FURO DECISÃO- O FILME/ SEQUÊNCIA DE CENAS 12

CENA 56

Zaira decide fingir para não despertar suspeitas no elenco numeroso do filme (e que ainda vai crescer, por sinal!) e visita o homem que por ela foi prejudicado.

-Manjericão?

-Zaira?- levanta-se e se aproxima das grades- Eu sou inocente. Tudo do que eles me acusam é mentira. Alguém quer me prejudicar, mas eu não sei quem.

-Calma, querido. Eu acredito na sua inocência. Daqui a pouco, a polícia vai arrumar um promotor público pra cuidar do seu caso.

-Pelo menos você acredita em mim.

-Mas era a Mabi que você queria que acreditasse, né?

-Eu sempre fui sincero com você. Não posso fugir dos meus sentimentos. O que me irrita é que até agora, ela não veio me ver.

-As visitas estavam proibidas. O delegado só deixou as visitas entrarem agora, e uma de cada vez.

-Eu ouvia a voz dos meninos, Zaira. Ouvi a Danila, o Matheus gritando por causa da Danila, os meninos filmando pra divulgar no Twitter o movimento “Free Manjericão”, a Gabriella ligando pro pai pedindo ajuda...

-Tente entender essa moça. Você gosta dela, mas é um bandido pra lei.

-Se você soubesse como me faz bem saber que eu tenho alguém...

-Com quem você pode contar. Quando você sair daqui, a gente vai escrever novos capítulos para as nossas vidas- toca “Epoca”, do Gotan Project, e não por acaso- Talvez possamos fazer isso juntos, já que a nossa história não terminou.

-Obrigado, Zaira. Eu não sei o que ia ser de mim se não fosse o seu apoio- chora.

Zaira pega a mão do músico freelancer (e por enquanto, fracassado) e a beija. Depois, medita.

-Vai chorando, vai, coração. O que me interessa é botar a mão na grana do velho...

CENA 57

Gabriella decide conversar com os apresentadores envolvidos na equipe do videoclipe de Manjericão.

-Minha gente, o motorista da van não pode esperar mais. A gente já passou o final de semana todo aqui. Temos que voltar pra casa.

-Só dá mais um tempinho pra gente, Gabriella- pede Matheus.

-Daqui a pouco, o Manjericão sai da cadeia. A gente tá organizando um protesto pelo Facebook. E também um plano.

-Me poupe dos seus planos. É muito grave o que tá rolando aqui, Será que vocês não têm noção? Até a Danila foi presa por atentado.

-Quem mandou ela ficar me cantando vestida de Joelma?

-Mas eu falei com o meu pai e ele vai conseguir tirar ela daqui. Só que o crime de Manjericão é mais grave. O delegado já avisou que ele vai ser transferido pra Penitenciária de Muro Baixo. Sinto muito, galera, mas... O nosso clipe melou. Eu mesma vou desistir.

-Fale por si, Gabriella! Porque nós vamos produzir um episódio com recorde de audiência no YouTube. Manjericão será solto e vai brilhar na parada da Bieber!

-Billboard, não?- corrige Thiago?

-Ah, é...

Ba dum tss!

-Tá bom, eu faço o videoclipe pra ajudar o Manjericão. Qual é o plano de vocês?

-Simples: você vai ter que colocar uma escuta no Thiago.

-E de quem ele vai tirar a confissão?

-Do próprio Manjericão.

CENA 58

Danila sai da delegacia e é recebida por Gabriella.

-Danila, temos um trabalho pra você.

-Mas o Manjericão saiu da prisão?

-Ainda não, mas você vai ter que ajudar. Eu preciso que você construa um look para advogado.

-Certo. Quem é o advogado?

-Um estudante de Letras.

-Oi? Tudo bem, já entendi. Eu trouxe de um tudo na minha mala roxa! Vamos pra van.

E Danila ajuda Thiago a se trocar ao som de “Weekend”. É, “Weekend” de novo. Primeiro por causa da conversa do guarda com os integrantes da banda, o que lembra o “Esquadrão da Moda” para pseudo-alunos de Direito, e segundo... Porque o resto da trilha sonora será usado nas outras setenta e quatro cenas.

Quando Thiago está todo bacana, e olha que pra ele ficar bacana só calado e dormindo, ele pergunta:

-Tô bem agora?

Os olhares atentos da equipe ficam apreensivos.

-Só falta um toque mais doméstico e simples, pra parecer advogado que ganha mal. Já sei: óculos de pobre!- Danila procura ao redor da van- Mas quem é que tem isso... Você!

-Ah, não. Eu não vou ficar sem enxergar por causa dele!- Matheus se recusa.

-Meu bem, depois que ficarmos sozinhos, eu vou fazer seus olhos revirarem tanto que você não vai precisar nem de lente de contato- aproxima-se, estufando a comissão de frente.

-Não, leva, leva, leva!- tira o par, apavorado.

-Ameaças em braile: quem nunca?- Gabriella se diverte com a cena.

CENA 59

Zaira comemora a repercussão do seu plano maléfico de acabar com a carreira de Manjericão antes da mesma começar. Ela confere tudo através da internet pelo celular.

-O caso tomou conta dos principais sites policiais do Estado. Finalmente esse apelido medonho serviu pra alguma coisa...

Mas ao voltar para o Google, encontra uma nota num site de subcelebridades. A página é “Bella Café”, alcunha de uma ex-escritora de romances que passou a contar fofocas de pessoas que estão na mídia.

-Clipe independente prejudica musa dominical. Quem convive nesse mundo dos famosos sabe que as sub-celebridades estão disputando à tapa chances de aparecer posando até ao lado de um cágado. Mabi Gutierrez, que já foi considerada um sex symbol das tardes de domingo (e responsável por picos da audiência na década de 2000) decidiu virar atriz e atuar num videoclipe que seria lançado no YouTube. O problema é que o cantor (um freelancer desesperado) foi preso na tarde deste sábado (13) por tráfico de produtos ilegais, como Top Therm. O processo corre em segredo de justiça. Vamos torcer para que a eterna musa da taça encontre seu caminho, mas bem que ela podia checar com quem trabalha antes, não é?

-Musa da taça? A Mabi? Que história é essa?

CENA 60

O policial diz a Manjericão:

-Vem comigo. Você tem visita.

-É a Mabi?

-Não, é um homem que se ofereceu pra cuidar do teu caso- abre as grades e leva o cantor para uma sala de iluminação azul e com a parede externa de filmes, onde por dentro a pessoa está se vendo num espelho, sabe como é? Não importa. Thiago se vira e surpreende Manjericão.

-Você?

-Já se conhecem?

-Defendi muitos casos notórios- e Thiago começa a falar como se fosse parente da Marília Gabriela- Vai ver ele me reconhece da internet.

-Eu nunca ouvi falar do senhor- o policial desconfia.

-Casos notórios internacionais.

-Piorou!

-Será que o senhor não pode me deixar com este cliente a sós?

-Não. Eu preciso verificar o que vocês estão conversando. A não ser que tenham algo a esconder da lei, doutor...

-Gabriel. Meu nome é Thiago Gabriel e quero ser representante do caso de Manjericão. Afaste-se... Afaste-se mais... Mais! Mais!- com os gritos, o policial fica à porta.

-O que o senhor tá fazendo aqui?- Manjericão entra na fantasia.

-Ando pesquisando o seu caso, e ele me pareceu ter tomado proporções indesejáveis. Poderia estar estudando Saussure, Bakhtin, Bechara, Althusser e todos aqueles homens de nome esquisito. Mas... Manjericão faz parte dos ossos do ofício. Vai ver porque de normal não tem nada!

-Thiago, o quê é que você quer aqui?

-Saber a verdade.

-Você tá desconfiando de mim?

-Não, é claro que não. Porrrrque...

-Porque você é meu amigo.

-Porrrrque...

-Porque foi com a minha cara.

-Porrrrque...

-Porque eu elogiei o “Furo Decisão” pela tentativa de tentar me trazer de volta à Escola Municipal Correta Decisão.

-E você foi demitido de lá porrrr quê?

-Peraí! Como é que você sabe que ele foi demitido?

Música do “Esquilo dramático” no ar.

-Raciocine, senhor policial: ele tem algum problema de saúde?

-Não.

-Já teve antecedentes criminais?

-Não.

-É uma referência no ensino da Língua Portuguesa, como o Pasquale?

-Não.

-Então, alguma bobagem ele fez, senão estaria no emprego até hoje, e você está me interrogando porrrr quê?- o policial volta à porta- Manjericão, conte-me tudo, desde o princípio.

-Foi uma tarde...

-Sim?

-Bastante chuvosa?

-A-hã- lembra-se da cena em que Manjericão, Matheus e ele enfrentaram uma chuva para chegar ao apartamento, ao som de “Águas de março”- Prossiga!

-E havia pau, pedra e fim do caminho, como já diria Gaby Amarantos...

-Exatamente!- sorri.

-E mamãe começou a ter as dores do parto. Teve que parir na Ceasa, coitada. Este é o princípio: eu nasci.

-Nós terminamos o primeiro bloco, hoje de frente com Leonardo Manjericão. A gente volta já, já. O senhor se importaria em pegar um copo d’água?

-Me importaria.

-Pega essa desgraça da água Santa Joana e traz o meu copo agora!- afugenta o policial, enquanto parte para agressão física contra o lento co-protagonista. Curiosamente, o oficial não presta atenção no espelho, que transmite a cena violenta. Volta para a sala e entrega o copo.

-Diga-me, você desconfia de alguém?

-Não, não faço ideia de quem... Atchim!- e cospe um dente quebrado na cara do “advogado”.

-Talvez a Zaira tivesse algo contra você.

-Ou o Thiago.

-Esse, sim... O quêêêêêê?

-Nunca confiei nele. Muito suspeito. Vinte e um anos, com cara de dezessete, e diz que o segredo da juventude dele é estojo Bic? A professora perguntou o que é “palavra” e ele não sabe responder até hoje? Pra editar um foto, usa o Paint em vez do Photoshop?

-Eu também desconfio daquele universitário. Vou comentar dessa conversa com o delegado.

-Vou entregar o caso- Thiago se irrita- Talvez você seja mesmo culpado, talvez você tenha sido enganado porque queria traficar Activia!

“Esquilo dramático”.

-Não, não é isso!

-Sim, a Mabi contou que você passou horas no banheiro antes de viajar. Sabe muito bem que Activia é proibido no país, e mesmo assim poderia ter vendido a algum viciado que não encontrava Elixir Paregórico no três-quatro-meia-quatro-oito-quatro-zero-zero.

-Por favor, Dr. Gabriel!

-Policial, diga ao delegado que eu entrego o caso.

-Eu peço desculpas. Eu não falo mais de você... Digo, do Thiago.

-Judicialmente, não te represento mais. Fiquei magoado. Cansei de ilusões- pega a maleta e volta para a van.

-Ô, boca!- resmunga Manjericão.