos da vida de todos. Assim sendo,
Beatriz vai com o namorado e com ele dança, bem como Werner faz com Cristina e Pedro
com Viviana. Ricardo apenas os observa, lembrando-se dos tempos que era
totalmente feliz com a família e medindo bem o que perdeu. No entanto, ainda é
cedo para dizer se ele não terá um final feliz, como os integrantes da família
Faria tiveram e mereceram.
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