Quinta-feira, primeiro de outubro de
2015...
Dez
horas da manhã, começando o intervalo de vinte minutos. Lavínia, a professora
de Português do Terceiro Ano, se mostrou à disposição do descanso antes dos
colegas da escola em que atua. A diretora entra na sala dos docentes.
-Ainda
bem que te achei, queria falar com você- percebe o semblante triste de Lavínia-
O que houve? Problema com aluno?
-Antes
fosse. É o mesmo de sempre.
-Desentendimentos
com seu marido?
-Nem
isso. Pra ele, já não vale mais a pena brigar.
-Lavínia,
eu sei que nós já falamos muito sobre isso, mas eu vou insistir: pra quê
empurrar esse casamento com a barriga? Olha pro tempo que vocês estão juntos. É
normal que depois de tanto tempo haja uma distância. É natural.
-"Abismo"
é o que você quer dizer. Porque Caíque anda tão distante que parece que pegou o
Rio Doce/ CDU.
-Então,
procure dar um gás a esse casamento.
-Como?
O que eu faço?
-Surpreenda
o seu marido.
-Bem
que eu ando desconfiada.
-Do
quê?
-Que
ele tenha outra, que esteja saindo com outra mulher. Sabe que eu até pensei em
ir atrás dele, pra ter certeza?
-Por
acaso você sentiu algum cheiro diferente na roupa? Uma mancha de batom no
colarinho?
-Não,
mas alguma coisa tem pra ele não querer mais saber de mim.
-Falta
de fogo na relação, minha filha. E sabe como você faz pra acender? Com
surpresas.
-Não
entendi.
-Minha
querida, o negócio é o seguinte: você tem que surpreender Caíque. Faça alguma
coisa que você nunca fez pra ele.
-Como
o quê, Amparo?
-Lembra
de Eleonora, a professora de Educação Física que trabalhava aqui até ano
passado? Tava com o mesmo problema com o marido, e ela tinha menos tempo de
casamento que você. Resolveu como? Aproveitou que o marido não lhe procurava há
um tempo e surpreendeu fazendo uma tatuagem. O homem ficou louco e estão juntos
até hoje.
-Sim,
mas ela desenhou uma seta! Preciso dizer mais alguma coisa?
-Procure
algo que vocês dois gostem. Uma letra de música, talvez. Todo casal tem uma
música própria, não é possível.
-Quando
eu conheci meu marido, eu estava numa danceteria. Esbarrei nele ao som de "Adocica".
Quer realmente que eu salve meu casamento tatuando "Adocica"?
-Faça
uma tatuagem que desperte curiosidade nele. Olha pra você: toda careta,
certinha, parece que foi casar depois de ter saído do convento. Te liberta, mulher!
O
último retoque do visual de noivo já é dado por Henrique: põe uma gravata.
Vários de seus colegas no jornal- onde ele atua sob o pseudônimo de Gabriel
Arenas- estão lhe ajudando e fazendo piadas, como o fato de ele parecer mais
nervoso que a noiva.
Do
espelho, Henrique avista Otávio Brainer, seu amigo e editor-chefe, entrando no
quarto.
-Até
que enfim você chegou. O que foi? Teu pneu estourou de novo?
-Ele
tava dizendo que sem o patrão, ele não casava- um dos funcionários do jornal
faz mais uma piada.
-Tem
como vocês nos darem licença? Eu preciso falar uma palavrinha com ele.
-Ih,
já vi que é bronca. Podem ir, que eu resolvo com ele.
-Cuidado,
que quem atrasa no casamento é a noiva- outro amigo continua no clima
agradável, sem perceber o receio de Otávio.
-Fala,
Otávio. O que aconteceu?
-Gabriel,
eu sei que essa não é a melhor hora pra...
-Pode
me chamar de Henrique mesmo, cara. Gabriel é só lá no jornal. Fala logo, que eu
não posso me atrasar.
-Eu
sei que eu não tenho o direito de dizer isso no dia do teu casamento, mas... Você
tem o direito de saber.
-Otávio,
tá me assustando. Aconteceu alguma coisa com Ariela?
-Não.
É que... Eu estava na redação ainda há pouco quando eu recebi uma ligação da
direção do presídio.
-Presídio?
-O
que estava seu pai- nesse momento, Henrique sente que o que houve realmente foi
grave- Os detentos fizeram uma confusão lá dentro e...
-Meu
pai se feriu, foi isso?
-O
problema aconteceu justamente por conta dele. Você lembra que ele já andava com
uns problemas de saúde, ia muitas vezes pro ambulatório do presídio...
-Otávio,
fala!
-Seu
pai roubou um frasco de comprimidos do ambulatório. Comprimidos que eram
recomendados em caso de problemas com ansiedade. Ingeriu todos, de uma só vez.
-Como
meu pai tá agora, Otávio?
-Eu
não sei te dizer, mas parece que o estado dele é muito grave. Ainda liguei pra
lá, mas não souberam me informar nada.
-Eu
vou pra lá!
-Espera,
e o casamento?
-Avisa
pra Ariela que eu vou até o presídio saber notícia do meu pai. Daqui a pouco,
ela deve chegar até a igreja. Vai pra lá e conta tudo que aconteceu.
Um
dos principais personagens, o quase ingênuo Frederico Barreto, entra em cena em
busca de uma oportunidade. De ganhar dinheiro? Antes fosse. De conseguir um
estágio. Remunerado? Vai sonhando. De graça mesmo. Supervisionado? Quem te
ilude, ó, leitor (a)?
Enfim,
Fred chega à Escola de Referência em Ensino Médio Antonio Nipo e aguarda pela
volta de Maria do Amparo à diretoria. Maribel, a coordenadora, avisa:
-Amparo,
esse rapaz é da Federal. Quer falar com você sobre um negócio de estágio.
-Ah,
sim. Tudo bem- aperta a mão do rapaz- Pode se sentar, fique à vontade.
-Obrigado.
-De
que período você é?
-Do
sétimo. A gente já tá, inclusive, se adiantando com as coisas da formatura.
-Que
bom. E qual é a licenciatura que você faz?
-Em
português.
-Ótimo.
-Eu
vim saber se algum professor daqui tem disponibilidade pra me aceitar.
-Se
você tivesse chegado há uns minutos atrás, eu te apresentava a professora
Lavínia. Ela é muito boa. Agora, ela está dando aula só pras turmas de Terceiro
Ano.
-E
as turmas são boas?
-Não,
são as menos piores. O 3º B praticamente não conta, porque como ainda não chegaram
os tablets, praticamente não tem alunos. Isso sem contar a própria evasão
escolar do ensino médio. Já viu, né?
-E
o 3º A?
-É
o que tem um rendimento melhorzinho. Lavínia mesmo diz que gosta de trabalhar
com eles.
-Amanhã,
ela tá aqui na escola? Porque eu passo e falo com ela pessoalmente, pra me
apresentar.
-Não
seja por isso. A gente vai até a sala dela e se apresenta. Ela não vai se
incomodar. É na sala 04. Vem comigo...
-Frederico.
-Pronto.
Tenho certeza de que você vai gostar muito da Lavínia. É a melhor professora de
português daqui.
A primeira impressão pode ficar. Só digo isso.
Jayme
dirige o carro que leva a filha, Ariela, até a igreja que está preparada para
celebrar o casamento. Abre a porta do carro.
-Como
é que eu tô?
-Linda.
Cada vez mais linda, minha filha.
-Finalmente,
o dia chegou.
-Ariela-
Otávio chega em seu carro- Eu preciso falar com você.
-Mas
agora, Otávio?
-Aconteceu
alguma coisa?
-O
Norberto, o pai de Gabriel...
-Quem?
-Gabriel,
Painho. O nome que Rique usa no jornal, o pseudônimo dele. O que foi que houve
com Norberto?
-Ele
foi internando às pressas. Ingeriu diversos medicamentos de uma só vez no presídio.
O que chegou pra mim foi que ele está em estado grave.
-Você
veio pra avisar o Rique?
-Não,
eu vim pra te avisar. Gabriel já sabe, e é por isso que ele não veio pra
igreja.
-Foi
pro presídio, então?
-Foi.
-Eu
vou pra lá.
-Minha
filha, você não pode ir.
-Por
que não? O meu noivo precisa de mim.
-Mas
você tá vestida de noiva!
-Painho,
pra passar em casa, tirar o vestido e ir pro presídio não dá.
-Espera,
Ariela, eu vou com você.
-O
problema é que eu não sei chegar até lá.
-Eu
também estou indo pra lá, Ariela. Vocês podem ir seguindo meu carro.
-Filha,
que satisfação eu vou dar aos convidados?
-Diz
a verdade: que meu noivo teve um problema e que eu não vou casar agora... Meu
Deus, e se o Norberto não aguentar? Rique passando pela agonia que eu passei
com a minha mãe... Painho, faz o seguinte: entra na igreja e avisa pro meu
irmão e pros outros o que aconteceu. Otávio, tenta ligar pra Rique e pergunta
como tá a situação do Norberto.
-Só
dá desligado.
-Droga!
Pra que ficar com esse telefone no bolso, então?
-Ariela,
o seu noivo tá desesperado! Nem deve tá pensando em celular a essa hora!
-É,
Ariela, mas ele mesmo pediu pra vir te avisar.
-Sabe
de uma coisa? Fala com o padre, Painho. Fala com o padre e avisa aos convidados
que não vai ter cerimônia nenhuma.
-Como
assim? Como eu vou dizer isso?
-Não
sei, mas eu vou pro presídio. Otávio, me leva, por favor.
-Claro,
vem comigo.
-Ariela,
me espera, por favor!
-Fica
tranquilo, e avisa aos convidados- a noiva entra no carro, desesperada. Jayme
corre pelas escadas da igreja e chama a atenção dos convidados, que veem Ariela
indo embora com Otávio.
Lavínia
está empolgadíssima com mais um dia de aula (essa frase foi apenas um teste
para saber se você prestou atenção no início, já que ela estava sorumbática com
o próprio casamento). Os alunos do 3º A usavam aquele velho recurso dos quinze
minutos de tolerância. Como a sala 04 conta com um amplo sistema de ventilação-
janelas e portas abertas até que ventiladores ganhem licitação para funcionar-
havia muito barulho dos alunos das outras turmas conversando no corredor.
Visivelmente
incomodada, Lavínia prosseguia, mesmo tendo que aguentar um papo em alto som
entre Felipe e Rayane. Quem são estes? Calma, antes vamos apresentar pra vocês
o irmão de Rayane, e que na contramão da moça, é o aluno mais aplicado da sala.
Alexandre
também se sente incomodado em ver a garota ao lado de Felipe, principalmente
por estar sentado na primeira cadeira, perto da porta (pense num inferno!).
Victória, a amiga de Rayane que é tão verdadeira quanto uma moeda de R$ 4,75,
vai até a lixeira que está perto da lousa e começa a apontar o lápis com o
estilete. Terminado o ato, aproxima-se do aplicado estudante.
-Cadê
tua irmã, que não entrou ainda?
-Adivinha?-
Xande olha para a porta. Vivi disfarça o descontentamento e volta para a última
cadeira da primeira fila.
Como
a falta de vocação para Madre Teresa de Calcutá a fez optar pela profissão da
docência, Lavínia chegou à porta da sala e se dirigiu aos dois, que haviam
trocado a longa e desnecessária conversa por um beijo que empolgou os alunos
que assistiam à cena (exceto Xande).
-São
dez e trinta e cinco já. Vão entrar ou eu vou ter de mandar os dois pra sala de
Amparo?
-Filma
isso, que vai ter briga- Bernardo, o irmão de Victória, diz isso para o amigo
André, que está ao seu lado.
-Relaxa,
professora- pede Felipe, de maneira um tanto quanto marota- A senhora disse que
não pode beijar dentro da sala, tô beijando no corredor, ué!
-Pra
ver se você estuda, pra ver se você quer alguma coisa com a vida. Mas mesmo
proibindo, você quer bater de frente comigo.
-Ô,
Lavínia, menos- pede Rayane.
-Isso
é jeito de falar com a professora, Rayane? Perdeu o juízo?- Xande intervém a
favor da docente.
-Pronto.
Chegou o puxa-saco- brada Felipe.
-Vocês
vão entrar ou eu vou ter que chamar Amparo pra vir aqui?
-A
senhora tá muito estressada, não era assim, não.
-Seu
namorado também não me dava tanto trabalho, não é, Rayane?
-Mas
me ignorar a senhora não quer, né? Tô começando a achar que a senhora tem algum
problema comigo.
-Já
você, de um tempo pra cá, passou a ter problema com todo mundo. Estou esperando
a resposta: vão entrar ou eu mando os dois pra diretoria?
-Sabe
o que eu acho? Na boa? Seu problema deve ser falta de homem em casa.
-Como
é que é?
-Um
cara pra te dar um trato. Quando a coisa vai mal em casa, professor inventa de
descontar no aluno. É ou não é?- a pergunta de Felipe é dirigida ao público
discente, cuja maioria concorda.
-O
que acontece na minha vida privada é assunto meu. E não me interessa se você e
Rayane estão ficando, se estão namorando, se frequentam um motel... Não
interessa! O que eu quero é dar a minha aula pra todo mundo, ou pelo menos pra
todo mundo que tiver interessado nela! Se vocês não sabem, eu sou paga pra
mostrar que vocês têm futuro.
-Muito
mal paga.
-Concordo,
Felipe. Mas não fico puxando o tapete dos outros por ser frustrada. E se eu
for, deixo minha frustração na hora que tranco a porta da minha casa e saio.
Sou sua amiga, como sou de todo mundo aqui. Mas não divido meus problemas com
quem não tem nada a ver com isso. Só que você está atrapalhando minha aula,
então me atinge, sim!
-Vamos,
Felipe. Deixa de bate-boca- Rayane tenta convencê-lo a entrar. Xande, vendo que
a irmã voltou à razão, acompanha-lhe. Só que todos são surpreendidos quando o
problemático estudante dá um tapa numa das nádegas de Lavínia, que voltava à
lousa e estava de costas. A atitude leva os alunos ao frisson.
-Mas
se quiser alguém pra resolver o problema, pode me chamar.
Enfurecida,
Lavínia olha pro rosto do rapaz e não repara a chegada de Fred e Amparo, que
notam a tensão existente na sala.
-Já
sei como resolver meu problema... – e a professora revida a agressão com uma
bofetada no rosto do rapaz, que fica desconcertado- Gostou?
-Filha
da mãe!- Felipe parte pra cima da professora, mas esta é afastada por Xande.
Rayane tenta segurar o namorado, enquanto Amparo e Fred entram na briga para
tentar acalmar os ânimos.
E
os alunos, é claro, ficam em polvorosa para ligarem os celulares.
Otávio
e Ariela chegam ao presídio, tendo que enfrentar diversos repórteres que estão
à espera de informações sobre o estado de saúde de Norberto. A moça,
entretanto, consegue passar por eles ao chamar a atenção vestida de noiva.
Otávio tenta contê-la, mas não consegue. Os dois se dirigem a um dos guardas.
-Por
favor, eu preciso de uma informação...
-É
sobre o detento Norberto Soares Nunes? Eu já disse pra todo mundo aqui que a
diretoria do presídio não me autorizou a divulgar informações sobre o estado de
saúde dele...
-Moço,
o meu noivo tá aí dentro, e a gente não sabe notícia nenhuma!
-Calma,
Ariela! Eu vou ligar pro diretor do presídio. Eu sou editor-chefe do jornal,
alguma coisa ele vai ter que me dizer...
Henrique
sai do presídio e dá de cara com a noiva.
-Como
é que tá seu pai, Rique?
-Fala
alguma coisa. O Norberto tá bem?
-Meu
amor... O que foi que aconteceu?
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