CENA 6
Manjericão sai da sala dos professores com a pasta e alguns livros. Fora
da escola, pega o metrô e em seguida, o Circular Barro/ Tancredo Neves. Com uma
cara sorumbática, o jovem galã do filme faz aquela cara de cachorro morto que o
roteirista não consegue fazer para comover as gatinhas. Mas vamos pular essa
cena por não ter nada a acrescentar. Só pra aumentar o número de espectadoras e
encher linguiça.
CENA 7
Já no prédio onde mora, o cara continua pra baixo. Pega o elevador, que
toca uma canção instrumental bem agradável de se ouvir. Por um momento, aquela
canção que mais parecia música que toca em provadores de Renner e C&A fez Manjericão
se esquecer dos problemas profissionais. Quando a voz ia se manifestar, a porta
se abriu. E ele foi ao encontro de Zaira.
-Oi, amor.
-Comprei comida japonesa pra quando você chegasse. Aliás, você apareceu
mais cedo do que o normal. O que houve?
-Zaira, a gente tem que conversar.
Ela dá um selinho no jovem.
-Estranhei que você não disse “Eu te amo” pelo celular. É o seu
passatempo preferido. Sobre o que quer falar? Já vi que a coisa é séria.
-Houve um... Um probleminha lá na escola... Naquela hora, não dava pra
eu te falar o que tinha rolado.
-Ainda bem que passou, não é, meu amor?
-Passou, sim. Mas eu preciso te falar uma coisa.
-Diz depois, Manjericão.
Antes, eu tenho que te mostrar um macacão que eu comprei na Cattan com o seu
salário. Não é lindo?
-Gostei, mas
vai ser o último que você vai comprar, porque meu salário não existe mais. Fui
demitido, Zaira.
-Não pode ser.
Diz que é mentira.
-Infelizmente,
não.
-Mas como é
que foi isso? Espera... Você vai me contando enquanto eu vou aqui no quarto e
já volto- vai ao dormitório do casal, fechando a porta em seguida.
-Olha, Zaira,
eu pensei muito e acho que a melhor coisa que o diretor podia ter feito era me
demitir. Eu não me encaixava mesmo naquela escola, tinha sempre que trabalhar
de um jeito diferente daquele que eu... – para pra ver Zaira com uma mala
pronta, assim que sai do quarto- Mas o quê que é isso, mulher?
-Oito vezes. Leonardo,
você já foi demitido de oito escolas.
-Por favor,
não me chama pelo nome de verdade. Isso me assusta. “Manjericão”, por favor.
-É isso! Esse
é o problema. Você não vai abrir mão do seu jeito, e as escolas não vão dar o
braço a torcer só porque você quer, meu querido. Sabe o que você precisa fazer?
Se encontrar. Ou, pelo menos, encontrar uma forma de conciliar aquilo que sabe
fazer com o que precisa. E pelo andar da carruagem, vejo que não tem muita
disposição da sua parte pra tal.
-Zaira, você
vai me deixar, é isso?
-Claro que vou!
-E a nossa história? Nossa vida juntos?
-Leonardo, por favor, não torne isso mais doloroso... Pra você mesmo.
Sobreviva, querido. Isso, se puder fazê-lo. Como eu sei que não pode, vou
tentar garantir o meu futuro.
-Traduzindo: era uma questão de conveniência. Você dormia comigo e amava
o meu salário.
-Merreca! O que você ganhava era uma merreca! Mas também, trabalhando
em escola pública de pequeno porte e não parando em emprego nenhum, qual é a
surpresa?- destranca a porta.
-Vai embora, então. Eu sei que um dia, você vai sentir falta de mim. Não
sei como, mas você ainda vai me pedir pra voltar. Aí, Zaira, quem vai te chutar
sou eu.
-Típica vingancinha de “Revenge”. Me poupe... Leonardo Manjericão!-
bate a porta, pegando em seguida o elevador com a música sinistra.
-Que ótimo!- chuta o sofá- O que mais falta acontecer?
Toca o refrão de “Sorte”, cantada por Adriana Calcanhotto e Papas da
Língua.
-O sonoplasta dessa birosca tá de sacanagem comigo, só pode... Mas eu
vou aguentar tudo. Não é difícil, é só... Abrir um sorriso- fica estático
mostrando os dentes pra câmera.
QUINZE MINUTOS DEPOIS, AINDA AO SOM DE “SORTE”...
Manjericão está com quatro caixas de sorvetes Zeca’s (nosso
patrocinador), deprimido ao extremo. Cheio de lágrimas, mas determinado, o
ex-professor sacode a poeira (do sofá) e...
-Eu não vou ficar aqui sofrendo, não. Vou procurar um emprego, e eu só
volto pra casa quando- tira a mão do bolso- esta carteira for assinada- vê a
mão vazia- Cadê a (censurado) dessa carteira???? Calma, galera, o filme é
infantil. Tem que ter “pi”...
CENA 8
O decidido demitido da Escola Correta Decisão está no Circular Barro/ Tancredo
Neves. Ainda pensando na maré de azar que inundou sua vida com a dispensa de Zaira,
canta uma música que retrata sua “dor de corno”. E se propõe a cantar uma
música do Fat Family à capela. Isso chama a atenção daquela velha de vinte e
nove filhos.
-Tire esses olhos de mim, se você não
sabe se está afim. Fica nessa indecisão, magoando o coração de quem ama e não
perde a ilusão. Você nunca percebeu que o amor é mais que um simples prazer; é ter
vontade de dar e se entregar bem muito mais, e de tudo ser capaz. Se você
demorar, eu não vou te procurar. Eu não vou, não! Não vou! Eu não vou, não! Se
você demorar, eu não vou te procurar. Eu não vou não! Não vou! Não vou! Não vou...
Eu me sinto tão carente e sozinho, procurando um alguém para amar. Se você
quiser voltar, não precisa nem ligar. Vem depressa, estou no mesmo lugar...
-Você canta bem, hein, rapaz? Já pensou
em vender disco por cinco reais no ônibus?
-Não, eu não canto. Sou professor de
português.
-Misericórdia, que estrago! Mas pensa
bem: tu ia ganhar muito dinheiro se soltasse a voz.
-A senhora acha mesmo?
-Oxente, eu tô é certa. Só tem que parar
de cantar essas músicas de “dor de corno”.
-Não é música de “dor de corno”.
-Vá por mim. Eu entendo da coisa. Já
sofri desse mal vinte e nove vezes. Se você não tomar cuidado, vai cantar “Oceano”
quando brigar com a namorada. Falando nisso, como é a letra?
-Amar é um
deserto e seus temores... - berra, pensando em Zaira.
-Eu tô te falando que o negócio é grave,
meu amigo!
CENA 9
Manjericão sai da diretoria com a sua
carteira de trabalho. Cabisbaixo, ele é observado por Vic, Julianne e Jeferson.
-Tadinho do Manjericão- lamenta Vic.
-Agora ele não vai dar mais aula pra
gente. Isso se o colégio mudar o horário dele- comenta Julianne.
-Caramba, eu tive uma ideia!- Jeferson dá
um susto.
-Pra trazer Manjericão de volta?- as
meninas questionam.
-Não, pra ter o que fazer agora. Vou ler
“O Senhor dos Anéis”- retira-se.
-Bom, se ninguém vai fazer nada, eu
faço.
-Vai fazer o quê, Vic? Conversar com o
diretor?
-Melhor, fazer pressão popular. E eu sei
quem sabe fazer a melhor campanha pra trazer o Manjericão de volta pra escola-
corre até Matheus, que está sentado num banco junto com Thiago, e cochicha algo
em seu ouvido. Julianne fica preocupada com a ideia da amiga.
CENA 10
O co-protagonista dessa desgraça de
filme está comprando uma coxinha na cantina e vendo seus ex- alunos brincarem,
sem que saibam o que está realmente acontecendo. De repente, vê uma aglomeração
de estudantes e Vic o puxa.
-O que é?
-Vem ver, Manjericão.
Quando o rapaz se aproxima, os alunos
estão acompanhando a gravação do “Furo Decisão”. Thiago e Matheus estão
sentados no mesmo banco, olhando para a câmera segurada por Lucas.
-Agora vamos estrear um novo quadro no “Furo
Decisão”: “De volta para minha terra”.
-Isso já existe, Thiago. É de um
programa velho pra caramba, a gente tá ganhando dele no Ibope, inclusive. Hoje
temos a estreia do quadro “De volta pra minha escola”.
-Pois é. Compartilhe no Facebook, no Twitter
e no falecido Orkut este vídeo, pra que ele chegue ao diretor da Escola Municipal
Correta Decisão e recontrate o tal de Manjericão.
-“Falecido Orkut? Só tu usa isso ainda, né?
-Melhor do que escrever uma coisa bonita
no Face, receber uma notificação e quando abrir, ler “Matheus Felipe enviou uma
solicitação para CastleVille”. Joga CaféMania em silêncio, ninguém precisa
saber.
-Agora sabe, idiota. Pra quem tem
Twitter, levante a tag #TeamManjericão e pronto.
-Os nossos telespectadores, que não têm
nada melhor pra fazer, fazem um coro na porta de emissora. E adivinha o que
eles estão gritando?
-Manjericão! Manjericão! Manjericão!
Enquanto isso é repetido quarenta e
quatro vezes, como o “Cão Arrependido”, o cérebro de Manjericão recorda a velha
do transporte público (ela transita, hein?):
-Você canta bem, hein, rapaz? Já pensou
em vender disco por cinco reais no ônibus?
-Não, eu não canto. Sou professor de
português.
-Misericórdia, que estrago! Mas pensa
bem: tu ia ganhar muito dinheiro se soltasse a voz.
E ele tem uma visão, tipo a Raven Baxter:
ele está rodeado de crianças cantando uma canção que leva todos ao delírio.
Isso vai acontecer na penúltima sequência, mas gravamos a cena para evitar transtornos
de locação com a chuva e a Copa das Confederações.
-Claro... Só assim eu vou sair do
vermelho... E o “Furo Decisão” vai me ajudar. Eu vou me tornar... Um cantor viral!
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